segunda-feira, 11 de julho de 2016

Internet não é só para ver gatinhos fofos

Anderson, do Ted: conferências on­line organizadas por ele tiveram 1 bilhão de visitas em 2015

É difícil pensar a comunicação de ideias contemporânea sem falar do Ted e da revolução implantada pelo americano Chris Anderson, de 59 anos, curador de palestras de até 18 minutos no formato de vídeos digitais oferecidas gratuitamente na rede.

As conferências tornaram-­se sinônimo de troca de conhecimento relevante de forma leve e profunda no mundo digital e, no ano passado, alcançaram 1 bilhão de visitas. Presidente do Ted, Anderson lança agora a edição brasileira de “Ted Talks: O Guia Oficial do Ted para Falar em Público” (Intrínseca). Mix de manual de oratória e defesa de um renascimento do discurso oral como forma central de transmissão de ideias, o livro tem protagonistas como Michelle Obama, Bill Gates, Stephen Hawking, Jamie Oliver e Bono Vox, entre muitos outros.

Desde 2001, o Ted Talks é parte da Sapling Foundation, fundação privada sem fins lucrativos criada por Anderson em 1996. A receita vem de patrocínio privado, propaganda inserida no site do Ted e nos vídeos, além dos ingressos cobrados para assistir ao vivo as conferências, apoio institucional dado à fundação, direito de licenciamento de palestras e da publicação de livros.

Leia trechos da entrevista a seguir:

Valor: No ano passado, o Ted Talks alcançou 1 bilhão de visitas. Este dado joga por terra o argumento de que o mundo digital é apenas um parque de diversões para a futilidade, a banalidade e o tribalismo gerador de ódios sociais?
Chris Anderson: Há milhares de pessoas interessadas em usar seu tempo na rede para aprender, expandir suas mentes e não apenas ver vídeos de gatinhos fofos. Foi a sacação mais sensacional de toda a aventura do Ted Talks. Desse momento tirei uma das mais importantes lições de minha vida: não tenha medo de oferecer seu produto de graça na rede, essa decisão pode justamente ser a maneira de estabelecer sua reputação com milhares de cidadãos mundo afora.

Valor: O universo da comunicação mudou muito desde 2007, quando o Ted lançou o slogan “Ideias que valem à pena serem divulgadas”…
Anderson: Em 2007 , percebemos que vivíamos um renascimento gigantesco do discurso público, impulsionado por um desenvolvimento tecnológico inesperado que pode se revelar tão significante quanto a prensa de tipos móveis inventada por Johannes Gutenberg [1398-­1468]: o vídeo on­line gratuito. Saiba falar, coloque o vídeo na rede e você tem, sim, o potencial de mudar a cabeça dos milhares que o virem/ouvirem e de plantar novas ideias ou combater as que você considera serem ruins. Você tem a possibilidade de modificar a visão de mundo de indivíduos e de mudar o comportamento deles vida afora. O potencial é ilimitado, a escala da audiência gigantesca.

Valor: O Ted tornou-­se fenômeno quando o senhor decidiu colocar os vídeos gratuitos na rede. Chegou a dizer que “as ideias e os valores do Ted me salvaram naquele momento, após a crise da internet na virada dos anos 90″…
Anderson: Em 2006 decidimos, de modo experimental, colocar seis dos Ted Talks on­line e de graça no site. Era o engatinhar do vídeo digital on­line e, mesmo assim, em setembro, já tínhamos uma audiência única de 1 milhão de pessoas. Além de nos tornar conhecidos em um nível jamais imaginado por nós, a reação deu muita esperança em relação ao que de fato o mundo lá fora estava curioso por saber.

Valor: O senhor já escreveu que não há fórmula para se fazer uma palestra Ted. Neste caso, não seria uma contradição escrever agora um livro sobre as regras para se falar bem em público? Anderson: Não há contradição. Um dos maiores equívocos sobre discursos públicos é que há uma fórmula a ser prescrita para que, magicamente, se crie a “fala perfeita”. Isso não existe. O que há, no entanto, é uma série de ferramentas que qualquer pessoa pode usar para incrementar suas habilidades, e é isso o que procuro dividir com os leitores.

Valor: Se tivesse de escolher cinco Ted Talks que jamais sairiam de sua prateleira, quais seriam?
Anderson: Não posso escolher. Mas posso falar de vídeos cult, não tao vistos, mas que amo. O de Richard Turere, extraordinário: um menino Masaii [grupo étnico presente no Sul do Quênia e Norte da Tanzânia] de 12 anos que aprendeu eletrônica por conta própria e usou seus conhecimentos de forma original. O de Eleanor Longden, cuja história incrível tem a capacidade de fazer você repensar a esquizofrenia. Além do de David Deutsch, que explica o pensamento científico de forma inventiva e profunda; o de Steven Pinker, sobre a diminuição da violência no planeta, um Ted que gostaria que fosse mais e mais assistido. É um antídoto contra a depressão em relação ao mundo nosso de cada dia. E o de Don Hoffman, especialista em percepção visual, que oferece uma maneira diferente de se pensar a consciência humana. Entre os brasileiros, temos Juliana Machado Ferreira [bióloga], Bruno Torturra [jornalista], Angélica Dass [fotógrafa] e Tasso Azevedo [engenheiro florestal], entre muitos outros, que merecem a atenção do público.

Valor: Quem se sairia melhor nos 18 minutos de um Ted, Donald Trump ou Hillary Clinton?
Anderson: Você não me pega. Só vou dizer que estou curioso para saber como dois discursos públicos, com estilos tão diversos, vão dar forma às eleições presidenciais deste ano.
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Fonte: Eduardo Graça, Valor Econômico, Nova York, 08/07/2016 
Foto: Film Magic.

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