Albert Fishlow*
Determinar qual será a nova relação do país
com a Europa, e lutar para que sejam minimizadas as consideráveis
consequências políticas e econômicas negativas serão tarefas difíceis
Os últimos tempos têm testemunhado impressionantes mudanças
em todo o mundo. Às vezes, o foco no que está ocorrendo no Brasil – um
caso considerável – faz com que não se perceba a rapidez com que o
renascimento do nacionalismo está acontecendo. Mas, ocasionalmente, não
deixa de haver também um elemento cômico, shakespeariano talvez, nessa
tragédia. Em primeiro lugar, a recente decisão britânica de sair da
União Europeia. O desligamento se dará com a nova primeira-ministra,
Teresa May, que ocupará o cargo de David Cameron, que queria que o reino
Unido permanecesse na UE. Entre as mudanças no gabinete conservador
está a nomeação de Boris Johnson como ministro do Exterior, após sua
derrotada para Teresa May.
Agora começa a parte realmente complexa. Determinar qual será a
nova relação do país com a Europa, e lutar para que sejam minimizadas as
consideráveis consequências políticas e econômicas negativas serão
tarefas difíceis. Nos dois anos que decorrerão até o estabelecimento do
status final do Reino Unido, a Escócia, que votou em grande parte a
favor da permanência na UE, ameaça abandonar o Reino Unido, assim como a
Irlanda do Norte. Muitos imigrantes europeus que vivem no Reino Unido
por suas oportunidades de emprego estão reavaliando as vantagens de
permanecer no país. Além disso, o papel de Londres como centro
financeiro da UE se tornou incerto, uma vez que muitas empresas estudam a
possibilidade de se transferirem para Paris ou Frankfurt.
Em segundo lugar, os Estados Unidos estão dando rapidamente as
costas ao livre-comércio, a uma maior integração da região do Pacífico, e
à intervenção no Oriente Médio. Em vez disso, suas atenções se voltam
para a questão interna da raça. Há pouco mais de uma semana, duas
cidades testemunharam o assassinato de afro-americanos pela polícia, e
as dúvidas a respeito da validade de tais ações aumentaram com a
divulgação das gravações feitas por celulares. Por outro lado, cinco
policiais brancos foram mortos por um jovem afro-americano que serviu no
Afeganistão, e que decidiu reagir a este e a outros casos de violência
policial.
O movimento “Vidas de Negros Importam” respondeu a esses e a
outros casos anteriores com manifestações em várias cidades. Ao mesmo
tempo, tem havido um aumento considerável das vendas de armas e do apoio
dos brancos a toda intervenção policial que consideram justificada. Em
Dallas, o presidente Obama pediu um maior esforço para solucionar as
questões raciais por meio do diálogo e não pela desconfiança, da ajuda e
não do ataque.
O Japão também fez uma eleição. O primeiro-ministro Shinzo Abe
obteve ampla vitória no Senado. Embora tenha manifestado o desejo de
apoio para poder levar a cabo sua política econômica, adiando o aumento
dos impostos, permitindo um orçamento suplementar e um maior impulso
monetário, seu objetivo é bem maior. Uma mudança do Artigo 7 da
Constituição permitiria uma presença militar mais ativa fora do país.
Conseguir essa mudança não será fácil. Muitos japoneses, inclusive
alguns que votaram no Partido Liberal Democrático, continuam criticando
essa solução. Abe tem uma difícil tarefa política pela frente, e mais
dois anos antes que as próximas eleições mostrem o sucesso das medidas
econômicas por ele implantadas.
A economia continua enfrentando dificuldades, e a parceria
Trans-Pacífico parece ainda mais improvável. Serão necessários melhores
resultados no plano econômico como primeiro passo para alcançar seu
objetivo político. Convém observar que os japoneses, que há 25 anos
proclamavam o Japão como maior país do mundo, em seguida entraram num
relativo declínio.
E temos o problemático Oriente Médio, que se estende do
Mediterrâneo ao Afeganistão. A Turquia expulsou o embaixador de Israel, e
o chanceler egípcio visitou Jerusalém. Netanyahu agora ocupa o cargo de
chanceler, e permite que seu turbulento parceiro político de direita,
Avigdor Lieberman, chefie o Ministério da Defesa. Os sunitas sauditas
(wahhabis) continuam preocupados com o Irã xiita, enquanto a guerra
prossegue na Síria, governada por Bashar al Assad, um alauita (xiita)
que também tem o apoio da Rússia.
Aviões russos e americanos deveriam atacar o Estado Islâmico, mas
existem provas de que os sunitas sírios são também um alvo russo. O
Iraque se prepara para avançar sobre Mossul e libertar a cidade
conquistada pelo EI. Curdos iraquianos terão papel importante nessa
iniciativa, enquanto a Turquia intensifica a campanha militar contra a
própria população curda. No Afeganistão, está a importante resistência
taleban que se apossou de uma porção considerável do país, às vezes,
penetrando pela fronteira com o Paquistão, um concorrente na produção e
exportação da matéria prima da papoula para a fabricação de heroína,
fonte fundamental de receitas para afegãos.
Os EUA retiraram grande número de suas tropas estacionadas na
região, que havia sido modestamente incrementadas pouco antes, e ainda
tentam encontrar solução para esta situação quase impossível. Ao mesmo
tempo, os cinco membros do Conselho de Segurança, mais a Alemanha,
negociaram com o Irã um tratado nuclear ao qual muitos senadores
americanos (e Trump) se opõem veementemente.
Finalmente, há o Brasil, prestes a receber grande número de
estrangeiros no Rio para os Jogos Olímpicos de agosto, que enfrenta
simultaneamente a doença provocada pelo zika vírus, a depressão
econômica, a votação do impeachment da presidente afastada Dilma
Rousseff no Senado (e talvez outra sobre a situação do ex-presidente da
Câmara Eduardo Cunha) e um governo em exercício. O problema fiscal está
no centro dos atuais problemas econômicos brasileiros, consequência de
enormes gastos governamentais não declarados e duvidosos no passado
recente. Ao mesmo tempo, Michel Temer e seu ministro da Fazenda,
Henrique Meirelles, tentarão controlar o déficit acumulado e a crescente
dívida pública.
A questão é quantas dessas metas serão alcançadas antes das
eleições de 2018. A projeção do déficit para 2017 é menor do que muitos
assessores políticos queriam, e supõe a capacidade de gerar receitas por
meio de uma política de privatizações e do ingresso de recursos
enviados ao exterior por segurança. Mas há outras questões relacionadas
ao Mercosul. Em primeiro lugar, o chanceler José Serra tenta impedir que
a Venezuela assuma por seis meses a presidência do bloco de cinco
países. Em segundo lugar, ele tem trabalhado intensamente para obter a
adesão dos EUA a uma maior integração comercial, invertendo a política
que há muito tempo visa a minimizar o acordo hemisférico. Ambas as
questões têm profundas consequências.
Poderá a Venezuela de Maduro, já conturbada pela oposição interna
e pela queda do consumo da classe pobre, continuar contando com o
Brasil como aliado? Conseguirá uma nova ênfase no acordo comercial
bilateral ter consequências imediatas dada a evidente relutância dos EUA
a manterem seu compromisso com um comércio mais livre? O que está
ameaçado em todas essas questões, e em outras mais, é o futuro da
globalização econômica e política como objetivo central nos últimos 70
anos, desde a fundação de instituições internacionais como ONU, Banco
Mundial e FMI. O mundo voltará a ser constituído por unidades nacionais
competitivas e divididas ou será que a integração global sobreviverá e
ganhará mais vigor?
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TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
*É ECONOMISTA E CIENTISTA POLÍTICO
Imagem da Internet
Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-futuro-da-globalizacao,10000063315/17/06/2016
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