terça-feira, 19 de julho de 2016

O futuro da globalização

Albert Fishlow*

 

Determinar qual será a nova relação do país com a Europa, e lutar para que sejam minimizadas as consideráveis consequências políticas e econômicas negativas serão tarefas difíceis

Os últimos tempos têm testemunhado impressionantes mudanças em todo o mundo. Às vezes, o foco no que está ocorrendo no Brasil – um caso considerável – faz com que não se perceba a rapidez com que o renascimento do nacionalismo está acontecendo. Mas, ocasionalmente, não deixa de haver também um elemento cômico, shakespeariano talvez, nessa tragédia. Em primeiro lugar, a recente decisão britânica de sair da União Europeia. O desligamento se dará com a nova primeira-ministra, Teresa May, que ocupará o cargo de David Cameron, que queria que o reino Unido permanecesse na UE. Entre as mudanças no gabinete conservador está a nomeação de Boris Johnson como ministro do Exterior, após sua derrotada para Teresa May. 

Agora começa a parte realmente complexa. Determinar qual será a nova relação do país com a Europa, e lutar para que sejam minimizadas as consideráveis consequências políticas e econômicas negativas serão tarefas difíceis. Nos dois anos que decorrerão até o estabelecimento do status final do Reino Unido, a Escócia, que votou em grande parte a favor da permanência na UE, ameaça abandonar o Reino Unido, assim como a Irlanda do Norte. Muitos imigrantes europeus que vivem no Reino Unido por suas oportunidades de emprego estão reavaliando as vantagens de permanecer no país. Além disso, o papel de Londres como centro financeiro da UE se tornou incerto, uma vez que muitas empresas estudam a possibilidade de se transferirem para Paris ou Frankfurt. 

Em segundo lugar, os Estados Unidos estão dando rapidamente as costas ao livre-comércio, a uma maior integração da região do Pacífico, e à intervenção no Oriente Médio. Em vez disso, suas atenções se voltam para a questão interna da raça. Há pouco mais de uma semana, duas cidades testemunharam o assassinato de afro-americanos pela polícia, e as dúvidas a respeito da validade de tais ações aumentaram com a divulgação das gravações feitas por celulares. Por outro lado, cinco policiais brancos foram mortos por um jovem afro-americano que serviu no Afeganistão, e que decidiu reagir a este e a outros casos de violência policial. 

O movimento “Vidas de Negros Importam” respondeu a esses e a outros casos anteriores com manifestações em várias cidades. Ao mesmo tempo, tem havido um aumento considerável das vendas de armas e do apoio dos brancos a toda intervenção policial que consideram justificada. Em Dallas, o presidente Obama pediu um maior esforço para solucionar as questões raciais por meio do diálogo e não pela desconfiança, da ajuda e não do ataque. 

Embora desde os anos 50 tenha havido importantes realizações, a ampliação da segregação geográfica e a disparidade na educação bem como a crescente disparidade da renda continuam sendo os principais problemas que se colocam para o presidente a ser eleito em breve (Donald Trump???). 
 
O Japão também fez uma eleição. O primeiro-ministro Shinzo Abe obteve ampla vitória no Senado. Embora tenha manifestado o desejo de apoio para poder levar a cabo sua política econômica, adiando o aumento dos impostos, permitindo um orçamento suplementar e um maior impulso monetário, seu objetivo é bem maior. Uma mudança do Artigo 7 da Constituição permitiria uma presença militar mais ativa fora do país. Conseguir essa mudança não será fácil. Muitos japoneses, inclusive alguns que votaram no Partido Liberal Democrático, continuam criticando essa solução. Abe tem uma difícil tarefa política pela frente, e mais dois anos antes que as próximas eleições mostrem o sucesso das medidas econômicas por ele implantadas. 

A economia continua enfrentando dificuldades, e a parceria Trans-Pacífico parece ainda mais improvável. Serão necessários melhores resultados no plano econômico como primeiro passo para alcançar seu objetivo político. Convém observar que os japoneses, que há 25 anos proclamavam o Japão como maior país do mundo, em seguida entraram num relativo declínio. 

E temos o problemático Oriente Médio, que se estende do Mediterrâneo ao Afeganistão. A Turquia expulsou o embaixador de Israel, e o chanceler egípcio visitou Jerusalém. Netanyahu agora ocupa o cargo de chanceler, e permite que seu turbulento parceiro político de direita, Avigdor Lieberman, chefie o Ministério da Defesa. Os sunitas sauditas (wahhabis) continuam preocupados com o Irã xiita, enquanto a guerra prossegue na Síria, governada por Bashar al Assad, um alauita (xiita) que também tem o apoio da Rússia. 

Aviões russos e americanos deveriam atacar o Estado Islâmico, mas existem provas de que os sunitas sírios são também um alvo russo. O Iraque se prepara para avançar sobre Mossul e libertar a cidade conquistada pelo EI. Curdos iraquianos terão papel importante nessa iniciativa, enquanto a Turquia intensifica a campanha militar contra a própria população curda. No Afeganistão, está a importante resistência taleban que se apossou de uma porção considerável do país, às vezes, penetrando pela fronteira com o Paquistão, um concorrente na produção e exportação da matéria prima da papoula para a fabricação de heroína, fonte fundamental de receitas para afegãos. 

Os EUA retiraram grande número de suas tropas estacionadas na região, que havia sido modestamente incrementadas pouco antes, e ainda tentam encontrar solução para esta situação quase impossível. Ao mesmo tempo, os cinco membros do Conselho de Segurança, mais a Alemanha, negociaram com o Irã um tratado nuclear ao qual muitos senadores americanos (e Trump) se opõem veementemente. 

Finalmente, há o Brasil, prestes a receber grande número de estrangeiros no Rio para os Jogos Olímpicos de agosto, que enfrenta simultaneamente a doença provocada pelo zika vírus, a depressão econômica, a votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff no Senado (e talvez outra sobre a situação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha) e um governo em exercício. O problema fiscal está no centro dos atuais problemas econômicos brasileiros, consequência de enormes gastos governamentais não declarados e duvidosos no passado recente. Ao mesmo tempo, Michel Temer e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tentarão controlar o déficit acumulado e a crescente dívida pública. 

A questão é quantas dessas metas serão alcançadas antes das eleições de 2018. A projeção do déficit para 2017 é menor do que muitos assessores políticos queriam, e supõe a capacidade de gerar receitas por meio de uma política de privatizações e do ingresso de recursos enviados ao exterior por segurança. Mas há outras questões relacionadas ao Mercosul. Em primeiro lugar, o chanceler José Serra tenta impedir que a Venezuela assuma por seis meses a presidência do bloco de cinco países. Em segundo lugar, ele tem trabalhado intensamente para obter a adesão dos EUA a uma maior integração comercial, invertendo a política que há muito tempo visa a minimizar o acordo hemisférico. Ambas as questões têm profundas consequências. 

Poderá a Venezuela de Maduro, já conturbada pela oposição interna e pela queda do consumo da classe pobre, continuar contando com o Brasil como aliado? Conseguirá uma nova ênfase no acordo comercial bilateral ter consequências imediatas dada a evidente relutância dos EUA a manterem seu compromisso com um comércio mais livre? O que está ameaçado em todas essas questões, e em outras mais, é o futuro da globalização econômica e política como objetivo central nos últimos 70 anos, desde a fundação de instituições internacionais como ONU, Banco Mundial e FMI. O mundo voltará a ser constituído por unidades nacionais competitivas e divididas ou será que a integração global sobreviverá e ganhará mais vigor?  
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TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
*É ECONOMISTA E CIENTISTA POLÍTICO
Imagem da Internet
Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-futuro-da-globalizacao,10000063315/17/06/2016

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