Tony Saad*
Outro dia, voltando de uma viagem curta, tive como companheiros (no outro lado do corredor do ônibus) um pai e seu filho, que devia ter uns seis anos. Em dado momento, ao ver seu pai quieto, olhar fixo, absorto na paisagem, o menino perguntou: Pai, o que é que tu tá vendo lá fora?. Ao que o homem respondeu, olhar ainda fixo nas coisas: Nada, filho, só estou olhando. Olha também. Acho que testemunhei, ali, uma bela lição.
Olhar – simplesmente olhar – é, talvez, o mais frequente modo de se aprender. O olhar é a ferramenta que nos permite perceber o mundo à volta, desde um minúsculo grão de areia (você já experimentou olhar para um único grão com atenção?) até as estrelas mais distantes. Pelo olhar, um bebê consegue captar alterações de humor em seus pais, através do olhar, pautamos nosso julgamento das pessoas com quem nos relacionamos, e julgamos até aquelas com quem nunca temos contato direto. É justamente porque possuímos o poder de olhar – e ver –, que se inventou a fotografia, o cinema, o desenho, a pintura, a mímica, a moda, a escrita, a luz artificial, e até este jornal. Olhar é uma considerável parte de nosso viver, de nosso vivenciar-o-mundo. Ou seja, olhar é aprender.
Mas o olhar também pode ser um elemento de distração, um sentido que, por ser tão presente em nosso dia-a-dia, nos tira o foco de coisas que perceberíamos se não estivéssemos recebendo o massacrante input visual que o mundo nos impõe a todo momento. É fato notório que pessoas que não veem têm os outros sentidos mais apurados. Mecanismo de compensação ou não, é fato que o olhar também pode ser responsável por deixarmos de aprender.
Talvez não baste apenas olhar; talvez seja preciso aprender a olhar. Talvez precisemos resgatar o olhar daqueles que têm a maravilhosa capacidade do espanto diante do banal. Talvez, para aprender mais, para apreender mais o mundo, seja necessário fazer como aqueles que moldaram o olhar ocidental, que deram base e rumo ao pensamento de grande parte da humanidade: os gregos. O olhar, para eles, era o início de todo pensamento, a janela pela qual passava o mundo a ser olhado e pensado. Para eles, olhar era, sim, aprender.
O educador Rubem Alves é um dos poucos pensadores a dar valor ao olhar na educação. Diz ele que educar é ensinar a ver. É lastimável que, entre os milhares de livros sobre educação e formação de pessoas, não encontremos livros sobre a importância do olhar. A educação se divide em duas partes: a educação das habilidades e a educação das sensibilidades. Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido. Rubem Alves tem razão quando diz que as palavras só têm sentido se nos ajudam a ver melhor o mundo. É isso mesmo: aprendemos as palavras para melhorar os olhos. O conhecimento nos dá meios para viver; a sabedoria nos dá razões para viver. O mundo está aí – basta saber olhar.
*Linguista e professor
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2449482.xml&template=3898.dwt&edition=11957§ion=1011 - ZH- 23/03/2009
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