Excerto do livro
que surgiu de um programa radifiônico,
levado ao ar na França.
Diálogo entre Edgar Morin, cientista político frances e
Christoph Wulf, filósofo alemão,
catedrático da Universidade Livre de Berlim,
concentra seus estudos e publicações na área de
Antropologia Histórica.
Christoph Wulf:
"Rimbaud usou esta soberba expressão: “Eu é um outro”. Creio que essa é de fato uma questão essencial. De um lado, é preciso compreender que o “eu” nunca emerge a não ser do encontro com o outro. Poderíamos dizer que é a primeira experiência da formação cultural e individual fazer a experiência de um outro, de um exterior. Esse é um processo que se aplica ao individuo. Trata-se igualmente de conhecer lados que não conhecemos, quando nos tornamos de alguma forma estranhos a nós mesmos. A estranha diante de si mesmo é uma experiência essencial, pois ela permite abrir-se às outras criaturas, e ao outro. O que é decisivo aqui é não ter essa atitude de querer compreender a outro, utilizando essa compreensão para colonizá-lo. Temos exemplos como a conquista da América Latina. Os espanhóis chegaram ali porque eram bem mais capazes de compreender diretamente os estrangeiros, compreendiam os astecas e, por isso, souberam manipulá-los de forma diferente. Portanto, compreender pode ser uma estratégia de poder. E é por isso que eu gostaria de inverter os termos, e dizer que o que é essencial é partir da não-compreensão, de uma situação em que não compreendemos o estranho nem compreendemos a nos mesmos. A partir dessa incerteza, temos uma atitude muito menos violenta com relação ao outro e com relação a nós mesmos. Defendo um pensamento heterogêneo e “heterológico”. Isso é de fundamental importância para o processo de mundialização. É a única maneira de permitir a sobrevivência de culturas estrangeiras tal como elas são, sem utilizar o estratagema da compreensão como uma estratégia de poder para subjugá-las. Essas culturas são como são, diferentes portanto, e é preciso aceitar essa tensão. De resto, é um questão de tradução para ver como podemos comunicar-nos com culturas estranhas. Mas no plano estratégico, quero insistir, é necessário partir da incompreensibilidade do estranho. Essa é uma posição extrema que torna supérfluo o uso da violência".
(Edgar MORIN e Christoph WULF. Planeta– A aventura desconhecida – Ed.Unesp, 2003, pp.36/38)
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