A entrevista foi publicada por La Stampa, 21-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Alguns trechos do livro La paura come dono (O medo como dom, em tradução livre, ed. San Paolo), um diálogo entre o Papa Francisco e Salvo Noé, psicólogo e psicoterapeuta, no papel de entrevistador.
O que é medo para o senhor?
O medo é um sentimento, não é uma ideia, não é algo distante de mim; um sentimento que entra em mim, que nasce em mim, é um sentimento com o qual tenho uma relação. Pode ser um alarme: preste atenção, há um perigo; também pode ser um companheiro de bom senso que permite que você veja a dimensão da situação. Para ser claro, se eu me tornar um escravo do medo, ele pode se tornar um limite que me bloqueia e não me deixa seguir em frente na vida. De fato, a pessoa medrosa é como se fosse em direção a uma parede. Em vez disso, se eu souber usar o medo para entender a mensagem que quer me passar, então será isso para mim uma ajuda. Geralmente surge de um sentimento de defesa e serve para se proteger. Até mesmo crianças pequenas têm medo quando olham para algo que não entendem e sentem isso como uma ameaça, e pedem ajuda. O medo excessivo é uma atitude que nos prejudica, nos enfraquece, nos encolhe, nos paralisa. Tanto que uma pessoa escravizada pelo medo não se mexe, não sabe o que fazer: está com medo, concentrada em si mesma esperando que algo ruim aconteça. Então o medo leva a uma atitude que paralisa. De fato, o medo excessivo não é uma atitude cristã, mas é uma atitude, podemos dizer, de uma alma aprisionada, sem liberdade, que não tem liberdade para olhar para frente, para criar algo, para fazer o bem.
O senhor teve medo quando foi eleito?
Não esperava ser eleito, mas nunca perdi a paz. Eu tinha levado uma maleta pequena, certo de voltar para a Buenos Aires, para o Domingo de Ramos. Tinha deixado as homilias já preparadas. Em vez disso, fiquei em Roma. Assim que fui eleito, dentro da Capela Sistina, um cardeal brasileiro que estava ao meu lado, viu minha surpresa e me disse: "Não se preocupe, é assim que faz o Espírito Santo". E depois outra frase: "Não se esqueças dos pobres". Senti uma paz e uma tranquilidade, mesmo nas escolhas decisivas, por exemplo não quis vestir nada, apenas o hábito branco. Nem mesmo os sapatos quis usar. Eu já tinha sapatos e queria ser simplesmente normal. Depois saí e disse boa noite.
O senhor falou de ecologia integral destacando-a como um novo paradigma de justiça, porque a natureza não é uma "mera moldura" da vida humana.
Devemos adotar um estilo de vida ecologicamente respeitoso para salvaguardar o patrimônio da criação e proteger a vida daqueles que habitam o planeta. Nossa terra está doente. Tal situação expôs os riscos e as consequências de um modo de vida dominado pelo egoísmo e pela cultura do descarte e colocou diante de nós uma alternativa: continuar no caminho percorrido até agora ou empreender um novo caminho. Para mim, uma ecologia integral contempla a preocupação com a natureza, a equidade para com os pobres, o empenho na sociedade, mas também a alegria e paz interior que resultam inseparáveis. Nossa terra é maltratada e saqueada, exige "uma conversão ecológica", uma "mudança de rumo" para que o homem assuma a responsabilidade por um empenho com o cuidado da casa comum. Um empenho que inclui também a erradicação da miséria, a atenção pelos pobres, o acesso igualitário para todos aos recursos do planeta. Essa é uma mensagem para os crentes e não, Deus caminha ao lado de todos. Precisamos agir em uma direção que nos permita manter os dons da criação e protege a vida de nós humanos. Isso deve ser uma prioridade nos processos econômicos e naqueles políticos, e ainda mais nas relações humanas. Isso sempre foi uma prioridade para mim também quando em Buenos Aires, caminhava de uma paróquia a outra. Aliás, se há algo que me faz tanta falta agora é não poder mais andar pelas ruas, como fazia na Argentina.
É possível pensar levar a psicologia para dentro dos seminários?
É claro! Na minha opinião é muito útil. Tudo o que aconteceu, os abusos sexuais do clero sobre os menores destacaram dramaticamente esse problema. É preciso se aperceber antes da ordenação sacerdotal se existem inclinações ao abuso. E isso pode ser feito por um profissional como você que também estudou para isso. Se não forem reconhecidos, esses problemas podem ter efeitos devastadores. O seminário não é um refúgio para tantas limitações que possamos ter, nem um refúgio para deficiências psicológicas. Juntamente com os outros ensinamentos e caminhos espirituais, ter um psicólogo como guia no amadurecimento pessoal pode ser útil. Tudo isso para compreender o aspecto da maturidade humana e cristã e possíveis problemas de natureza psicológica. O caminho deve levar à formação de sacerdotes e consagrados maduros, especialistas em humanidade e proximidade, e não funcionários do sagrado. As pessoas precisam encontrar testemunhas da fé com as quais possam se confrontar e receber apoio e boa proximidade, humana.
O senhor tem medo?
Às vezes sim, quando tenho de tomar uma decisão, digo a mim mesmo: "Se eu fizer isso assim...?". Dá um pouco de medo de errar, né? ! E o medo neste caso ajuda-me, porque leva-me a pesar cuidadosamente as decisões a tomar, como fazer e tudo mais. Não é o medo que me paralisa, não não...é um sentimento que me torna atento: o medo é como uma mãe que te avisa. Digo medo, sim, talvez não o sinta por fora, mas às vezes sinto que tenho que pensar bem. Você sabe, para mim há decisões muito delicadas que tenho que tomar e às vezes não é fácil. Escuto a razão, o meu coração e depois confio-me a Ele. Na vida é difícil tomar decisões, muitas vezes tendemos a adiá-las, a deixar que os outros decidam por nós, muitas vezes preferimos deixar-nos arrastar pelos acontecimentos, seguir a moda do momento; às vezes sabemos o que temos que fazer, mas não temos coragem ou nos parece demasiado difícil. Todos os dias temos que tomar decisões mais ou menos importantes. Além disso, também pode se decidir ser feliz!.
Às vezes se tem medo de ser feliz, esta pode ser outra forma de medo?
Ah sim, sabe por quê? Porque temem que a alegria acabe, em espanhol chamamos de desencanto... quando tudo desaba. Alguns têm medo de ser alegres porque a alegria faz com que se sintam indefesos então toma conta o medo de que tudo possa acabar. Em vez disso, deve-se deixar a alegria entrar na vida.
Muitas vezes temos medo do julgamento.
Muitas vezes a hipocrisia se esconde por trás do julgamento. Pode-se dizer que a hipocrisia é o medo da verdade. O hipócrita teme a verdade. Prefere-se fingir a ser si mesmos.
Falando de julgamento, o senhor disse que “Se uma pessoa é homossexual e busca o Senhor e tem boas vontade, quem sou eu para julgá-la?”
Deus é Pai e não renega nenhum dos seus filhos. E o estilo de Deus é proximidade, misericórdia e ternura. Não julgamento e marginalização. Deus se aproxima com amor de cada um de seus filhos, de cada um deles. Seu coração está aberto a todos e a cada um. Ele é Pai. O amor não divide, mas une.
Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/625762-o-papa-e-o-psicologo-entrevista-com-o-papa-francisco
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