Fr. Betto*
Há
palavras e expressões que, com o tempo, desabam
do paraíso ao inferno
Escritor
e conferencista, as palavras são a matéria-prima de minha vida. Como observou
Machado de Assis, “as palavras têm sexo. Amam-se uma às outras. Casam-se.” E
acrescento: têm ideologia, não são neutras.
Há
palavras e expressões que, com o tempo, desabam do paraíso ao inferno. São
rejeitadas pelo crivo implacável do politicamente incorreto. Porque estão
impregnadas de preconceitos.
Na
minha infância, chamava-se aleijado quem tivesse uma deficiência física que lhe
dificultasse a mobilidade. Depois, deficiente físico. Em seguida, portador de
deficiência física. Mais tarde, pessoa portadora de necessidades especiais.
Ora,
toda a terminologia do parágrafo acima recai sobre a caracterização do
indivíduo, quando deveria caracterizar a sociedade. Ela é a deficiente, pois
torna esse indivíduo um ser com dificuldades de interação e integração, em
especial quando lhe faltam equipamentos sociais que lhe facilitem atividades e
mobilidade.
Cadeirantes
e caminhantes (outras palavras equivocadas!) são, perante a lei, iguais em
direitos. Há, porém, uma diferença. Por ser portador de uma anomalia física,
cadeirantes possuem também direitos especiais (rampa de acesso, estacionamento,
toalete amplo etc.) que eu não possuo. Ou melhor, possuo enquanto idoso.
Não
seria mais adequado deslocar a terminologia da limitação física para a
sociedade? Ela, sim, é que transforma a diferença em restrição e preconceito.
Sugiro, portanto, que sejam chamadas de pessoas portadoras de direitos
especiais. Como o são também idosos, indígenas, LGBTod@s etc.
Quem
sabe, assim, a sociedade deixe de encará-las como problema, quando o problema
reside na falta de equipamentos sociais e garantias de pleno usufruto de seus
direitos, os universais e os especiais.
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* Frei
Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.
FONTE: http://oglobo.globo.com/sociedade/deficiente-a-sociedade-19727585
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