MARTHA MEDEIROS*
Até o momento em que escrevo, não foi confirmado se Gisele Bündchen se casou mesmo com Tom Brady no dia 26 de fevereiro. De qualquer forma, ao ler a notícia num site, resolvi xeretar os comentários deixados pelos internautas a respeito do assunto e afora dois ou três tacanhos que se queixavam de ela ter casado com um americano em vez de um brasileiro (reserva de mercado para o amor?) e de ter virado uma Maria Chuteira (tadinha, precisa mesmo se escorar na fama de um homem), a maioria esmagadora cumprimentou o casal por ter sido discreto, sem se render a castelos e outras frescuradas para sair em capa de revista. Ao optarem por uma cerimônia íntima, junto aos familares e protegida dos flashes invasivos dos paparazzi, ambos receberam elogios de seus inúmeros fãs. Claro que, se esse casamento for confirmado, Gisele acabará dando alguma declaração e liberando uma foto oficial à imprensa, já que sempre foi bem-tratada por jornalistas, mas está certa ela: tudo a seu tempo.
Voltando aos comentários: quase todos salientaram que a discrição é uma atitude de classe. E isso reforçou o que já venho pensando: que a vida real não se deixa intoxicar pelos factoides que inundam as editorias de variedades. Ou seja, a maioria das pessoas não tem sonhos megalômanos, a maioria não aplaude a ostentação, a maioria não troca de “amor pra sempre” a cada três meses, enfim, a maioria não está representada pela minoria que vira notícia por causa de suas extravagâncias e que nos induz a achar que a vulgaridade tomou conta do mundo.
Na verdade, temos a mania de propagar no boca-a-boca as fofocas que a gente lê nos sites de entretenimento e acreditar que aquilo possa ser representativo. Sem perceber, disseminamos a ideia de que todas as relações andam descartáveis, que toda mulher daria a vida por um guarda-roupa de grife, que só o que interessa são as aparências, que ninguém mais educa os filhos, que o dinheiro manda e desmanda, e que certos princípios foram pro ralo. No entanto, olho para os lados e vejo muitos amigos que não rezam por essa cartilha, nem as pessoas da minha família, nem um monte de outras famílias, então há algo exagerado nessa avaliação.
Gisele, ao dispensar os holofotes em um momento extremamente privado, ajuda a diferenciar o que é realidade e o que é circo, e os elogios que recebeu por sua atitude, bem mais numerosos que as críticas, recoloca as coisas em seus devidos lugares. Isso de que “todo mundo” é exibicionista, “todo mundo” é erotizado, “todo mundo” quer aparecer e “todo mundo” se coisificou não passa de um nivelamento por baixo, porque não existe essa entidade chamada “todo mundo”. Existe você, existe dona Maria, existe seu Romualdo, existe o Zé da farmácia, existe o Betinho que cursa o supletivo, existe a Tereza que trabalha de doméstica, existe a Patricia que é empresária e o Osvaldo que é servente e cada um no seu quadrado. Fazem parte da maioria que assiste ao circo, mas não entra no picadeiro, mantendo seus valores onde eles sempre estiveram.
É um alento: Gisele é única e exclusiva em sua estonteante beleza, mas tem uma outra beleza que muitos de seus súditos têm também, igualzinha.
*Escritora e cronista da ZH.
http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp? - uf=1&local=1&source=a2425866.xml&template=3916.dwt&edition=11828§ion=1006 - Zero Hora, 04/03/2009
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