Juarez de Paula*
A atual crise financeira internacional pode ser caracterizada como estrutural e sistêmica. Estrutural porque atinge o modo de produção capitalista naquilo que é sua razão de ser: a reprodução ampliada do capital. Sistêmica porque afeta todos os setores da economia mundial, ainda que de forma desigual. Mais do que isso, a crise, pela sua extensão e profundidade, pode ser tomada como um sintoma inequívoco da falência do modelo civilizatório contemporâneo, caracterizado pela exclusão social das maiorias e pela completa falta de sustentabilidade ambiental. Porém, como toda crise, ela também oferece oportunidades.
A primeira das oportunidades resultantes da crise é a possibilidade de rediscutir o conceito de desenvolvimento. É preciso superar, definitivamente, a visão que confunde desenvolvimento com crescimento econômico, com progresso material supostamente ilimitado. O desenvolvimento precisa ser pensado como um fenômeno resultante de escolhas conscientes, na perspectiva da conquista da qualidade de vida para todos, no presente e no futuro.
Assim, o desenvolvimento precisa ser humano (melhorar a qualidade de vida das pessoas), social (não apenas de algumas pessoas, mas de todas as pessoas) e sustentável (das pessoas que estão vivas hoje, sem afetar as possibilidades daquelas que viverão no futuro). Além disso, o desenvolvimento precisa também ser local e solidário. Local, no sentido de que o melhor lugar do mundo tem que ser aqui e agora. Não faz sentido projetarmos nossos desejos para um tempo e um espaço futuros, que jamais são alcançados. Isso é uma forma de autoengano. Solidário, porque já é tempo de aprendermos que não é a competição, mas ao contrário, é a cooperação que produz efetivo desenvolvimento individual e coletivo.
A segunda oportunidade resultante da crise é a possibilidade de rediscutir o conceito de democracia. A questão posta pela crise é a seguinte: quem tem representatividade, legitimidade e autoridade política para tomar decisões econômicas que afetam a vida de todos? Onde estão os mecanismos de controle para evitar que uma minoria se beneficie impunemente à custa da maioria?
A crise atual certamente liquidou com quase três décadas de discurso neoliberal. Todavia, não podemos sair do absolutismo do mercado para cair na tentação do estatismo. É preciso afirmar a necessidade do controle social sobre o mercado e o Estado.
É necessário radicalizar o conceito de democracia. Precisamos ir além da ideia de representação, de alternância de poder, de eleições periódicas, de liberdade de expressão. É preciso que a democracia penetre nas instituições sociais e nos meios de comunicação. É preciso que a democracia não seja apenas um fenômeno político, mas também econômico. A tarefa democrática é descentralizar, desconcentrar e distribuir, tanto o conhecimento, quanto a riqueza e o poder. Precisamos superar, definitivamente, o padrão de organização vertical, substituindo-o pelos modelos de organização em redes distribuídas e densamente conectadas.
A terceira grande oportunidade resultante da crise é a possibilidade de rediscutir as políticas públicas. Trata-se de enfrentar a seguinte questão: que Estado, para que tipo de desenvolvimento, em benefício de quem? Por que é possível utilizar recursos públicos para salvar empresas privadas e não é possível garantir uma renda de cidadania para todos os excluídos do mercado?
Por que não é possível estabelecer condições e exigir contrapartidas sociais das empresas socorridas? Por que não reduzir a jornada de trabalho para ampliar as oportunidades de emprego? Por que não canalizar os investimentos públicos destinados à geração de ocupação e renda para atividades que resultem em benefícios coletivos, a exemplo de obras de saneamento, construção de moradias populares, recuperação de escolas e hospitais públicos, urbanização de favelas, entre outras? Por que não investir fortemente na substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia limpa? Por que não induzir um novo padrão de produção e consumo?
Investir em tecnologias sociais, que são soluções sustentáveis, de baixo custo, de fácil reaplicação, desenvolvidas em interação com as comunidades locais e geradoras de inclusão social, pode ser um excelente caminho para começar a sair da crise. Brasília dará uma importante contribuição nesse debate ao sediar, de 15 a 17 de abril próximo, a Conferência Internacional de Tecnologia Social, que poderá apontar alternativas inovadoras para o Brasil enfrentar a crise.
*Juarez de Paula - Sociólogo, gerente da Unidade de Desenvolvimento Territorial do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 30/03/2009
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 30/03/2009
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