terça-feira, 24 de março de 2009

Individualismo

Christoph Wulf – Poderíamos colocar-nos ainda outra questão. Não há também algo como uma mundialização do individualismo? Não estamos assistindo – em vários países, mas sobretudo na Europa - a uma tendência de crescimento do individualismo? Não estamos descobrindo o limite desse desenvolvimento? Gostaria de explicar isso com relação ao nosso contexto: todos estamos obrigados a desenvolver nossa própria biografia. Somos obrigados a escolher, a decidir sobre a maneira segundo a qual desejamos conduzir nossa vida: com que companheiros, em que contexto. E resulta, de fato, que as tradições têm peso menor – que os indivíduos têm peso menor – que os indivíduos tem a liberdade de conduzir sua vida, de fazer dela uma aventura, uma experiência eventualmente – , uma espécie de dinâmica que faz, por exemplo, que as doenças psíquicas aumentem. Nós temos uma ambivalência muito clara do processo de individualização. E creio que isso está correlacionado ao fenômeno da mundialização. É, de certa maneira, o recuo sobre a menor unidade, que podemos interpretar como um movimento oposto. Creio também que aí há exigências exorbitantes; em razão do desenvolvimento da sociedade mundial, há riscos, situações perigosas, como você dizia há pouco. O assassinato do primeiro ministro israelense representa um risco para todos os homens que vivem em outros países ou em outras regiões, mas todos esses fenômenos estão relacionados à vida individual, e é necessário assumir posição em relação a eles. É necessário constantemente tomar decisões, fazer escolhas. É preciso afirmar-se de uma forma nova na própria vida, o que talvez em outras épocas não tenha sido tão necessário, e é aí que vejo a ambivalência das chances de sucesso ou insucesso desse processo.

Edgar Morin – Sim, parece que, efetivamente, a nossa civilização permitiu o desenvolvimento do individualismo, ou seja, a autonomia pessoal e a eventual assunção de responsabilidade, e isso é uma de suas grandes conquistas; mas há um lado crescente de sobra porque esse individualismo se desenvolveu na degradação de todas as antigas solidariedades, que eram as da grande família, e também da pequena família que é hoje tão frágil, das solidariedades de quarteirões, das solidariedades de trabalho. Existe, portanto, esse contraponto do individualismo que é a atomização. O individuo é atomizado, tem uma carência, muita solidão, e por conseguinte, muita infelicidade. Assim sendo, o verdadeiro problema é a relação entre a individualidade e a comunidade: a solidariedade. Nós não temos conseguido produzir novas solidariedades. E creio que é em todos os níveis que devemos criá-las. Nas ruas de uma grande cidade, se alguém cai, ninguém para, porque pensamos que á polícia ou o hospital que devem se encarregar disso. Muito bem. Mas retorno a esta ideia mundial: se nós nos sentimos partícipes do destino comum, nos tornaremos solidários com os outros. E não podemos estabelecer o sentimento de solidariedade por decreto, ele deve ser vivido. E nos chegamos a esta ideia: como viver este duplo imperativo, aparentemente contraditório, e contudo inseparável, de mais comunidade e de mais liberdade? Como sentir-nos responsáveis pelos outros no nosso mundo fragmentado no qual a responsabilidade se perde, já que ninguém vê o todo> Ninguém se sente responsável pelo destino comum. E é a recuperação desse destino comum que é importante para restaurar retroativamente a solidariedade e a responsabilidade. Nós reencontramos o problema da dupla face da mundialização e da retração identitária. De um lado, a perniciosa mundialização que homogeneíza tudo e o perigoso retraimento que se fecha com violência sobre a identidade tradicional...
(Do livro: Planeta - A aventura desconhecida. Edgar Morin e Christoph Wulf, Ed. Unesp, SP, pp.53/57)

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