MARILENA CHAUI
A entrevista,
na íntegra,
está na revista CULT*.
Aqui reproduzo apenas uma resposta da filósofa espinosiana,
dita pela revista, "a filósofa mais importante do país".
CULT - Quando as pessoas perguntam “qual a utilidade, para que filosofar?”, deixam entrever uma concepção exclusivamente instrumental do conhecimento, concepção esta que é desmentida pela história da filosofia. Parece que a filosofia, ao contrário da matemática e da biologia, precisa continuamente legitimar seu direito à existência. Apesar disso, existiria uma dimensão instrumental, “funcional” , da especulação filosófica, que justificaria sua implantação curricular no ensino médio? De que maneira a filosofia pode hoje fornecer respostas concretas para o enfrentamento de problemas sociais urgentes?
MC – É conhecido o ditado: “A filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”. Ou seja, não serve para coisa nenhuma. O “para quê?” indica que tendemos a considerar o conhecimento de um ponto de vista instrumental como um meio e não como um fim e, como não se vê qual a instrumentalidade da filosofia, decreta-se sua inutilidade. Certa vez, perguntaram a um filósofo: para que filosofia? Ele respondeu: para não darmos nosso assentimento às coisas sem maiores considerações. Ou seja, a atitude filosófica se inicia quando desconfiamos da veracidade ou do valor de nossas crenças cotidianas, desconfiança que surge, sobretudo, no momento em que nossas crenças, nossas idéias, nossos valores parecem contradizer-se unas aos outros. A filosofia é uma interrogação sobre o sentido e o valor do conhecimento e da ação, uma atitude crítica com relação ao que nos é dado imediatamente em nossa vida cotidiana, um trabalho do pensamento para pensar-se a si mesmo e da ação para compreender-se a si mesma.
Por isso vou dividir minha resposta em duas partes. Pelo que eu disse, é óbvio que não penso que o estudo da filosofia no ensino médio deva ser tomado como algo “funcional”, uma vez que a noção de funcionalidade implica, por um lado, a adequação a algo já dado e, de outro, o instrumento que melhora a operação disso que já está dado. Esses dois aspectos da funcionalidade contrariam o núcleo do ensino da filosofia, qual seja, o desenvolvimento da capacidade crítica e o não conformismo com o que está dado. Ou seja, a funcionalidade faz supor que o mundo dado, a sociedade dada, a cultura dada são naturais e que seus problemas são desajustes de um funcionamento que precisa ser consertado por alguns ajustes pontuais. Mas a filosofia leva o estudante a indagar, antes de mais nada, se o dado é “natural” (o famoso “é assim mesmo”) ou se foi instituído pela ação humana, e se os problemas não exigiriam uma reflexão sobre sua gênese, suas causas, em vez de um ajuste.
Passo, então, à segunda parte de minha resposta. O que caracteriza a sociedade contemporânea, sob os efeitos do neoliberalismo, é a desigualdade num patamar jamais visto, dando origem à violência generalizada: não apenas o estímulo ao estado de guerra permanente entre nações, mas também a chamada guerra civil tácita entre os diferentes grupos sociais de uma mesma nação, além do individualismo exacerbado ou da competição mortal na busca de “sucesso”. Também caracteriza a sociedade contemporânea, sob os efeitos das tecnologias de informação, a fragmentação do espaço e do tempo, isto é, o espaço e o tempo são a tela (do computador, da televisão, do celular), tela sem profundidade, que reduz o espaço ao “aqui” e o tempo ao “agora”; todas as experiências são vividas como efêmeras e fugazes, sem passado e sem futuro. Essas características da sociedade contemporânea colocam questões que, além de políticas e econômicas, são filosóficas: a violência abre a interrogação sobre a ética e a política; a fragmentação do espaço e do tempo abre a interrogação sobre o sentido das ciências, das técnicas, das artes e da história; o privilégio da imagem (que é sempre instantânea e imediata) abre a interrogação sobre o sentido da cultura, isto é, da ordem simbólica da linguagem e do trabalho, que é uma ordem de mediações e de capacidade humana para lidar com o ausente e o possível. Certamente há como interessar os alunos para essas questões. Vela a pena levá-los a interrogações que lhes permitam uma primeira compreensão crítica das condições efetivas de suas próprias vidas.
MC – É conhecido o ditado: “A filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”. Ou seja, não serve para coisa nenhuma. O “para quê?” indica que tendemos a considerar o conhecimento de um ponto de vista instrumental como um meio e não como um fim e, como não se vê qual a instrumentalidade da filosofia, decreta-se sua inutilidade. Certa vez, perguntaram a um filósofo: para que filosofia? Ele respondeu: para não darmos nosso assentimento às coisas sem maiores considerações. Ou seja, a atitude filosófica se inicia quando desconfiamos da veracidade ou do valor de nossas crenças cotidianas, desconfiança que surge, sobretudo, no momento em que nossas crenças, nossas idéias, nossos valores parecem contradizer-se unas aos outros. A filosofia é uma interrogação sobre o sentido e o valor do conhecimento e da ação, uma atitude crítica com relação ao que nos é dado imediatamente em nossa vida cotidiana, um trabalho do pensamento para pensar-se a si mesmo e da ação para compreender-se a si mesma.
Por isso vou dividir minha resposta em duas partes. Pelo que eu disse, é óbvio que não penso que o estudo da filosofia no ensino médio deva ser tomado como algo “funcional”, uma vez que a noção de funcionalidade implica, por um lado, a adequação a algo já dado e, de outro, o instrumento que melhora a operação disso que já está dado. Esses dois aspectos da funcionalidade contrariam o núcleo do ensino da filosofia, qual seja, o desenvolvimento da capacidade crítica e o não conformismo com o que está dado. Ou seja, a funcionalidade faz supor que o mundo dado, a sociedade dada, a cultura dada são naturais e que seus problemas são desajustes de um funcionamento que precisa ser consertado por alguns ajustes pontuais. Mas a filosofia leva o estudante a indagar, antes de mais nada, se o dado é “natural” (o famoso “é assim mesmo”) ou se foi instituído pela ação humana, e se os problemas não exigiriam uma reflexão sobre sua gênese, suas causas, em vez de um ajuste.
Passo, então, à segunda parte de minha resposta. O que caracteriza a sociedade contemporânea, sob os efeitos do neoliberalismo, é a desigualdade num patamar jamais visto, dando origem à violência generalizada: não apenas o estímulo ao estado de guerra permanente entre nações, mas também a chamada guerra civil tácita entre os diferentes grupos sociais de uma mesma nação, além do individualismo exacerbado ou da competição mortal na busca de “sucesso”. Também caracteriza a sociedade contemporânea, sob os efeitos das tecnologias de informação, a fragmentação do espaço e do tempo, isto é, o espaço e o tempo são a tela (do computador, da televisão, do celular), tela sem profundidade, que reduz o espaço ao “aqui” e o tempo ao “agora”; todas as experiências são vividas como efêmeras e fugazes, sem passado e sem futuro. Essas características da sociedade contemporânea colocam questões que, além de políticas e econômicas, são filosóficas: a violência abre a interrogação sobre a ética e a política; a fragmentação do espaço e do tempo abre a interrogação sobre o sentido das ciências, das técnicas, das artes e da história; o privilégio da imagem (que é sempre instantânea e imediata) abre a interrogação sobre o sentido da cultura, isto é, da ordem simbólica da linguagem e do trabalho, que é uma ordem de mediações e de capacidade humana para lidar com o ausente e o possível. Certamente há como interessar os alunos para essas questões. Vela a pena levá-los a interrogações que lhes permitam uma primeira compreensão crítica das condições efetivas de suas próprias vidas.
*CULT, reportagem entrevista com o título: A paciência do pensamento, é feita por Juvenal Savian Filho e Eduardo Socha. março/2009, pp.16/23.
OBS.: Parte da entrevista impressa pode ser lida on line: http://www.revistacult.com.br/
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