Nélson Tucci*
Como evitar a rápida oxidação do cérebro? Ao pensar em uma resposta
simples, direta, objetiva, em meio ao turbilhão em que vivemos hoje,
logo me vem outra à cabeça: um cérebro ativo colabora efetivamente para
evitar o esgarçamento do tecido social? Se a estas perguntas existirem
respostas afirmativas, sou tentado a pensar que a sustentabilidade mora
em nós.
Esta reflexão é um exercício primário, não se tratando de um ensaio; é
apenas uma inquietação que ora divido com o leitor. Não sei se é fruto
de minha limitação intelectual ou de minha natureza prática, mas gosto
muito do raciocínio simples, direto, sem necessariamente ser o mais
reducionista do ponto de vista filosófico. Em meu modo de ver, a
sofisticação deve ser a exceção, não a regra.
Tecnologia é boa e eu gosto. Nascido na segunda metade do século
passado, sinto que estou cada vez mais rico em conteúdos – por ter base
de comparação e importantes vivências – e, proporcionalmente, cada dia
mais defasado com o lançamento de novíssimos aplicativos. Quando entendo
e fico extasiado com algum novo aparato tecnológico logo aparece
“alguém pra cortar o meu barato” (vide dicionário Jurassic`s
Expressions) e diz: Ah tá, mas já saiu a 6ª versão...
E por falar em novíssimas tecnologias, dias atrás a Justiça
brasileira deu mais uma canelada no serviço de mensagens instantâneas WhatsApp
– brasileiramente rebatizado de `zap zap` – suspendendo-o em todo o
território nacional. Uma considerável parcela da população entrou em
pânico. E alguns usuários, travestidos de pseudo-juízes, não demoraram a
condenar a suspensão do serviço. Sem entrar no mérito, porque não sou
juiz de formação e nem de intenção, convido à reflexão. Você já parou e
avaliou o quanto é dependente de tecnologia hoje? Até que ponto os
recursos tecnológicos, ou a falta destes, interferem no seu trabalho,
saúde, relações sociais ou vida afetivas?
A tecnologia se incrusta às nossas vidas, sendo muitas vezes a
extensão de nossos movimentos físicos e intelectuais. E na falha desta,
ficamos manietados. Sem rebuscar demais o raciocínio – até para fazer
jus à coerência que explanei no início do texto – vamos a uma questão do
nosso dia a dia. Você compra algo em uma padaria que custa, por
exemplo, R$ 11,50. Paga com uma nota de R$ 20,00 e pergunta para o caixa
(ou o faz mecanicamente, sem perguntar): quer R$ 2 pra ajudar? Aí a
pessoa te olha com uma cara estranha e você se sente um extraterrestre.
Ato contínuo, o mocinho, ou mocinha, pega uma calculadora e vê o
quanto precisa te dar de troco. Mesma coisa acontece quando você tem de
pagar R$ 26,00, dá 3 notas de 10 e uma moeda de 1. A pessoa corre pra
digitar e depois da conta feita e troco na mesa avisa: não, não precisa.
Isto é, as pessoas – especialmente aquelas com menos de 30 anos – não
sabem fazer `conta de cabeça`. Tabuada então... quer coisa mais
jurássica que isto? Pra que pensar se existe calculadora? Pra que ter
letra decente, se hoje você digita e não escreve mais?
Nessa mesma linha, não demora e logo alguém vai dizer: pra que `se
matar´ em fazer uma baliza, se o carro estaciona sozinho? A propósito,
uma montadora instalada no Brasil acaba de anunciar o “easy park” em seu
carro top de linha...
Não, eu não vou dizer nada do Pokémon Go porque não o
conheço direito, mas já li casos de pessoas que abandonam filhos e
parceiros no meio da rua pra brincar com o joguinho. Do mesmo jeito que
uns nomofóbicos (pessoas viciadas em internet e, neste caso, mais precisamente em celular) ficam digitando enquanto dirigem.
O fato é que estamos nos condicionando a digitar (freneticamente) e
não a pensar. Estamos mudando o jeito de o cérebro produzir as sinapses.
Algumas pessoas já trocam os flavonoides por chips e batatas chips. O
risco é acelerarmos a oxidação do cérebro e a desprezar o contexto
social. O mundo tecnológico na maioria das vezes é mais prático e
gostoso porque facilita as coisas, mas não podemos ter a visão
reducionista de que a vida pode ser resumida a um aparelho e dois
aplicativos. Afinal, a sustentabilidade é algo que mora em nós e não
devemos dar mole para a oxidação.
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*Colunista de Plurale
Fonte: http://www.plurale.com.br/site/noticias-detalhes.php?cod=15007&codSecao=2
Imagem da internet
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