terça-feira, 17 de março de 2009

Para seu criador, Bric pode ser ampliado

Iván Rothkegel,
The Wall Street Journal,
de Nova York17/03/2009


Nos últimos anos, Bric tornou-se uma das palavras da moda do mundo financeiro. A sigla para Brasil, Rússia, Índia e China passou a representar o ápice do reequilíbrio de forças econômicas da globalização. Nos próximos 50 anos, esses países iriam se tornar grandes potências mundiais e a economia global não seria dominada apenas por Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão.
A pior crise que o mundo presenciou desde a Grande Depressão, contudo, está batendo pesado nos Brics e o "Wall Street Journal Americas" considerou que seria o momento oportuno para revisitar o conceito. O Bric ainda é válido ou, assim como a previsão de que o barril de petróleo chegaria a US$ 250, é outro símbolo dos excessos do mundo dos investimentos antes do colapso do Lehman Brothers?
Para obter as respostas, conversamos com Jim O´Neill, diretor de análise econômica global da Goldman Sachs e o homem que cunhou o termo. Sua resposta: o conceito é tão válido como nunca, embora possa ser expandido para incluir países como o México ou Indonésia ou excluir outros, como a Rússia. A seguir, trechos editados da entrevista, feita em 26 de fevereiro:

WSJ:Como o sr. chegou ao conceito?

O´Neill: Até 2001, eu era um dos diretores de pesquisa econômica da Goldman Sachs mundialmente. E minha maior especialidade era como economista-chefe de câmbio. No fim dos anos 90, passei a ficar mais interessado na China e na questão cambial chinesa. Então esse é o primeiro aspecto. Mas muito mais importante nesse contexto (foi que) por volta de 11 de setembro (de 2001) me tornei o único diretor de pesquisa econômica mundial para a Goldman Sachs. Então eu precisava buscar aquilo que seria a minha marca. O cara que dividia o posto comigo antes, Gavin Davis, era um pensador econômico excepcionalmente poderoso e estava no cargo antes de eu chegar. Ele liderou a análise cíclica do G7 nos anos 80 e isso é um dos motivos por que a Goldman se tornou tão bem conhecida. E então eu estava pensando: 'Como posso fazer algo que tenha o mesmo impacto para nossa firma e nossos clientes?' Isso era o que estava na minha cabeça. Tudo aconteceu mais ou menos ao mesmo tempo, quando houve o 11 de setembro, e eu acho que a verdadeira lição do 11/9 para mim, além do horror, foi uma mensagem de que a globalização tinha de ser diferente. Se eu combinasse aquilo com meu fascínio já forte pela China, foi isso que me levou a sonhar com a expressão Bric.

WSJ: Por que Bric?

O´Neill: Escrevi um artigo em novembro de 2001 chamado 'O mundo precisa de melhores Brics (soa como a palavra 'tijolo', em inglês) econômicos'. É porque três desses países, menos o Brasil, tinham algo fundamentalmente bem diferente começando a acontecer nos anos 90 e potencialmente no futuro. No caso da Rússia era o fim da União Soviética. No da China era a adoção da economia de mercado. No da Índia era o boom mundial de tecnologia. E então, com grandes populações nesses três lugares-chave, minha visão era que com a globalização esses três países iam ser participantes importantes. A grande coisa que coincidiu com isso foi o aparecimento de Lula na cena (internacionalmente). E se você lembrar em 2000, 2001 as pessoas achavam que depois da desvalorização na Argentina o Brasil ia ser um desastre sob Lula. A coisa que chamou minha atenção no Brasil, e foi completamente subestimada por todo mundo, foi a introdução das metas de inflação (em 1999). Quando vi isso, pensei 'pera aí, não são apenas esses três países que serão muito diferentes, se o Brasil for tratar a meta de inflação de maneira séria, o Brasil será diferente'. E pensei, sabe, que o Brasil deveria estar lá também. É um país de 160 milhões de pessoas, talvez chegando a 200 milhões. O Brasil, se mantiver a inflação sob controle, vai ser uma das maiores economias do mundo.

WSJ: Por que Bric e não MRIC, com o México em vez do Brasil?

O´Neill: Em retrospecto, a coisa que realmente deu um grande impulso ao Bric foi, dois anos depois, quando fizemos nossa primeira análise de 2050 e mostramos que os quatro países juntos poderiam ser maiores que o G7 em 2036. Então, depois de dois anos em que (o Bric) se tornou algo enorme, e com muitas pessoas perguntando por que não México, por que não Turquia, escrevemos um grande estudo dizendo como os Brics são sólidos e analisamos por que os próximos 11 países em população não estavam lá. Dos 11, para ser honesto, um deles, o México, tem provavelmente justificativas para ser incluído. Por isso muitas vezes brinco com as pessoas que talvez eu devesse ter chamado BRICM, com um M de México.

WSJ: O conceito pode ser expandido?

O´Neill: Conceitualmente, acho que sim. Digo, por volta de 2005, quando escrevemos um estudo sobre como os Brics eram sólidos, sugeri que o que realmente constitui um Bric (...) é o seguinte: um país do mundo emergente que tenha o potencial de ter pelo menos 3% do PIB mundial. Isso significa que, se algum dos atuais quatro Brics não puder realizar seu potencial, talvez ele não devesse (estar lá). Mas também significa que o México tem definitivamente esse potencial e levanta a possibilidade de que países com grandes populações, como a Indonésia, também possam.

WSJ: O sr. acha que, ao longo do tempo, as pessoas começaram a usar o conceito de uma maneira diferente da que o sr. pretendia?

O´Neill: Às vezes. Em 2007 em particular eu estava preocupado que toda a coisa do Bric estava virando uma febre insustentável no mundo do investimento. Muitas pessoas estavam elaborando fundos Bric. Um banco criou um Brict com um T de Turquia no fim etc. etc. E as pessoas estavam colocando dinheiro em fundos Bric em 2007, embora a relação entre preço e estimativa de lucro por ação da China e da Índia fossem mais que o dobro da dos EUA. E isso era claramente, como dissemos na época, insensato.

WSJ: O sr. acha que os Brics, como estão, formam um conceito sustentável?

O´Neill: Decididamente. Muita gente tola colocou dinheiro em fundos Bric em 2007 e 2008 e perdeu dinheiro. As pessoas não deveriam se esquecer que, desde que introduzimos a sigla, o índice Bric MSCI ainda está em alta de algo como 120%, enquanto o S&P 500 está em baixa de uns 20%. Ou seja, são apenas as pessoas que compraram essas coisas quando elas estavam extremamente caras que perderam dinheiro. Nunca presumimos que nos próximos 30 anos, mais ou menos, esses países sustentariam taxas de crescimento próximas das que vinham crescendo, com a exceção do Brasil. Nossa premissa para o crescimento chinês é de 5,8%. Nos primeiros sete anos da sigla Bric, a China cresceu quase ao dobro do que presumimos. Por isso, a grande desaceleração da China não ameaça nem um pouco sua parte no sonho do Bric.

WSJ:E suponho que ao fim do período o sr. leva em conta um crescimento muito mais lento para a China.

O´Neill: Entre 2011 e 2050, ou seja, descartando esta década, temos o seguinte: 4,3% para o Brasil, 5,2% para a China, 6,3% para a Índia e 2,8% para a Rússia. A China vai crescer mais que isso este ano! Quando você olha para o pensamento da moda atual, as pessoas acham que o descasamento não aconteceu. Se você olha para o consumo interno, há evidências bem claras de que, embora tenha desacelerado um pouco, o consumo interno nos países do Bric está agora contribuindo significativamente mais do que os EUA, e o tem feito há três anos, para o crescimento global. Por isso, não acho que, até agora, esta crise tenha ameaçado nem um pouco o conceito do Bric. Deixe-me acrescentar um ponto controverso. Acho que o fato de os Brics serem sólidos vai ajudar a tirar os EUA desta bagunça porque vai permitir que as exportações americanas se recuperem e sejam uma parte importante do futuro da economia americana.

WSJ: O fenômeno Bric foi associado com um boom em commodities liderado pela China e pela Índia. Agora, quando a poeira assentar, o que vai acontecer com esse boom de commodities? Como os Brics vão lidar com isso?

O´Neill: De certa maneira, a Índia tem lidado com ela particularmente bem porque a alta dos preços das commodities não era boa para o país. Você está certo, especialmente no caso do Brasil, claro, que as pessoas associam o Bric com commodities. Rússia e Brasil são ambos grandes produtores de commodities e China e Índia são ambos grandes importadores de commodities. A grande alta dos preços de commodities, que se pode argumentar ter sido causada pela China crescendo 12% durante uns três anos, foi realmente boa para Rússia e Brasil, mas na verdade bastante ruim para a Índia, e eu diria que uma possível surpresa este ano, caso consigamos parar a deterioração da crise de crédito, é que a Índia pode se sair muito melhor mais cedo do que as pessoas pensam. O declínio nos preços das commodities é um grande fator positivo para a Índia.

WSJ: Mas é um grande fator negativo para Rússia e Brasil.

O´Neill: Argumentei durante três anos que não seria possível realmente dizer se Rússia e Brasil justificariam seu status de Bric até que passassem por um períodos de preços de commodities fracos.

WSJ: Então este é um teste maior para Brasil e Rússia do que para Índia e China?

O´Neill: Este não é nenhum teste para China e Índia. É decididamente um teste para Rússia e Brasil. E é um bom teste.

WSJ: Eles passarão?

O´Neill: Acho que a evidência no Brasil já é sim. A estrutura macroeconômica de melhores práticas que Lula adotou sete anos atrás está (...) demonstrando que o Brasil pode lidar com essa crise. O Brasil dos anos 70 aos 90 estaria tão ruim quanto a Rússia. Não estou certo de que a Rússia possa enfrentá-la e temo que não possa. Até agora, esta crise está demonstrando que a Rússia é dependente demais de commodities.

WSJ: Quando o sr. fala sobre o Brasil conseguindo enfrentar, o que quer dizer?

O´Neill: A moeda enfraqueceu, o mercado acionário enfraqueceu, mas diferentemente de crises brasileiras passadas eles não tiveram de aumentar as taxas de juros para conter a saída de capital, o que é um sinal muito poderoso.

WSJ: Já vimos a China tirar proveito de algumas oportunidades de compra para conseguir acesso a alguns recursos nacionais. O sr. acha que as empresas brasileiras podem ir ao ataque também?

O´Neill: Em minha experiência nos mercados financeiros, e esta é provavelmente a sexta crise que enfrento, o que define a longevidade e o sucesso das pessoas e empresas é como elas transformam uma crise numa oportunidade. É uma coisa muito difícil de fazer. Não dá para ignorar ou minimizar os problemas desta crise, mas ao mesmo tempo o melhor momento para expandir é perto do fim de uma crise.

WSJ: O sr. acha que estamos perto do fim da crise?

O´Neill: Desenvolvemos um indicador da crise em outubro, depois que o Lehman quebrou, que consiste numa série de diferentes variáveis do mercado monetário. Este indicador está agora (26 de fevereiro) de volta ao nível de quando o Bear Stearns quebrou. Isso me sugere que, embora estejamos obviamente numa recessão mundial muito severa, a crise financeira está mais perto do fim que do começo.

WSJ:No Brasil, por exemplo, há números contraditórios. Algumas pessoas estão assustadas com os números da produção industrial, mas houve listas de espera para a compra de alguns carros depois que o governo ofereceu alguns incentivos.

O´Neill: A psicologia dos mercados financeiros será sempre a mesma. De algumas maneiras a comunidade de investimento financeiro é realmente estúpida. As pessoas estão sempre assustadas quando não deviam e estão sempre empolgadas quando deviam estar assustadas. Por que as pessoas estavam comprando fundos de ações do Bric no começo de 2008, quando a valoração das empresas chinesas era o dobro das americanas? Em segundo lugar, a produção industrial estava realmente fraca no Brasil? É a mesma coisa em qualquer país do mundo. Mas todos esses dados não deveriam surpreender as pessoas, porque refletem o fato de que o sistema financeiro mundial parou em outubro. Por isso o que você tem de olhar realmente é para o consumidor. Se as pessoas estão começando a gastar um pouco mais em lugares como o Brasil, e ouvi a mesma coisa na China, isso é realmente importante.

WSJ: Mas as coisas ainda parecem bem feias. A produção está caindo em todas as partes, os EUA não fecharam ainda um plano coerente para lidar com os bancos...

O´Neill: Não digo que a crise econômica tenha acabado, o que estou dizendo é que a intensidade da crise financeira está mais próxima do fim.

WSJ: E o mercado financeiro antecipa a economia real.

O´Neill: Sim. Isso sugere para mim que em seis meses os números de produção industrial serão melhores. Não no mês que vem, em seis meses. A chave para isso tudo é a China. Se a China for melhor no segundo semestre deste ano, o que eu fortemente acho que acontecerá, então todo o caso do Bric vai voltar a ficar muito popular bem rapidamente.

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