"Olhemos para os migrantes como a um sinal visível e tangível da fragilidade do nosso bem-estar e das suas perspectivas."
Entrevista
As migrações vão decidir o destino da Europa? A
pergunta, que pareceria exagerada pouco tempo atrás, domina hoje o
debate político, assim como as discussões cotidianas. O referendo sobre a
Brexit foi jogado, em grande parte, sobre esse tema. E assim também a campanha eleitoral à presidência austríaca, que a Corte Constitucional decidiu fazer com que se repita. Dois momentos de escolha que dividiram a Grã-Bretanha e a Áustria e que, de repente, revelaram a precariedade do quadro institucional comunitário.
A reportagem é de Fulvio Scaglione, publicada no jornal Avvenire, 13-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por isso, é de grande atualidade o congresso "A nova Europa: migrações, integração, segurança", que inicia nessa quinta-feira, em Roma, durante o East Forum 2016, com uma série de personalidades das mais diversas origens, mas de autoridade comum. Do ministro do Interior italiano, Alfano, ao presidente do Unicredit, Giuseppe Vita, do procurador nacional antimáfia Franco Roberti a Romano Prodi, de Ismail Yesil (presidente da Agência para as Situações de Emergência do governo turco) a Giuseppe Scognamiglio, diretor da revista EastWest.
Sobre o tema das migrações, quisemos ouvir o professor Zygmunt Bauman.
Sociólogo e filósofo, é o mais agudo estudioso da sociedade pós-moderna
e contou em páginas memoráveis a angústia do homem contemporâneo,
transformado de produtor em consumidor.
A sua metáfora da "sociedade líquida" (em que o indivíduo é cada vez
mais forçado a se adequar aos comportamentos dos grupos para não se
sentir excluído) já se tornou proverbial. Nascido na Polônia, de pais
judeus, Bauman conheceu, quando jovem, a experiência da fuga diante da
perseguição e do exílio. Talvez, também por isso, o seu ponto de vista
sobre o encontro-confronto entre migrantes e Europa é original e
contracorrente.
"Hoje, muitas vezes, confunde-se entre fenômenos muito diferentes", diz Bauman.
"Um deles é a emigração-imigração, de um lugar para outro lugar. Outra
coisa bem diferente é a migração: que move de um lugar, é claro, mas
para onde? Os dois fenômenos têm raízes muito diferentes raízes, mas
efeitos muito semelhantes, porque são semelhantes as condições
psicossociais dos locais de chegada. Umberto Eco, bem antes do atual pânico das migrações, observou, nos seus 'Cinco escritos morais',
que a imigração pode ser controlada, limitada, planejada ou aceita,
enquanto que este não é o caso das migrações. Como todos os fenômenos
naturais, as migrações não podem ser controladas. Eco,
então, se fazia uma pergunta crucial: ainda é possível distinguir a
imigração da migração quando o planeta inteiro está se tornando palco de
um incessante deslocamento cruzado de povos? E respondia: a Europa se
tornará um continente multirracial ou 'colorido', agrade-nos ou não."
Eis a entrevista.
De acordo com muitos estudos, por exemplo, os do Pew Research
Center, de Washington, hoje, os europeus são os mais hostis aos
migrantes. Como se explica isso, em um continente que, no passado
recente, também enviou migrantes para todo o mundo?
Hoje, os europeus têm medo do futuro, perderam a confiança na
capacidade coletiva de mitigar os seus excessos e de torná-lo mais
amigável. A palavra "progresso", que ainda usamos por inércia, evoca
emoções opostos àquelas que Immanuel Kant sentia quando
cunhou o termo. O pensamento do futuro, hoje, desperta em nós, mais
frequentemente, a ideia de uma catástrofe iminente, mas não a de uma
vida mais confortável. E o estrangeiro representa tudo o que há de
instável e de imprevisível na nossa vida. Por isso, olhemos para os
migrantes como a um sinal visível e tangível da fragilidade do nosso
bem-estar e das suas perspectivas.
Como diria o filósofo Michael Walzer,
em primeiro lugar, é sempre contra os estrangeiros que os moradores de
um bairro "se organizarão para defender as suas políticas e culturas
locais" e tentarão transformá-lo em um "pequeno Estado". Mas é muito
difícil, para não dizer impossível, construir um Estado futuro livre de
estrangeiros. Portanto, a imagem-guia desse esforço é quase sempre
recuperada do passado. O passado como era, mas, mais frequentemente,
como pode ser imaginado: todo "nosso", sem nuances, ainda não atacado
pela importuna proximidade dos "outros". É a reação típica da política,
que, quando perde a capacidade de moldar o futuro, tende a se transferir
para o espaço da memória coletiva, que pode ser facilmente manipulada e
dá uma sensação de onipotência feliz. É uma ilusão? Sim, é claro. Mas é
uma ilusão que mantém à baila um número sempre crescente de europeus.
No entanto, para justificar a hostilidade contra os
migrantes, invocam-se questões econômicas. Em suma: não temos dinheiro
para acolhê-los.
As razões psicossociais e culturais são travestidas por razões
econômicas para torná-las mais "racionais" e, portanto, "politicamente
corretas". As pesquisas mais sérias mostram que os imigrantes contribuem
para a riqueza do país de chegada mais do que recebem em termos de
serviços sociais. Outros estudos, além das conclusões do bom senso
comum, mostram que a desconfiança contra os imigrantes e migrantes é
maior onde há um número menor deles.
Na campanha do referendo para a Brexit, os moradores das áreas com menos imigrantes votaram para levar a Grã-Bretanha para fora da Europa. Londres,
cidade de infinitas diásporas culturais e étnicas, votou para ficar. A
suspeita, portanto, é de que a hostilidade contra os "aliens" foi
gerada, principalmente, pelo fato de não ter havido a oportunidade de
desenvolver a capacidade de interagir com as diferenças. Na falta desta,
é fácil que os estrangeiros se tornem o símbolo das forças, reais mas
distantes e desconhecidas, que regulam o andamento do mundo e geram
aquele sentimento de precariedade que angustia tantos europeus.
A Europa e outras partes do mundo estão se enchendo de muros.
Não é extraordinário que, diante de fenômenos tão complexos, nos
confiemos a instrumentos tão primitivos?
Vivemos a crise da separação entre poder e política: os poderes se
livram do controle da política, e a política perde, assim, o mais
importante dos pressupostos para produzir ações efetivas. Mas, acima
dessa crise, há outra, a incongruência assinalada pelo sociólogo Ulrich Beck:
já vivemos em uma condição cosmopolita de interdependência e troca em
nível planetário, mas a nossa consciência cosmopolita ainda está nos
seus primeiros suspiros. O sociólogo estadunidense William Fielding Ogburn,
em 1922, em plena época colonialista e imperialista, cunhou a expressão
"atraso cultural" para descrever o desconforto dos "selvagens" que eram
expostos a uma forte pressão no sentido da modernização, mas ainda eram
inocentes em relação à mentalidade moderna.
É como se hoje fôssemos nós, os europeus, a levar o bastão na corrida
de re
vezamento entre os continentes, o que gera ansiedade. O mercado,
sob a forma de mercadorias e de bens, nos oferece uma ampla gama de
antidepressivos e de "antitudo". Ele quer empurrar cada um de nós a
esculpir um pequeno nicho consolador e bem equipado. Cada um por si, e
os outros que se arranjem. Assim, nos cegamos em relação à natureza do
nosso problema, em vez de nos ajudar a erradicar as suas causas.
E o que fazer para ajudar as pessoas, em vez disso, a abrir os olhos?
Há uma personalidade muito determinada para levantar certas questões, e se trata do Papa Francisco.
Que faz isso, aliás, sem ter a pretensão de ter a varinha mágica, mas,
ao contrário, convidando a fazer esforços justos, mas que também
poderiam fracassar. Há uma passagem do discurso que ele proferiu no dia 6
de maio de 2016, na entrega do Prêmio Carlos Magno,
que deveria ser aprendido de cor: "Se há uma palavra que devemos
repetir até nos cansarmos é esta: diálogo. Somos convidados a promover
uma cultura do diálogo, buscando, com todos os meios, abrir instâncias
para que ele seja possível e nos permita reconstruir o tecido social. A
cultura do diálogo implica um autêntico aprendizado, uma ascese que nos
ajude a reconhecer o outro como um interlocutor válido; que nos permita
olhar para o estrangeiro, o migrante, o pertencente a outra cultura como
um sujeito a ser ouvido, considerado e apreciado. É urgente para nós,
hoje, envolver todos os atores sociais na promoção de uma cultura que
privilegie o diálogo como forma de encontro, levando adiante a busca de
consenso e de acordos, mas sem separá-la da preocupação com uma
sociedade justa, capaz de memória e sem exclusões (Evangelii gaudium,
239). A paz será duradoura na medida em que armarmos os nossos filhos
com as armas do diálogo, ensinarmos a eles a boa batalha do encontro e
da negociação".
O Papa Francisco quer remover o destino da pacífica
convivência dos políticos profissionais e do reino escuro da política,
para levá-lo para as ruas, entre as lojas e os escritórios, aos espaços
públicos onde todos nós nos encontramos. Ele quer confiar as esperanças
do gênero humano não aos generais do "choque de civilizações", mas a
nós, soldados comuns da vida cotidiana. Para que isso aconteça, no
entanto, também devem se realizar outras condições, e o papa nos lembra
delas: "A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano
não é mera filantropia. É um dever moral. Se queremos pensar as nossas
sociedades de um modo diferente, precisamos criar postos de trabalho
digno e bem remunerado, especialmente para os nossos jovens. Isso requer
a busca de novos modelos econômicos mais inclusivos e equitativos, não
orientados para o serviço de poucos, mas para o benefício das pessoas e
da sociedade. E isso nos pede a passagem de uma economia líquida a uma
economia social". Eu só tenho uma palavra para acrescentar: amém.
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FONTE: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/557760-qcontra-a-europa-da-suspeita-e-para-encontrar-uma-saida-escutem-o-papaq-entrevista-com-zygmunt-bauman
Imagem da Internet
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