"Entre o Exército e o militarismo, vai um
despenhadeiro. O militarismo é a canceração do Exército. Está para o
Exército como o clericalismo para a religião, o demagogismo para o
governo popular, o egoísmo para o eu. O militarismo pode trazer
vantagens a militares esquecidos do voto profissional. Mas, para o
Exército, é o descrédito, a ruína, o ódio público. Ora, a política no
Exército leva fatalmente ao militarismo. Entre o Exército e a política
se deve, portanto, levantar a mais alta muralha."
Quem disse isso? Um solerte esquerdista? Não —Rui Barbosa, em 21 de
junho de 1893, no Jornal do Brasil. Se vivesse em nosso tempo, o baiano
ficaria estarrecido ao ver como o Exército brasileiro entregou-se a um presidente que militarizou a política e politizou as Forças Armadas
a grau jamais concebido. E, mais incrível, como esse presidente foi um
elemento que, entre o final dos anos 1980 e o início dos 1990, era
persona non gratissima na corporação —militar expulso por terrorismo e,
já como político, proibido por ela de entrar nos quartéis.
O longo caminho de Jair Bolsonaro para reverter tamanho opróbrio e
tornar-se chefe supremo dessas mesmas Forças Armadas, com poder para
acoelhar generais, tratá-los como recrutas e insuflá-los ao golpismo,
está no livro "Poder Camuflado", de Fabio Victor, de que falei aqui na quinta-feira (8).
Os detalhes de como isso se deu não cabem neste espaço. É ler para crer
como um sujeito aparentemente tão tosco pôs a seus pés homens que se
pretendem estudiosos, responsáveis e justos.
Talvez Bolsonaro não fosse tão tosco. Talvez tenha aprendido a ler a
cabeça dos militares que, no passado, estabanadamente desafiara. Talvez
os tenha convencido de que, no poder, botaria em prática as ideias
deles. Talvez por isso os militares passassem a ver nele o messias cuja
volta esperavam.
Não tem como errar. Todas as opções acima estão corretas.
* Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2022/12/o-segredo-da-volta-por-cima.shtml
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