quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Eu acuso

Juremir Machado da Silva*

Eu acuso  
Golpistas atacaram Congresso, STF e Palácio do Planalto em 8 de janeiro 
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Emile Zola escreveu o mais belo texto de denúncia de um jornal, Eu acuso, publicado em 13 de janeiro de 1898 em L’Aurore. Acusava meio mundo, inclusive o presidente da França, de ter armado para condenar um oficial judeu, Alfred Dreyfus, por um crime de espionagem que ele não havia cometido. O gaúcho João Neves da Fontoura escreveu o seu Acuso, um panfleto maravilhosamente inflamado contra Getúlio Vargas. Começa com “agora nós”. Modestamente, venho fazer um novo acuso. Já fiz um em outro momento. Eu acuso conservadores brasileiros de terem criado um monstro ideológico: o bolsonarismo. Monstro que, como um vírus, já chegou à sua mutação mais destrutiva, como se viu nos episódios da invasão dos palácios dos três poderes, em Brasília.

Eu acuso o mercado, com suas crises de nervosismo, de ter ajudado na gestação do monstro. Eu acuso dispositivos institucionais, encarnados em juiz justiceiro e procuradores messiânicos, de terem facilitado o parto do monstro, numa operação casada para colocar Lula na cadeia, permitindo a ascensão do monstro individualizado: Jair Bolsonaro. Eu acuso os principais envolvidos de terem feito isso para aparecer, ganhar fama e projeção política. Eu acuso parte do judiciário de ter permitido a adulteração do conceito de prova jurídica para que o nascimento do monstro pudesse se consumar. Eu acuso parte da classe média brasileira de ter abraçado essa narrativa tosca por ignorância, anticomunismo anacrônico e ideologia de extrema direita, chegando a adotar o obscurantismo bolsonarista durante a pandemia, com direito a acreditar em cloroquina contra o coronavírus, a rejeitar vacinas e duvidar da ciência e de suas recomendações.

Eu acuso parte da mídia brasileira, em especial emissoras de rádio, de fomentar o bolsonarismo e de romper com a regra fundamental do jornalismo: o pluralismo, ouvir todos os lados, respeitar o contraditório. Eu acuso parte do jornalismo gaúcho de ter aderido apaixonadamente a essa ideologia nefasta, censurando e demitindo vozes independestes ou críticas a esse trumpismo tropical, manchando históricas folhas de serviço prestadas à informação. Eu acuso conservadores brasileiros de terem abraçado o novo fascismo tupiniquim, fazendo de conta que eram simplesmente manifestações compatíveis com a liberdade de expressão, de imprensa e opinião.

Eu acuso parte da mídia e dos conservadores de terem estimulado o golpe com seus comentários falseadores da verdade e com seus programas monocórdicos, porta-vozes de soluções antidemocráticas. Eu acuso partes das forças armadas de terem sido coniventes com os golpistas, assim como setores das polícias civis e militares. Todos são responsáveis pela depredação do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF. Todos ajudaram a danificar obras de Di Cavalcanti e Portinari. Todos apunhalaram obras de arte e a democracia. A França armou contra Dreyfus por antissemitismo. Os criadores dos monstros brasileiros o fizeram por reacionarismo, estupidez ou cupidez.

Eu acuso políticos de terem mentido sobre as urnas eletrônicas para gerar instabilidade e criar condições para um golpe de Estado. Eu acuso Jair Bolsonaro por todos os males pelos quais o Brasil passa hoje, tendo fugido para os Estados Unidos sem o menor pudor. Como se vê, minhas acusações são as de todos os democratas brasileiros.

Zola hoje seria apenas mais um diante da horda de direita.

*Jornalista.Escritor. 

Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-eu-acuso/

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