segunda-feira, 16 de março de 2009

Outono

LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL*


Olhe em volta, vá à janela. Deixe o jornal por um momento. Observe a luz, mais quebrada, mais doce, mais próxima, mais íntima. Veja as paineiras das ruas e praças. Já estão floridas. Veja os maricás, rentes à estrada.
Veja como as pessoas estão mais lentas e como, nos rostos, ilumina-se um novo olhar. Até falam mais baixo.
Nossa sombra, projetada no chão, é cada dia mais alongada e, por vezes, confunde-se com o horizonte, dando-nos a certeza de que somos eternos.
Se for noite, olhe para cima, para o céu. No céu aparecem novas estrelas. O Cruzeiro começa a ficar alçado no horizonte. A Via-Láctea torna-se mais visível. O ar é nítido. As noites já são mais amenas, concedendo-nos o repouso de um sono que o verão nos nega. Os cães ladram menos, os gatos recolhem-se às suas casas. Tudo se cala, tudo é mais suave.
Os pássaros piam em surdina, e tornam-se douradas as folhas das videiras, saciadas do estio, quando nos deram os frutos com que fazemos o vinho. É menos difícil galgar as escadas. É o outono que lentamente se instala no Sul.

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A existência do outono, ao Sul, é a garantia de que ainda somos humanos.

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Até mesmo as artes mudam, no outono: há mais delicadeza na curva sinuosa que faz o braço da bailarina; o cantor tem a voz mais cálida; a pintora, ante a tela, descobre novas soluções para o seu trabalho; os poetas percebem, surpresos, que as palavras são mais capazes de escrever o poema. O clarinetista encontrará um instrumento mais apto a executar o concerto de Mozart.
Mas atenção: isso só acontece aqui, neste Sul. Não procure em outro lugar, porque o outono ao Sul é criação nossa e habita o domínio sobrenatural de nossas lendas e, como toda lenda, é profundamente real.
Em nosso outono, ao contrário do que acontece no mundo inteiro, as coisas não morrem.

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