Publicações por Paulo Silva Pinto
Os brasileiros querem ser mais informados e a mídia precisa atender a essa necessidade com maior eficiência, diz o jornalista Janio de Freitas, 90 anos. Ele escreverá artigos semanais no Poder360 todas as sextas-feiras. Começa em 20 de janeiro de 2023.
Em entrevista em vídeo a partir de sua casa, no Rio, Janio afirmou que o jornalismo passa de forma inexorável pelo meio digital. “Todo mundo está com celular, quase o tempo olhando para a tela. Isso é um meio de comunicação fantástico, uma coisa absurda. Não se imaginou que fosse possível uma extensão tão grande, tão absoluta, universal, das comunicações. A informação digital chegou, venceu. E só vai se ampliar”, vaticinou Janio na conversa com o Poder360. Ele é jornalista há 69 anos. A entrevista foi gravada na 2ª feira (16.jan).
Os veículos de mídia que não se adaptarem terão dificuldades para sobreviver. “Os jornais, na sua imutabilidade, caminham para um fim triste”, afirmou Janio.
Assista à íntegra da entrevista com Janio de Freitas (44min20s):
Janio informa que elogiará ou criticará em seus artigos pessoas públicas e suas ações quando julgar necessário. “Ter uma opinião favorável ou contrária hoje não significa que amanhã a mesma posição se repita”, declara o jornalista.
Ele relembrou que em 2003, no início do 1º mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi mais crítico do que muitas pessoas esperavam. Havia elogiado Lula durante a campanha eleitoral pela preocupação em combater a desigualdade. Mas avaliou que as decisões do início do governo iam em sentido contrário a isso.
A seguir, trechos da entrevista:
Poder360:
Em entrevista ao Poder360, em maio de 2022, você disse que o jornalismo
brasileiro não havia dado ainda uma resposta à internet. Na sua avaliação essa
resposta é possível ou provável?
Janio de Freitas: Os
jornais, parece, não acreditam que o mundo tenha mudado com os processos
informáticos. Continuam na mesma. Para baixo, descendo. O futuro é muito
perigoso. No exterior, ainda houve uma certa tentativa de aproximação da
internet. O que tem salvado na Europa e nos Estados Unidos é a quantidade de
bons leitores, que não se satisfazem só com a internet. Vão aos livros, aos jornais
e às revistas. Mas isso no Brasil não acontece porque o leitor de alta
qualificação é pouco numeroso. Já foi mais numeroso, mas a degradação do país
não tem limite. Os jornais, na sua imutabilidade, caminham para um fim triste.
Qual seria um caminho possível para os jornais e os
jornalistas manterem a relevância?
O Brasil
proporciona uma quantidade de fatos jornalísticos diária sempre suficiente para
abastecer um grande número de jornais impressos, de jornais de informáticos,
telejornais, rádio. A quantidade de fatos é imensa. Há muito mais oferta de
fatos do que procura de fatos pelos repórteres, que são cada vez menos
numerosos nas Redações dos impressos. Revistas, então, vivem um período quase
agônico. A solução é uma revisão de métodos e de concepções. Isso já aconteceu,
por exemplo, quando os jornais impressos foram praticamente agredidos pelo
surgimento da televisão móvel, que podia acompanhar os fatos em cima da hora.
Lá atrás, lá pela década de 1920, o impacto tinha sido feito pelo rádio, pela mobilidade
do rádio. A imprensa atravessou esses períodos. Os americanos criaram técnicas
de redação e de apresentação das notícias que revigoraram a imprensa escrita. O
mundo copiou, adaptou. Isso aconteceu na ocasião em que o rádio se desenvolveu
e na ocasião em que a televisão se desenvolveu. Depois não aconteceu mais. Os
jornais pararam onde estavam. E começaram a regredir. A atividade no
Congresso interessa desde o início do século passado. Mas não há mais cobertura
das sessões do Senado, da Câmara e do Congresso. Havia essas coberturas
diárias. Eram muito interessantes quando feitas por jornalistas competentes.
Havia um bom número nesse gênero de trabalho. Eram coisas muito lidas. Hoje há
notícias esparsas. Não se associam entre si. Não se associam com o leitor.
Frequentemente, dada a obsessão de economia que invadiu o jornalismo impresso,
o leitor perde. Nos Estados Unidos e na Europa, algumas coisas voltaram a
ser feitas como antes. Tem resultado suficiente para que os grandes jornais e
as grandes revistas tenham resistido ao impacto do jornal via internet.
Se
houvesse maior oferta de informações, de textos, haveria maior consumo por
parte dos leitores?
Quem é
que não gosta de se sentir bem-informado, de formar uma opinião sobre o que
está acontecendo, de discordar, de discutir? No café, no almoço, no jantar, no
ônibus, no trabalho. Em toda parte. Há um público sempre à disposição de quem
procure informá-lo. O público está sempre aberto a certas coisas. Uma delas é
essa informação. Então, se for fornecida, se for proporcionada ao leitor a
possibilidade de se informar a um bom custo e com um bom resultado no esforço
de se informar, eu não tenho a menor dúvida de que internet, televisão, rádio,
jornal, panfleto, o que for, encontrará público.
Meios digitais têm maior chance de atender a essa
demanda do que os tradicionais?
Hoje em
dia, sim, sem a menor dúvida. Além da imensa difusão do computador, o celular
hoje é um membro a mais no corpo humano. Um adendo na anatomia humana. Todo
mundo está de celular o tempo quase todo olhando para a tela. Isso é um meio de
comunicação fantástico, uma coisa absurda. Não se imaginou nunca que fosse
possível uma extensão tão grande, tão absoluta, universal, das comunicações
entre pessoas e entre empresas. A informação digital chegou, venceu. E só
vai se ampliar.
O governo
Bolsonaro teve muita resistência da mídia de modo geral e até de jornalistas.
Qual foi na sua avaliação o peso que essa resistência de modo geral da mídia
teve para a derrota?
Eu não
tenho elementos para uma medida razoavelmente precisa. Tenho impressão de
que o desgaste que ao longo do tempo se produziu pela imprensa na imagem do
Bolsonaro necessariamente levou a um desgaste também da opinião do eleitor em
relação a ele. Apesar disso, não deixou de ser surpreendente a votação que ele
teve. Mas essa votação não superou o desgaste. Logo depois, as primeiras
pesquisas constataram que a opinião favorável a Bolsonaro tinha voltado aos 30
e poucos por cento de antes da campanha eleitoral. A imprensa contribuiu decisivamente
nesse desgaste dando uma ideia pública de quem ele era, do que estava fazendo,
do que pretendia fazer. Essa foi a contribuição. Eu não conheço nenhuma
aferição do papel que a imprensa teve. Mas não tenho dúvida de que esse papel
existiu.
Houve um manifesto de jornalistas em outubro de
2022 em repúdio à reeleição de Jair Bolsonaro. Você acha que esse tipo de
manifestação cabe na sociedade brasileira?
A atitude
silenciante dos jornalistas em termos não-profissionais tem uma dose de
hipocrisia bastante acentuada a meu ver. Jornalistas opinam muito por meio
da edição, quando escolhem as matérias que vão ser destacadas, o sentido que
vai ser dado a essas matérias a favor disso ou contra aquilo. E por aí vai
na seleção que os dirigentes de Redação fazem dos colunistas, dos articulistas,
dos colaboradores convidados. Até das cartas dos leitores. Há uma seleção, há
uma depuração. E no Brasil, a vigilância exercida sobre o trabalho das Redações
é muito frágil, muito precária. Em geral, os erros se repetem de uma tal
maneira que a gente percebe imediatamente que não há vigilância corretiva em
sentido nenhum, inclusive no sentido político.
Na sua avaliação os jornalistas não devem se
manifestar em relação à eleição de alguém?
Eu não
vejo nenhuma restrição para que eles se manifestem também publicamente com seu
próprio nome, com a sua própria cara. Não vejo o maior obstáculo nisso. Eu fui
muito contra isso, contra a publicização da figura do jornalista, da pessoa, do
nome do jornalista. Eu nem assinava matéria nenhuma. No Jornal do Brasil,
meu nome não apareceu. Eu editava o jornal. Eu era absolutamente contra essa
confusão entre a pessoa e o profissional. Nas duas últimas décadas eu
mudei bastante a minha opinião. Passei a achar que a maneira como as Redações
sofrem influências indiretas e indevidas, e que são influências
antijornalísticas, anti-independência, antiobjetividade, aí eu passei a achar
melhor que o jornalista possa logo de uma vez dizer quem ele é, o que ele
pensa, o que ele não pensa do que o contrário: ficar com essa hipótese de que o
jornalista não expõe a própria opinião ou não deve expô-la. Essa coisa acabou
sendo maculada de uma tal maneira que que eu mudei de opinião.
O governo de Lula tem recebido um tratamento mais
favorável do que o de Bolsonaro por parte da mídia. Como será o desafio de ser
crítico ao atual governo?
Opinião é
elogio ou crítica. Cada um se manifestará segundo a oportunidade de
manifestação e as suas ideias, a sua posição diante de cada fato. Ter uma
opinião favorável ou contrária hoje não significa que amanhã a mesma posição se
repita. Quem opina hoje favoravelmente amanhã pode ser crítico e quem é crítico
hoje pode aplaudir amanhã. Isso já me aconteceu infinitas, incontáveis vezes.
Até a ponto de alguns leitores se surpreenderem. Eu me lembro que no 1º
governo Lula se esperava que eu fosse bastante tolerante. No entanto, aconteceu
o seguinte: o Luiz Francisco de Carvalho Filho, advogado brilhante em São
Paulo, colabora com artigos na “Folha de S.Paulo” e é escritor, me telefonou,
logo no começo do governo, muito espantado. Disse: “Você foi o primeiro a
criticar o Lula”. Eu tinha elogiado a campanha do Lula. O interesse do
Lula por trabalhar contra a desigualdade social na época, e ainda, um ponto de
interesse meu muito intenso. Eu sou combatente dessa luta com muito empenho e
muita satisfação por ser assim. E, no entanto, mal tinha acabado de elogiar,
entrei em críticas duras ao Lula, ao Palocci, à política econômica
excessivamente conciliatória. Não foi conciliação. Foi um não cumprimento
daquilo que era esperado como trabalho contra a desigualdade que só veio a
ocorrer bem adiante. Podia ter começado já nos primeiros passos do primeiro
governo.
Como
avalia o início do 3º mandato do presidente Lula?
Outra vez
tem coisas que eu gostaria de aplaudir e coisas que eu acho que ou eram
dispensáveis ou nem deviam ter sido feitas. Por exemplo, a nomeação do
Waldez Góes [ministro
da Integração Nacional]. Ele tem um problema de Justiça sério. Muito
sério. A minha impressão é que essa senhora que foi nomeada para o
Turismo, a Daniela do Waguinho, já por esse nome é de um ridículo imenso. Mas,
sobretudo, não há nada que justifique a nomeação para o Ministério do Turismo.
Ela não tem nada a ver com turismo. Nunca teve absolutamente nada. Não tem
representatividade política para justificar um cargo nas alturas do poder
federal. O marido dela também não. E agora tem todo o noticiário, se correto ou
incorreto, eu não sei. Faz conexões dela e do marido com um miliciano de
Belford Roxo, outro de Nova Iguaçu, outro que não sei onde. Eu não sei se isso
tem fundamento ou não, mas sei que a nomeação dela não tem fundamento
histórico, pessoal, cultural, técnico. Não pretendo silenciar minha
opinião seja a favor ou contrária ao que quer que seja do governo Lula ou de
qualquer governo.
Nos atos de 8 de Janeiro, a mídia responsabilizou o
governo do Distrito Federal pela falta de segurança na Esplanada. E
praticamente isentou o governo federal nesse episódio. O jornalismo poderia ter
tratado o episódio de outra forma?
Quase
tudo precisaria ser tratado de outra forma no 8 de Janeiro e nos dias
subsequentes. Flávio Dino foi absolutamente decisivo na recuperação do
poder sobre os prédios oficiais, os prédios representativos da República. Mas
não houve um repórter grudado nele. Nas últimas 48 horas é que começaram a
aparecer as histórias do que o Flávio Dino tratou naqueles dias com o Lula,
oferecendo alternativa. Essa transação que ele produziu veio a ser decisiva
para a reapropriação do Planalto, do Supremo e do Congresso. Mas não tinha uma
pessoa ali ao lado dele para ver isso e noticiar isso, informando os agoniados
que estavam diante da televisão sofrendo com a visão daqueles acontecimentos
estúpidos, aquela brutalidade e sem saber para onde se ia. Aliás, até hoje,
certeza para onde se vai não temos, né? Se temos, desconfiemos.
A sua reportagem sobre a fraude da Norte-Sul
completou 35 anos em 2022. O que essa história pode indicar de cuidados para os
próximos anos?
As
providências em relação a licitações não foram muitas depois do caso da
Norte-Sul, a começar pelo próprio inquérito. Sepúlveda Pertence era o então o
chefe do Ministério Público. Ele segurou durante meses. Depois mandou arquivar
quando a coisa estava meio esquecida. Não deu em nada, embora o inquérito da
Polícia Federal concluísse que havia, sim, o que investigar porque os
procedimentos eram fraudulentos, como a investigação jornalística tinha
indicado. Houve uma nova lei das licitações. Mas hoje em dia as licitações
continuam sendo motivo de, no mínimo, desconfiança. Já houve casos verificados
no Metrô de São Paulo, no Rodoanel de São Paulo, em hidrelétricas, no Comperj.
Essas coisas, se investigadas, resultariam em revelações muito próximas do que
se revelou no caso da Norte-Sul. No futuro o que preocupa é que 2
ministérios muito suscetíveis, muito mal orientados ao longo do tempo, estão
entregues ao MDB. O Ministério dos Transportes e Ministério das Comunicações. O
dos Transportes é o mesmo no caso Norte-Sul. Eu não estou dizendo que os
ministros que estão lá serão adeptos de fraudes. Estou dizendo que esses 2
ministérios são muito suscetíveis e que o MDB é perigoso. O MDB tanto tem
pessoas muito qualificadas em geral vindas de longe, com atestado passado, mas
também tem vindas de longe e entradas para enriquecer na política. O MDB é um
dos partidos que representa maior risco nesse sentido. O futuro em relação às
possibilidades de repetição de coisas como o Norte-Sul requer muita atenção do
governo e dos jornalistas.
O governo
e o TCU estão dispostos a aceitar que parte das multas de construtoras por
corrupção seja transformada em serviços pra novas obras. É possível fazer esse
tipo de arranjo de modo confiável na sua avaliação?
De modo
confiável é difícil. Acho bastante difícil. Possível sempre é. Não digo que
seja extremamente difícil. Mas que é difícil não há dúvida. As pressões no
Brasil não diminuem com o tempo. Elas aumentam incessantemente. A força da área
de negócios hoje é muito grande. É muito forte. E voltou a ser tão aceita
quanto foi nos períodos piores da imprensa brasileira.
Você
mencionou há pouco a dificuldade de encontrar um rumo. O que é necessário e
possível fazer para que o país encontre um rumo?
O Brasil
está precisando de algumas reformas que não são costumeiramente
citadas. Por exemplo, é preciso modificar o número, a composição numérica
da Câmara dos Deputados. Não no sentido que querem em São Paulo, que cada
bancada estadual seja rigorosamente proporcional à massa de habitantes do
Estado. Isso daria um desequilíbrio gigantesco. São Paulo se tornaria dono da
Câmara. O número de deputados no Brasil é excessivo. A massa dos bagrinhos
no Congresso é de deputados absolutamente inúteis do ponto de vista
institucional. Estão ali sem produzir e custando uma barbaridade. O custo de um
deputado no Brasil é altíssimo. Os favorecimentos que foram concedidos, por
exemplo, na presidência do Aécio Neves [PSDB-MG] durante o governo Fernando Henrique
Cardoso são um absurdo completo. Essa coisa de ter um escritório regional com
15 pessoas é um custo altíssimo, uma barbaridade. O número de deputados
precisa mudar.
A Câmara se tornará produtiva e moralmente respeitável com uma redução substancial do número de deputados. Uma Câmara perceptível, em que se possa ver cada deputado. Hoje, de repente, a gente se depara com o nome de um deputado. Pensa que deve ser suplente. Não. É efetivo. Está lá há anos. E você que trabalha nunca viu o nome desse cara em coisa nenhuma, em nada. Mas vai ver o que ele ganha. Vai ver os benefícios que ele extrai para os seus negócios no seu Estado, para negócios associados. Isso tudo tem um custo brutal no Orçamento da União. E tem um outro custo brutal que é o mau reflexo desse tipo de gente para os trabalhos da Câmara. Esse tipo de reforma está fora do circuito jornalístico e político. Mas seria essencial para o Brasil mudar.
E qual o
papel que o jornalismo pode ter nessa necessária transformação do país que você
mencionou?
Muitos.
Melhorar o sistema informativo no Brasil. E a informação digital profissional
tem melhorado muito, é um é um processo importante. Houve um momento em
que o jornalismo opinativo teve uma ebulição. Coincidiu no tempo com alguns
comentaristas de muito boa qualidade. Sobram muito poucos agora. Esse tipo de
jornalismo que o leitor brasileiro apoiou muito tem grande importância. A
contribuição é um aprimoramento do jornalismo, não é diretamente sobre ação
política ou sobre ação governamental, sobre figuras do poder. É sobre o próprio
jornalismo, é uma dedicação mais séria, mais voluntariosa à ética jornalística
e ao trabalho propriamente jornalístico.
Essa contribuição do jornalismo é provável nos
próximos meses e anos?
Não sei.
Não sou otimista a respeito. Eu não sou naturalmente otimista nem pessimista.
Eu sou cético. Mas no caso eu tenho que acentuar o fato de que eu não sou
otimista.
Leia mais no texto original: (https://www.poder360.com.br/midia/a-informacao-digital-chegou-venceu-diz-janio-de-freitas/)
© 2023 Todos os direitos são reservados ao Poder360, conforme a Lei nº 9.610/98. A publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia são proibidas.
Leia mais no texto original: (https://www.poder360.com.br/midia/a-informacao-digital-chegou-venceu-diz-janio-de-freitas/)
© 2023 Todos os direitos são reservados ao Poder360, conforme a Lei nº 9.610/98. A publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia são proibidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário