Farhad Manjoo*
Em “Choque do Futuro”, Alvin Toffler descreveu uma
doença psicológica real, decorrente da mudança rápida demais (Paul
Sakuma/associated Press)
Ensaio
Mais de 40 anos atrás, Alvin Toffler, escritor que havia se tornado
um dos primeiros futurólogos, alertou que a aceleração das mudanças
tecnológicas logo nos deixaria doentes. Ele chamou essa doença de
“choque do futuro”, que descreveu no livro homônimo, publicado em 1970.
Para Toffler, o choque do futuro era uma doença psicológica real, a
“desorientação vertiginosa causada pela chegada prematura do futuro”. E,
“a menos que sejam tomadas medidas inteligentes para combatê-lo”,
advertiu, “milhões de seres humanos se verão cada vez mais
desorientados, progressivamente incapazes de lidar racionalmente com
seus ambientes”.
Toffler morreu em 27 de junho, aos 87 anos. É adequado que sua morte
tenha ocorrido num período de algumas semanas caracterizado por
sucessivos exemplos de loucura — os atentados da facção terrorista
Estado Islâmico, o “Brexit”, o veículo Tesla que, guiado por um
computador, bateu num caminhão tradicional.
Ao reler o livro de Toffler, parece claro que o seu diagnóstico se
confirmou. Tudo o que diz respeito à tecnologia está alterando o mundo.
As redes sociais estão absorvendo o jornalismo, a política e até as
organizações terroristas. A desigualdade, causada em parte pela
globalização propiciada pela tecnologia, gera pânico econômico em grande
parte do mundo ocidental. Os governos nacionais, tentando preservar seu
domínio, travam uma guerra em câmera lenta contra algumas das mais
poderosas corporações que o mundo já viu — todas elas, por acaso,
empresas de tecnologia.
Mas, apesar de essas e outras mudanças maiores estarem apenas
começando — vêm aí a inteligência artificial, a edição genética, os
drones, a melhora da realidade virtual e um sistema de transporte movido
a bateria —, a futurologia saiu de moda. O ritmo tecnológico continua
se intensificando, mas não desenvolvemos muitas formas adequadas de
pensar na mudança em longo prazo.
Sob vários aspectos importantes, é quase como se tivéssemos
coletivamente parado de nos planejar para o futuro. Enquanto estradas,
pontes, as redes de banda larga e outras infraestruturas vitais estão
desmoronando, os governos, especialmente nos Estados Unidos, se tornaram
relapsos em reconstruir coisas.
Ficamos de certa maneira ricocheteando no presente. Não é apenas o choque do futuro; agora temos cegueira do futuro.
“Não conheço mais muita gente cuja atividade diária seja o estudo
acadêmico do futuro”, disse a futuróloga Amy Webb, criadora do Instituto
Europa Hoje.
Em 1972, o governo federal dos EUA chegou a dar sua bênção ao
incipiente campo da futurologia criando uma nova agência de pesquisas, o
Escritório de Avaliação Tecnológica, ligado ao Congresso, que analisava
os efeitos de longo prazo das leis propostas.
Mas, desde os anos 1980, a futurologia caiu em desgraça. Por um lado,
foi tomada por marqueteiros. Pessoas que se diziam futuristas criaram e
venderam previsões sobre produtos e se lançaram ao circuito das
palestras para promovê-las. A futurologia virou propaganda, uma piada,
não uma ciência.
Nos anos Reagan, muitos direitistas começaram a enxergar o governo
americano como a causa da maioria dos males nacionais. A ideia de que o
governo poderia fazer algo tão difícil como prever o futuro chegou a ser
considerada um ridículo desperdício de verbas.
O deputado republicano Newt Gingrich era um velho apaixonado pela
ficção científica — queria inclusive construir uma base na Lua. Mas
quando se tornou presidente da Câmara, em 1995, Gingrich rapidamente
fechou o Escritório de Avaliação Tecnológica.
É claro que o futuro não para de chegar só porque deixou de ser
planejado. A mudança tecnológica vem se acelerando incessantemente desde
a década de 1990, levando a mudanças sísmicas na forma como a maior
parte do mundo vive e trabalha.
No entanto, sem pedir conselhos a uma classe de profissionais
encarregada de pensar sistematicamente no futuro, nos arriscamos a cair
de cabeça no amanhã, sem um plano.
Como disse Toffler em “Choque do Futuro”, “a mudança cai como uma
avalanche sobre as nossas cabeças, e a maioria das pessoas está
grotescamente despreparada para lidar com ela”.
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* Jornalista americano. Escritor.
Fonte: http://nytiw.folha.uol.com.br/?url=/folha/content/view/full/45085?utm_source=folha&utm_medium=widget&utm_campaign=product/#/folha/content/view/full/45085?utm_source=folha&utm_medium=widget&utm_campaign=product 20/07/2016
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