Fabrizio Oppo*
"Para sentir algo diferente e outro não consigo me dirigir para o mundo celestial porque há mais mistério na carne das formas do mundo, que são mais intensas e mais questionadoras"
O tempo da oração, momento de intenso envolvimento da vida espiritual, de diálogo e companhia com Deus, não é apenas ameaçado pela falta de espaço para o recolhimento, e pelo seu rareamento devido aos compromissos "concretos" da vida quotidiana, pelo fato, em suma, de que se reza pouco no mundo cada vez mais secularizado.
Na minha experiência de crente leigo, pouco espiritualista e partícipe solidário da vida do mundo, o fato de rezar nunca foi um problema. Ou seja, a oração não fere minha consciência humana carnal e concreta.
O que acho difícil e problemático, no máximo, são as imagens que estão associadas às costumeiras palavras que usamos em nossas orações, “Deus da Glória”, “O trono das tuas graças” e semelhantes.
Certamente são expressões bíblicas, mas que eu acho difíceis de imaginar e pensar, e difíceis de usar como palavras de troca no diálogo íntimo.
Talvez expressem a necessidade do totalmente outro e da transcendência, mas o fazem “de modo maior". Buscam um poder e uma visão sublime. E eu creio que o risco para a oração não esteja tanto que tenha diminuído nos tempos programados da vida contemporânea, mas em nossa tentativa de enobrecê-la com um ímpeto demasiado ascensional, na procura do que está no alto, na visão celeste com que a se quer nutrir.
Sei bem e estou convencido de que a necessidade de um outro lugar, de uma orientação para horizontes diferentes da normal regulação da nossa vida, seja indispensável à sua plenitude. Para que um som seja redondo e cheio, não pode se limitar à nota isolada, mas precisa de seus harmônicos. Deve exceder.
Portanto, é necessária a transcendência. Mas por que no senso comum difundido também em nossas comunidades ainda acontece que esse outro lugar seja pensado e rezado como um sublime alto e glorioso?
Por que razão a transcendência deve se revelar em tais alturas?
Para sentir algo diferente e outro não consigo me dirigir para o mundo celestial porque há mais mistério na carne das formas do mundo, que são mais intensas e mais questionadoras.
No texto de Isaías 63, o apelo ao Deus que habita no céu é seguido pelo pedido de abandonar aquele céu “Atenta desde os céus, e olha desde a tua santa e gloriosa habitação. Onde estão o teu zelo e as tuas obras poderosas? A comoção das tuas entranhas, e das tuas misericórdias, detém-se para comigo? E, no entanto, é essa emoção que gostaríamos de ver quando te chamamos de Salvador”.
Voltam-me à memória as palavras de Victor Hugo que, ao recordar a imagem da filha Léopoldine, afogada no Sena, dirige-se a Deus com estas palavras pungentes: Ó Deus! Você realmente pôde acreditar Que eu preferia, sob os céus, O terrível raio de sua glória À doce luz de seus olhos? “Senhor, como pudeste pensar, como pudeste sequer imaginar...”.
O tom do poeta é um tom de reprovação. Mas onde a transcendência está mais presente, na glória de Deus ou na doce luz dos olhos de Leopoldine? Lendo o Cântico dos Cânticos, Lidia Maggi e Angelo Reginato combinam Bíblia e erotismo para dar “senso aos sentidos e sentidos ao senso”, para sentir o caráter sensual do significado profundo da nossa existência (Lidia Maggi e Angelo Reginato, Corpi di Desiderio, Claudiana).
Parece-me a atitude correta também para a oração. Para que não aconteça de buscarmos a Deus em uma escuridão profunda onde não há corpos, não há formas para acariciar e não há emoções. Seria uma grande pobreza.
*Professor e membro da Igreja Batista de Cagliari, em artigo publicado por Riforma, revista das Igrejas Evangélicas Batistas Metodistas e Valdenses, 20-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/625650-a-sensualidade-do-orar 18/01/2023
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