Gilberto Borghi*
Para ajudar uma pessoa viver um amor ordenado, deve-se
privilegiar, em primeiro lugar, a reconquista do amor, ou a reconquista
da ordem?
Não há como negar que a dimensão sexual é aquela em que a distância
entre as diretivas éticas do magistério e a realidade vivida pelos fiéis
de hoje, é máxima. Neste contexto, alguns teólogos católicos estão
ocupados em pedir ao Papa Francisco uma interpretação oficial de 19 frases contidas em Amoris Laetitia como o artigo do Grillo publicado hoje que, dizem eles, são ambíguas. Convencidos, talvez, de que assim se possa parar a "deriva sexual", devida, segundo eles, da condição cultural atual, em que a desorientação ética e a subjetividade do juízo são os mestres.
Na verdade, acredito que é realmente prejudicial, para a fé e para a
saúde mental dos crentes, esta maneira de colocar a "resposta” católica
na deriva subjetivista e na desconstrução das referências éticas
tradicionais. Em particular, precisamente, em matéria sexual. A hipótese
da qual partem estes teólogos, é que a certeza e a firme clareza da
regra ética protege contra o mal. Sobre isto, levanto duas ênfases muito
problemáticas contra eles. A firmeza e o absoluto da regra provoca, ao
contrário, medo do pecado a ser evitado a qualquer custo, como se
através do medo, se pudesse realmente crescer mais em nossa vida de fé.
Na verdade, o magistério já definiu exatamente o contrário: "A percepção
do mal provoca ódio, aversão e medo do mal que está por chegar. Este
movimento se completa na tristeza do mal presente ou na cólera que a ele
se opõe". (CIC n . 1765). Ou seja, do temor do mal surge apenas o
próprio mal e a cólera a ele conexa. Não cresce a fé, e pior ainda nos
afasta da alegria de sermos salvos.
"A firmeza e o absoluto da regra provoca, ao
contrário,
medo do pecado a ser evitado a qualquer custo,
como se
através do medo, se pudesse realmente
crescer mais em nossa vida de fé."
Em segundo lugar, a precisão e a clareza da regra leva a pensar que
por meio do esforço consciente posso manter-me dentro das regras e,
sentir-me, assim, "certo" com Deus, como se eu fosse capaz de salvar-me a
mim mesmo. E aqui também o Magistério faz ouvir sua voz: "A preparação
do homem para acolher a graça é já uma obra da graça. Esta é necessária
para suscitar e manter nossa colaboração na justificação pela fé e na
santificação pela caridade. Deus completa em nós aquilo que começou,
pois começa, com sua intervenção, fazendo que nós queiramos e acaba
cooperando com as moções de nossa vontade já convertida" (CIC n. 2001).
Assim, de seu, o homem coloca apenas a disponibilidade para deixar-se
converter e o desejo de colaborar com a ação interna do Espírito. Bem
outra coisa que o esforço da vontade para autossalvar-se, permanecendo
dentro das regras!
A redenção cristã não fica de pé pelo respeito da Lei. São Paulo
é muito claro sobre a pervasividade do pecado, e sobre a não eficácia
salvífica da Lei: “eu não conheci o pecado, senão pela Lei. Pois não
conheceria a cobiça se a Lei não dissesse: Não cobiçarás. Mas foi o
pecado que, aproveitando-se da ocasião dada pelo preceito, excitou em
mim todas as cobiças, porque sem a Lei, o pecado estava morto. Outrora,
sem a Lei, eu estava vivo mas, com a vinda do preceito, o pecado
reviveu, e eu fiquei morto” (Rm 7, 7-10). Ou seja, a lei serve para
revelar o pecado, mas não tem nenhuma possibilidade de libertar do
pecado. Ao contrário, aumenta o efeito do mal. O próprio Paulo
diz: "Deus encerrou a todos na desobediência, para usar com todos de
misericórdia " (Rm 11,32). É a graça de Deus, portanto, isto é, o seu
amor gratuito, que nos salva: "O que era impossível para a Lei, visto
ser fraca devido à carne, Deus o fez, tendo enviado o seu próprio Filho
em estado de solidariedade com a carne do pecado, e em sacrifício pelo
pecado, condenou o pecado na carne" (Rm 8,3).
"Também
nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes
respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são
capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde
se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar as consciências,
não a pretender substituí-las".
( Papa Francisco: Amoris Laetitia, n. 37)
Se as coisas são assim, o princípio formal efetivo da escolha ética
concreta para a pessoa é sua consciência. Ainda o magistério: "No íntimo
da consciência, o homem descobre uma lei que ele não colocou sobre si
mesmo, mas à qual deve obedecer. Esta voz, sempre chamando-o a amar, a
fazer o bem e evitar o mal, no momento oportuno ecoa em seu coração: faz
isto, evita aquilo" (Gaudium et Spes
n. 16). Santo Tomas chega até a dizer que o homem deve sempre seguir a
própria consciência, mesmo que esta esteja no erro, ao ponto de afirmar
que o incrédulo pecaria se aderisse, contra suas convicções, à fé
proposta pela Igreja. E Francisco acrescenta: "Também
nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes
respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são
capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde
se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar as consciências,
não a pretender substituí-las” Amoris Laetitia, n. 37).
E se o princípio formal é a consciência, o princípio fundamental,
isto é, o conteúdo, é o amor, e não a correspondência a uma lei externa.
"As paixões são muitas. A paixão mais fundamental é o amor provocado
pela atração do bem. O amor causa o desejo do bem ausente e a esperança
de alcançá-lo. Este movimento tem a sua conclusão no prazer e na alegria
do bem possuído "(CIC n. 1765). A guiar-nos, a saber, a moral cristã, é
o amor, o prazer e a alegria a ele conjuntos. A lei externa só tem a
tarefa de assinalar, em sede de verificação ética, se você está
caminhando na direção certa ou não. Mas não tem capacidade de dar ao
homem a força de caminhar.
Isto não significa que não se podem dar orientações éticas objetivas
no cristianismo. É objetivo que a relação sexual fora do matrimônio, em
geral, não é bom para o homem. Mas para Franco, acostumado a ter relações com qualquer mulher, sem compromissos sentimentais, e agora parece realmente enamorado de Helena,
ter relação sexual com ela e só com ela, mesmo antes do casamento, pode
ser uma indicação de progresso moral, não necessariamente de seu
fracasso. Mas quem pode realmente reconhecer essa positividade senão a
sua própria consciência? Nem mesmo seu diretor espiritual, admitido que o
tenha, pode ter certeza de que tal ato possa realmente ser um progresso
ético. E se for honesto, deverá ajudar Franco a ler a sua própria consciência, e não, a substituir-se a ela.
"A lei externa só tem a
tarefa de assinalar,
em sede de verificação ética, se você está
caminhando na direção certa ou não. Mas não
tem capacidade de dar ao
homem a força de caminhar."
Então a questão é esta: para ajudar estas pessoas a chegarem a um
amor ordenado, deve-se privilegiar, em primeiro lugar, a reconquista do
amor ou a reconquista da ordem? No plano ético, para o Cristianismo, vem
antes a ordem ética ou o amor? Se também aqui olhamos para o Evangelho,
cada vez que Cristo encontra alguém, em primeiro lugar, Ele o ama, o
faz sentir-se amado, assim como é, na condição em que está. E quando se
abre para a fé, Cristo o reconhece e o indica à pessoa. Só depois, no
final do encontro, avança uma afirmação ética para sua vida, depois que
ele se deixou converter por aquele amor que recebeu. A fé nasce do amor,
não da ordem ética. Que no máximo, é uma consequência. A primeira
coisa, portanto, a que se deve olhar, não é a ordem, mas o amor. É dali
que se deve partir e fazer crescer. Porque o amor é o motor da vida
cristã.
Em vez disso, muitas vezes, a Igreja ainda dá por descontado que seja
a ordem ética a base da fé. Na realidade, não é a base, mas, no máximo,
uma consequência. Uma regra externa, de fato, pode ser observada
também, sem motivação no amor de Deus. Diante de fortes pressões
culturais e por meio de um esforço da vontade, posso impor-me a
permanecer dentro da regra, mas vivida assim, não tem nenhum valor de
amor. "Se eu entregar meu corpo para ser queimado, mas não tiver amor,
nada disso me aproveita" (1 Cor 13,3). A respeito da regra de per si,
portanto, ela nada diz respeito do meu real crescimento interior, do
amor e da fé. Não é garantia suficiente. Muitas vezes, até quarenta anos
atrás, numa fé apoiada sobre a cultura e sobre suas regras, muitos
casamentos, talvez, duraram por anos, com uma sexualidade feita pelo
"uso" do outro, sobretudo do homem sobre a mulher, sem que houvesse
violação das regras objetivas da fidelidade. E, frequentemente, o casal
dava por descontado, que isto estava certo, porque a regra, em todos o
casos, estava observada.
O coração da vida sexual, no entanto, baseia-se no amor, na doação de si no relacionamento erótico.
A consequência disto, hoje, é que o percurso educativo exigido, no
plano sexual, deve colocar no centro o desejo de amor, e não tanto, e
principalmente, sua conduta ordeira. Se buscamos, hoje, como primeiro
objetivo, a recomposição de uma ordem ética, ao invés do desenvolvimento
de um amor efetivo, corremos o risco de ser engolidos pelo sistema
pós-moderno, que, como um computador, pré-organiza tudo, para manter o
controle total sobre as pessoas, até mesmo sobre sua capacidade de amar,
que, deste modo, morre ao nascer. O que a Igreja, muitas vezes,
preocupada com a objetividade ética ainda não consegue ver, arriscando
tomar-se o lado mais deletério da pós-modernidade, é que a anulação do
valor da pessoa, como ser único e irrepetível, anula a sacralidade da
consciência, com o resultado de sua potencial "comercialização". Uma
lógica na qual o espaço para o amor se aniquilou.
Nota biográfica do autor
1.- Nasci em Faenza, no início dos anos 60, tentei tornar-me padre,
mas depois percebi que não era o meu negócio. Em seguida, estudei muito,
talvez para compreender-me e encontrar-me. Primeiro Teologia, depois,
Filosofia, em seguida, Psicopedagogia e finalmente, Pedagogia Clinica
... (todo mundo tem seus demônios!). Ensino Religião, sou Formador para a
cooperativa educacional Kaleidos e o Pedagogista Clínico.... Trabalho
para fazer as pessoas se sentirem melhor, o quanto é possível... Neste
site, tento dizer o que está acontecendo nas minhas aulas, e oferecer
algumas reflexões. Daqui nasceu o livro, publicado em 2013, intitulado: Un Dio inutile.
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Artigo publicado no blog Vino Nuovo, 14-07-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/557897-o-que-alguns-teologos-nao-compreendem-da-amoris-laetitia
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