terça-feira, 26 de julho de 2016

A sustentabilidade mora em nós

                                          Nélson Tucci*

 

Como evitar a rápida oxidação do cérebro? Ao pensar em uma resposta simples, direta, objetiva, em meio ao turbilhão em que vivemos hoje, logo me vem outra à cabeça: um cérebro ativo colabora efetivamente para evitar o esgarçamento do tecido social? Se a estas perguntas existirem respostas afirmativas, sou tentado a pensar que a sustentabilidade mora em nós.

Esta reflexão é um exercício primário, não se tratando de um ensaio; é apenas uma inquietação que ora divido com o leitor. Não sei se é fruto de minha limitação intelectual ou de minha natureza prática, mas gosto muito do raciocínio simples, direto, sem necessariamente ser o mais reducionista do ponto de vista filosófico. Em meu modo de ver, a sofisticação deve ser a exceção, não a regra.

Tecnologia é boa e eu gosto. Nascido na segunda metade do século passado, sinto que estou cada vez mais rico em conteúdos – por ter base de comparação e importantes vivências – e, proporcionalmente, cada dia mais defasado com o lançamento de novíssimos aplicativos. Quando entendo e fico extasiado com algum novo aparato tecnológico logo aparece “alguém pra cortar o meu barato” (vide dicionário Jurassic`s Expressions) e diz: Ah tá, mas já saiu a 6ª versão...

E por falar em novíssimas tecnologias, dias atrás a Justiça brasileira deu mais uma canelada no serviço de mensagens instantâneas WhatsApp – brasileiramente rebatizado de `zap zap` – suspendendo-o em todo o território nacional. Uma considerável parcela da população entrou em pânico. E alguns usuários, travestidos de pseudo-juízes, não demoraram a condenar a suspensão do serviço. Sem entrar no mérito, porque não sou juiz de formação e nem de intenção, convido à reflexão. Você já parou e avaliou o quanto é dependente de tecnologia hoje? Até que ponto os recursos tecnológicos, ou a falta destes, interferem no seu trabalho, saúde, relações sociais ou vida afetivas? 

A tecnologia se incrusta às nossas vidas, sendo muitas vezes a extensão de nossos movimentos físicos e intelectuais. E na falha desta, ficamos manietados. Sem rebuscar demais o raciocínio – até para fazer jus à coerência que explanei no início do texto – vamos a uma questão do nosso dia a dia. Você compra algo em uma padaria que custa, por exemplo, R$ 11,50. Paga com uma nota de R$ 20,00 e pergunta para o caixa (ou o faz mecanicamente, sem perguntar): quer R$ 2 pra ajudar? Aí a pessoa te olha com uma cara estranha e você se sente um extraterrestre.

Ato contínuo, o mocinho, ou mocinha, pega uma calculadora e vê o quanto precisa te dar de troco. Mesma coisa acontece quando você tem de pagar R$ 26,00, dá 3 notas de 10 e uma moeda de 1. A pessoa corre pra digitar e depois da conta feita e troco na mesa avisa: não, não precisa. Isto é, as pessoas – especialmente aquelas com menos de 30 anos – não sabem fazer `conta de cabeça`. Tabuada então... quer coisa mais jurássica que isto? Pra que pensar se existe calculadora? Pra que ter letra decente, se hoje você digita e não escreve mais?

Nessa mesma linha, não demora e logo alguém vai dizer: pra que `se matar´ em fazer uma baliza, se o carro estaciona sozinho? A propósito, uma montadora instalada no Brasil acaba de anunciar o “easy park” em seu carro top de linha...

Não, eu não vou dizer nada do Pokémon Go porque não o conheço direito, mas já li casos de pessoas que abandonam filhos e parceiros no meio da rua pra brincar com o joguinho. Do mesmo jeito que uns nomofóbicos (pessoas viciadas em internet e, neste caso, mais precisamente em celular) ficam digitando enquanto dirigem. 

O fato é que estamos nos condicionando a digitar (freneticamente) e não a pensar. Estamos mudando o jeito de o cérebro produzir as sinapses. Algumas pessoas já trocam os flavonoides por chips e batatas chips. O risco é acelerarmos a oxidação do cérebro e a desprezar o contexto social. O mundo tecnológico na maioria das vezes é mais prático e gostoso porque facilita as coisas, mas não podemos ter a visão reducionista de que a vida pode ser resumida a um aparelho e dois aplicativos. Afinal, a sustentabilidade é algo que mora em nós e não devemos dar mole para a oxidação. 
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*Colunista de Plurale
Fonte:  http://www.plurale.com.br/site/noticias-detalhes.php?cod=15007&codSecao=2
Imagem da internet

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