Romance-enigma de 1934 virou febre nas redes e ganhou nova edição no Brasil. Apenas três pessoas já acertaram a resposta do quebra-cabeça com inúmeras peças
Lançado no Brasil em dezembro de 2022 pela editora Intrínseca, o livro “A mandíbula de Caim” está no topo da lista dos mais vendidos dos primeiros dias de 2023 na Amazon, aparecendo também no pódio da revista Veja e do site PublishNews.
Escrito em 1934 pelo inglês Edward Powys Matthews, sob o pseudônimo de Torquemada (nome do Inquisidor-Geral da Santa Inquisição espanhola), “A mandíbula de Caim” foi descrito pelo jornal britânico Daily Telegraph como “o filho bastardo de Agatha Christie e James Joyce.”
Isso porque o romance gira em torno de assassinatos – marca de Christie – e traz uma complexidade estrutural grande – assinatura de Joyce. Em “A mandíbula de Caim”, o leitor não apenas lê a história, mas precisa também resolvê-la.
Neste texto, o Nexo fala do sucesso e dos desafios de “A mandíbula de Caim.”
Uma história fora de ordem
A trama de “A mandíbula de Caim” é relativamente simples: seis pessoas foram assassinadas e é necessário descobrir quem elas são e quem são os culpados.
O diferencial do livro de Torquemada é que as 100 páginas foram impressas fora de ordem, e cabe ao leitor organizá-las em uma disposição lógica.
Matematicamente, a tarefa assusta: com uma análise combinatória simples, vê-se que o número de combinações possíveis para organizar as páginas é de 9.332622e+157 (ou seja, 9,332 seguidos de 157 zeros, ou pouco menos que um googol/duotrigintilhão e meio).
Dessa forma, a probabilidade de alguém acertar a ordem na primeira tentativa é de 0,00000(e-164)1% – de forma que é infinitamente mais fácil ganhar três vezes seguidas na Mega Sena do que conseguir resolver o enigma do livro na primeira tentativa.
Após organizar, ainda é necessário interpretar as pistas – agora em um sentido coerente – para tentar descobrir quem são as vítimas e os culpados.
Um grande desafio
Desde a publicação em 1934, apenas três pessoas conseguiram resolver “A mandíbula de Caim.”
As duas primeiras resolveram o enigma em 1935, um ano após a publicação. Seus nomes completos não foram divulgados, e eles apareceram nos jornais apenas como “sr. W. S. Kennedy” e “sr. S. Sydney-Turner” – este último possivelmente Saxon Sydney-Turner, amigo íntimo da escritora Virginia Woolf (1882-1941) e figura influente nos círculos literários de Londres da época.
A terceira pessoa foi o comediante inglês John Finnemore, que em 2020, durante a primeira fase aguda da pandemia da covid-19, se dedicou a decifrar o enigma.
Nas edições em inglês e na versão brasileira, há uma página que deve ser enviada à editora por correio, com a ordem das páginas, o nome das vítimas e dos culpados e uma breve explicação de como o leitor chegou à conclusão. Caso a resposta esteja correta, a editora entra em contato.
Finnemore demorou quatro meses para conseguir solucionar o enigma. “Eu espalhei as páginas em uma cama que eu tinha e sempre que dava eu ia até lá e encarava o livro, passava uma hora pesquisando sobre a história de uma penitenciária obscura e desistia”, disse ao jornal The Guardian em 2020. “Não faço ideia de como alguém conseguiu resolver isso antes da internet.”
Elisa Rosa, editora da Intrínseca que trabalhou no livro, disse ao Nexo que brasileiros já estão enviando respostas, mas que a empresa só vai se pronunciar quando alguém encontrar a solução certa.
Rosa afirmou ainda que a tradução do livro foi um desafio. “Essa tradução foi bastante desafiadora e só pôde ser concluída graças à reunião de tradutores de cinco países (Espanha, Itália, Alemanha, França e Brasil), orientados por John Finnemore, o inglês que conseguiu chegar à resolução do enigma.”
“Apesar de termos o gabarito, apenas com a ajuda de John, que indicou os pontos relevantes para o entendimento do quebra-cabeça em cada página, os tradutores e editores puderam pensar em maneiras de transpor as dicas em inglês para sua própria língua. O mais importante era não perder as pistas pensadas pelo autor, mesmo que isso significasse algumas pequenas adaptações.”
Uma febre nas redes
“A mandíbula de Caim” virou uma febre nas redes sociais, em especial no TikTok, com milhares de usuários tentando solucionar o problema. Com isso, o livro foi parar nas listas dos mais vendidos, tanto no Brasil, quanto nos EUA e no Reino Unido. Mundialmente, 325 mil cópias foram vendidas entre 2019 e dezembro de 2022.
“Tem sido um best-seller mundial, na Itália, na França, em outros países”, disse ao jornal Washington Post John Mitchinson, da editora Unbound, responsável por relançar o livro nos EUA e no Reino Unido em 2019. “Estou estupefato com a quantidade de vendas.”
“Eu achava que no máximo venderíamos 5.000 cópias. Achei que seria algo de nicho para um pequeno círculo de pessoas interessadas em literatura”, afirmou.
O autor
Edward Powys M atthews (1892-1939) foi um escritor londrino. Para além de “A mandíbula de Caim”, ele ficou conhecido por ser o designer das palavras cruzadas do jornal inglês The Observer entre 1924 e 1939.
As palavras cruzadas de Matthews eram as mais difíceis. Com fama de ser “cruel” com os leitores ao apresentar enigmas tão complexos, adotou o pseudônimo de Torquemada, o grande torturador da Inquisição Espanhola.
Matthews morreu de causas naturais aos 77 anos. Em vida, publicou 670 palavras cruzadas no The Observer e um livro – “O grande livro de enigmas de Torquemada” que traz, entre outros desafios, “A mandíbula de Caim”.
*Jornalista. Escritor.
Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2023/01/04/O-sucesso-e-os-desafios-do-livro-%E2%80%98A-mand%C3%ADbula-de-Caim%E2%80%99?utm_source=NexoNL&utm_medium=Email&utm_campaign=anexo
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