terça-feira, 17 de março de 2009

A escola: território conflagrado

Moacyr Scliar*

Não é de admirar que dois recentes sucessos cinematográficos, Quem Quer Ser um Milionário? e Entre os Muros da Escola tenham em comum o fato de que os protagonistas são jovens pobres enfrentando difíceis problemas. Aliás, se acrescentarmos aos dois o brasileiro Cidade de Deus, estaremos caracterizando uma verdadeira vertente no cinema da atualidade. É o cinema de uma época de crise: a crise econômica, que está nas manchetes dos jornais, a crise étnica, a crise cultural, a crise religiosa, a crise nos relacionamentos.
O filme de Laurent Cantet passa-se numa escola pública de Paris. Os alunos, adolescentes, retratam o que é a Europa de hoje, um “melting pot”, um cadinho em que se misturam as mais variadas nacionalidades. Ali temos jovens antilhanos, africanos, chineses, os filhos de imigrantes que continuam migrando para o Ocidente em busca de uma vida melhor. O que lhes custa muito trabalho, muito sacrifício e muita coragem para enfrentar os movimentos racistas estimulados por um Le Pen e outros da mesma laia. São famílias que vivem uma permanente crise, e esta acaba repercutindo na escola, caixa de ressonância da problemática social. Cantet não foi, claro, o primeiro a percebê-lo. Isto já estava presente em Sementes da Violência (Blackboard Jungle, 1955), dirigido por Richard Brooks, no qual um jovem professor tem de enfrentar a hostilidade de seus estudantes. O filme fez história, inclusive porque a trilha sonora apresentava um novo gênero musical que teria sucesso duradouro: o rock’n’roll.
Os dois filmes têm um grande mérito: mostram a figura do professor em sua dimensão humana. No caso de Entre os Muros da Escola, este aspecto é extraordinariamente ajudado pelo desempenho de François Begaudeau. Não por acaso, ele foi professor e escritor antes de se tornar ator (aliás, o diretor Cantet é filho de professores). O que temos no filme é um educador democrático, que interage com os alunos, que os estimula a expressar seus conflitos e suas aspirações. Não é um mártir, não é um apóstolo: é um ser humano como qualquer outro, que comete erros, que tem acessos de raiva. E os jovens atores são tão espontâneos, que temos a impressão de estar vendo um documentário filmado em sala de aula. Não é Hollywood, portanto, não é A Sociedade dos Poetas Mortos, aquele filme que tinha Robin Williams no papel principal. É diferente e, em muitos sentidos, melhor, mais autêntico. Isto explica que tenha sido o primeiro filme francês a receber a Palma de Ouro em Cannes em 21 anos.
O filme aborda problemas cruciais de nosso mundo e faz uma homenagem mais do que merecida aos professores. E agora vejam a coincidência: neste último domingo figurava, na Folha de S. Paulo (página de Mônica Bergamo), uma reportagem com o significativo título de “Aula de coragem”. Nela, professores falam sobre as sombrias experiências que passam nas salas de aula. Viviane Grace Costa, do Rio, conta que uma de suas alunas, grávida, veio procurá-la, apavorada: o namorado tinha invadido a escola e queria bater nela. Viviane enfrentou o agressor, apesar deter sido ameaçada de morte por este, e conseguiu proteger a moça.
Seguramente qualquer professor do Rio Grande do Sul poderia narrar histórias semelhantes. Qualquer um deles poderia estrear o belo fime de Cantet. O Dia do Professor ainda está longe, mas isto não impede que a gente faça esta homenagem. No território conflagrado que hoje é a escola, os professores são os guardiães de nossa esperança.

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