Dalmo Dallari*
As tragédias decorrentes do uso de armas, ceifando vidas e enlutando famílias, continuam a ocorrer em ritmo crescente, ao mesmo tempo em que o comércio de armas é cada vez mais próspero e já foi identificado, nos Estados Unidos, como um dos grandes beneficiários da crise econômico-financeira, pois o medo do aumento da criminalidade provocou uma explosão na venda de armas. A multiplicação de tragédias armadas vem acontecendo em países ricos, e os autores das violências armadas são jovens da classe média superior, alunos ou ex-alunos de universidades e colégios de alto nível, ficando evidente que tais violências não decorrem da marginalização social, de frustrações resultantes da pobreza ou da impossibilidade de acesso à educação. Exatamente por isso é necessária uma reflexão, que sirva de alerta para que não se instalem ou não ganhem força no Brasil as mesmas causas que estão provocando aquelas violências. É preciso identificar as causas mais prováveis, o que deverá ser feito a partir dos fatos mais expressivos, como o que ocorreu na Alemanha há poucos dias.
No dia 11 de março, em Winnenden, cidade bem desenvolvida, com bons estabelecimentos de ensino e população de 25 mil habitantes, um jovem de 17 anos da idade, mascarado e com uniforme de combate, invadiu uma escola profissional, na qual se tinha diplomado em 2008. E ali, às 9h da manhã, entrou em três salas de aula portando uma pistola e atirou na cabeça de nove alunos e três professores, matando-os. Impedido de continuar atirando, fugiu do local e na saída matou mais uma pessoa, sequestrou um motorista e, perseguido por carros da polícia, foi encurralado no pátio de uma concessionária de automóveis. Saiu do carro atirando e matou mais duas pessoas, sendo ferido numa troca de tiros e, afinal, cometendo suicídio. E aqui vêm alguns pormenores expressivos. Segundo o noticiário, o assassino era filho de um empresário bem-sucedido e, embora reservado, não demonstrava pendor para a violência, sabendo-se apenas que ele tinha uma coleção de filmes de horror. Um dado de grande relevância é que seu pai é membro de um clube de tiro e tinha em casa 15 armas, uma das quais foi utilizada pelo jovem para os assassinatos. Além disso, o próprio assassino era atirador registrado e sabia atirar, o que explica a precisão dos tiros na cabeça das vítimas.
Essa tragédia provocou uma comoção nacional, e a imprensa alemã noticiou o fato falando na urgência de uma reflexão, para identificar as causas de tanta violência nas escolas e dos impulsos assassinos de jovens bem formados e de boas familias. Uma informação divulgada pelos jornais alemães é que a Alemanha está em segundo lugar no mundo, nas estatísticas de violências em escolas, perdendo apenas para os Estados Unidos. Foi lembrado que no ano de 2002, num antigo liceu da cidade de Erfurt, um jovem de 19 anos, aluno daquela escola, matou 16 pessoas antes de se suicidar. Mais recentemente, em novembro de 2008, na cidade de Emsdetten, um jovem abriu fogo contra seus colegas e feriu 37 pessoas, suicidando-se em seguida. Esses e outros fatos igualmente trágicos estão chamando a atenção para a introdução das armas no cotidiano das pessoas, o que implica a facilidade do acesso às armas e a disposição para utilizá-las. Isso é ainda agravado pelo modismo das ações violentas, com o cinema, a televisão e a comunicação eletrônica exaltando como pessoas corajosas e decididas os indivíduos que sempre têm uma arma na mão e são capazes de matar pessoas e multidões com grande entusiasmo, como se fossem atos heroicos.
*Professor e jurista
Segunda-feira, 23 de Março de 2009 - 00:00 - Jornal do Brasil online*Professor e jurista
http://jbonline.terra.com.br/leiajb/noticias/2009/03/23/sociedadeaberta/cultura_das_armas_contra_o_humanismo.asp
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