Público consome cada vez mais entretenimento digital
em
dispositivos móveis e sob demanda.
Qual é o futuro da TV tradicional?
Se
antes a televisão era a estrela da maioria dos lares brasileiros, hoje
ela pode passar várias horas desligada. Se algumas décadas atrás ela era
o centro da sala de estar e reunia toda a família à sua volta, hoje
disputa espaço com celulares, tablets e computadores. Não é raro ver, em
uma residência, cada pessoa entretida com um dispositivo diferente,
cada uma assistindo a um conteúdo distinto.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2014,
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
número de casas com acesso à internet por tablet, celular e televisão
cresceu 137,7%, de 3,6 milhões em 2013 para 8,6 milhões em 2014. Mas a
televisão tradicional não está morta. O aparelho continua sendo a fonte
mais importante de entretenimento nos lares, com uma taxa de penetração
de quase 100%. No entanto, as emissoras precisam se reinventar para
sobreviver.
Elas já demonstraram ser capazes disso quando a TV paga surgiu – no
Brasil, isso aconteceu no início de década de 1990. Na época,
aficionados por filmes e séries comemoraram. Afinal, era um serviço de
transmissão de programas 24 horas por dia, sem intervalos comerciais.
Vinte e poucos anos depois, muita coisa mudou. Hoje em dia, são comuns
reclamações sobre os valores dos pacotes, o excesso de propaganda e a
repetição dos programas.
Segundo um levantamento da empresa de pesquisas MeSeems, feito em
março com 1.000 pessoas de todo o Brasil, 55% dos assinantes de TV paga
consideram o valor do serviço muito caro pelo conteúdo oferecido e 26%
pretendem cancelá-lo nos próximos seis meses. Outros 33% estão na dúvida
entre cortar o serviço ou não. Entre os que pretendem cancelar, 45%
pensam em assinar a Netflix, o serviço de transmissão de filmes e séries
por streaming mais popular do mundo.
Enquanto isso, as operadoras de TV por assinatura procuram abocanhar
mais fatias desse mercado. Recentemente, empresas como Vivo e NET, que
são provedoras tanto de internet fixa quanto de TV, anunciaram que
pretendem passar, em um futuro próximo, a estabelecer um limite na
quantidade de dados dos planos de internet, como as operadoras de
celular fazem com internet móvel. Quem passasse dos limites deveria
comprar mais pacotes de dados ou teria a velocidade do serviço reduzida.
Esse modelo praticamente inviabilizaria que os consumidores passassem
horas e horas vendo filmes pela internet. “Vídeo consome muita banda de
internet. Essa seria uma maneira de as empresas ganharem em cima desse
conteúdo”, afirma Drica Guzzi, doutora em comunicação e semiótica pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e coordenadora na
Escola do Futuro da Universidade de São Paulo (USP).
Em abril, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel), João Resende, declarou concordar com o ponto de vista das
operadoras e disse que a era da internet ilimitada no Brasil havia
acabado. Esse posicionamento gerou uma pronta reação de órgãos de defesa
do consumidor e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), baseados em um
artigo no Código de Defesa do Consumidor segundo o qual não se permite
“condicionar o fornecimento de produto ou de serviço, sem justa causa, a
limites quantitativos”.
No dia 18 de abril, uma medida cautelar da Anatel impediu
temporariamente as operadoras de diminuir a velocidade ou suspender a
prestação do serviço de banda larga após o fim da franquia prevista. A
decisão valeria até essas empresas colocarem à disposição dos
consumidores ferramentas que lhes possibilitem, por exemplo, acompanhar o
uso de dados de seus pacotes – o que poderá acontecer dentro de alguns
meses. Como nada está definido, o assunto ainda vai dar muito pano para
manga.
Menos TV, mais tablet
No mundo todo, pesquisas mostram que o público passa cada vez menos
horas vendo TV. De acordo com um levantamento feito em 2015 pela empresa
de consultoria Accenture em dez países, a televisão caiu 13% na
preferência entre os dispositivos escolhidos para acessar conteúdo
digital. No caso da faixa etária entre 14 e 17 anos, essa queda foi
ainda maior: 33%.
Mas a debandada não acontece apenas entre os mais novos. A costureira
aposentada Marlene Ragazzi, de São Paulo, está antenada com as novas
tecnologias. Aos 78 anos, a voraz consumidora de novelas mexicanas tem
deixado a TV desligada por cada vez mais tempo e assiste aos seus
folhetins pelo tablet, usando a Netflix ou o YouTube. “Antes, se eu
saía, perdia os capítulos. Me privava de ir aos lugares”, diz. “Agora
tenho mais liberdade, assisto só ao que eu gosto”, afirma.
Marlene usa dois tablets, um da filha e outro da neta, com quem vive,
para ver seus programas favoritos. Ela se reveza entre os dois
aparelhos para manter um deles sempre carregado e nunca ficar na mão.
Além das novelas, gosta de ver entrevistas com atores mexicanos. “Às
vezes eu levo o tablet quando saio. Quando a internet cai, fico
apavorada”, diz. Há quatro aparelhos de televisão na casa da aposentada,
mas ela afirma que eles ficam desligados a maior parte do tempo. As
amigas dizem que Marlene está ficando bitolada, mas a noveleira nem
liga. “Essa é a melhor coisa que já inventaram”.
Marlene representa uma tendência no consumo de entretenimento
digital: a personalização cada vez maior dos conteúdos. “Com a
diversidade de programas disponíveis hoje sob demanda, dá para a pessoa
ir direto ao que ela gosta e em conteúdo de qualidade”, afirma Drica
Guzzi.
O lado negativo de ter tantas opções de entretenimento digital é que
os espectadores podem se sentir um pouco perdidos e até angustiados, com
a impressão de que estão sempre perdendo alguma coisa. Mais ou menos
como quando todos os seus amigos estão comentando o último capítulo de
Game of Thrones e você, que não assiste a esse seriado, sente-se um
peixe fora d’água. “É preciso baixar as expectativas”, observa Drica.
“Concentre-se no que você está vendo, no que estimula, informa e
emociona você, e não no que está perdendo”.
Outra ressalva a se fazer a respeito das novas tendências do consumo
de TV atual é refletir se esse fenômeno não vai ampliar ainda mais as
desigualdades de acesso à informação entre públicos de classes sociais
diferentes. “Precisamos pressionar por mais investimentos do governo em
infraestrutura, por políticas públicas que barateiem o acesso à banda
larga e por mais concorrência no mercado”, diz Drica Guzzi.
Do meu jeito
A personalização do conteúdo, um dos aspectos mais fortes entre os
consumidores modernos de entretenimento digital, vem atrelada a um
desejo de controle por parte do usuário. Os consumidores querem decidir o
que, quando e onde ver seus programas favoritos. Essa é uma das razões
para a comerciante autônoma Juliana Rodrigues, 29 anos, acessar a
Netflix em casa quase que com exclusividade.
Moradora de São Paulo e mãe de dois meninos, um de 4 e outro de 6
anos, ela sente que supervisiona melhor o que os filhos veem com o
serviço de streaming do que com a TV. “Vemos o que queremos, quantas
vezes e onde quisermos: no quarto, na sala, em viagens, no celular, no
tablet, etc.”, afirma.
A família ainda mantém um pacote básico de TV paga, mas só liga o
aparelho para assistir a alguma transmissão específica, como uma final
de campeonato de futebol. Juliana pensa em, no curto prazo, cancelar seu
pacote e assinar apenas um serviço de melhoria de sinal, para acessar
canais abertos em HD, e poder manter seu combo de internet e telefonia
fixa. “As operadoras dizem que não é venda casada, mas ficamos amarrados
a elas”, diz.
Mas não dá para o mundo viver apenas da customização dos conteúdos de
entretenimento digital. “A TV genérica tem seu valor, pois estabelece
um diálogo mínimo na sociedade”, diz o cineasta, roteirista e escritor
Newton Cannito, doutor em cinema pela Escola de Comunicação e Artes
(ECA) da USP. Ou seja, a TV, principalmente a aberta, ajuda a aproximar
pessoas que pensam de forma diferente, porque elas estão assistindo
àquele mesmo conteúdo.
De acordo com Cannito, uma saída possível para as emissoras
tradicionais enfrentarem a concorrência com seu conteúdo “de fluxo”, no
jargão dos estudiosos da área, é investir mais em programação ao vivo,
como noticiários, eventos esportivos e programas de auditório. Isso se
contrapõe à programação “de arquivo”, sob demanda, que é mais própria
das TVs por assinatura e de serviços de streaming.
Outro diferencial é aumentar a interatividade com o público. Alguns
programas, como o MasterChef, da TV Bandeirantes, já fazem isso, ao
transmitir na tela mensagens que os telespectadores enviam em tempo real
pela rede social Twitter. No dia seguinte, a emissora disponibiliza o
episódio na íntegra no YouTube. A Globo também tem tomado várias medidas
para oferecer mais conteúdo por meio de aplicativos para tablets e
smartphones.
Tudo ao mesmo tempo
Outro fenômeno recente detectado em pesquisas sobre o hábito de ver
TV é o da “segunda tela”, que significa usar o smartphone, tablet ou
computador enquanto se assiste a algum programa de TV, em geral para
interagir com os amigos. De acordo com uma pesquisa da consultoria
Arris, feita em 2014 com 10.500 consumidores em 19 países, 36% dos
entrevistados usaram um segundo dispositivo para acessar informações ao
vivo sobre o programa; 32% participaram de uma conversa de texto sobre o
programa; e 21% participaram de uma conversa de voz usando um segundo
dispositivo.
Ou seja, para conquistar a atenção dos telespectadores em meio a
tantas opções de entretenimento e distrações, os produtores vão ter de
elaborar atrações cada vez mais interessantes. “As emissoras precisam
entender que são marcas, não apenas canais”, diz Newton Cannito. “Elas
precisam ter a capacidade de fidelizar o público”, afirma. Vai ser uma
briga cada vez mais acirrada.
—–O fim do zapping
Por Renata Valério de Mesquita
O hábito de zapear por 200 canais está em extinção, alerta Mauricio
Stycer, jornalista e crítico de televisão que está lançando o livro
Adeus, Controle Remoto – Uma crônica do fim da TV como a conhecemos
(Arquipélago Editorial). “O consumidor sabe o que quer e percebeu que
não precisa pagar tanto para não assistir a quase nada. Isso deve levar
as operadoras a oferecer pacotes mais práticos, baratos e adaptados ao
gosto do cliente”, diz.
“A Netflix já é uma empresa consolidada, marcou uma revolução radical
na forma de ver TV. Emissoras a la carte, como a HBO, também.” Outro
forte motivo para se rever o formato de pacotes é o avanço da TV digital
no país. “Quem tinha assinatura para assistir aos canais abertos com
qualidade já não precisará mais disso”, diz Stycer.
Segundo ele, no exterior já se pode ver conteúdo feito para TV na
hora e na plataforma que se quiser, via internet, e o Brasil segue a
tendência, embora a banda larga não seja tão disseminada aqui. Ao mesmo
tempo que os canais tradicionais migram seus conteúdos para a rede,
porém, os novos formatos de produção independentes em plataformas como o
YouTube ainda não descobriram como cobrir custos e remunerar, apesar de
terem milhares de seguidores. “Acho curioso que algumas boas
iniciativas desse tipo que nasceram no mundo virtual ainda tenham o
sonho embutido de ir para a TV, como o grupo humorístico Porta dos
Fundos.”
—–Realidade virtual mais próxima
Depois de perder espaço para computadores, tablets e smartphones, a
TV vai ter agora de dividir espaço com mais um concorrente no setor de
entretenimento. O Oculus Rift chegou ao mercado americano no primeiro
semestre deste ano prometendo ao usuário a experiência vívida de uma
realidade virtual em 360 graus. O brinquedo é caro – custa cerca de US$
600 (o preço inclui fones de ouvido, controle do console Xbox One, um
conjunto de sensores e de softwares) –, mas significa diversão garantida
sobretudo para quem gosta de jogos.
Mal chegou ao mercado e o Oculus Rift já sofria com um rival mais
popular: o Samsung Gear VR, que aproveita como tela smartphones
produzidos pela própria empresa sul-coreana (Galaxy Note 5, Galaxy S6,
S6 Edge e S6 Edge+). O preço lá fora é de apenas US$ 99, mais o valor do
celular. Tamanha diferença de preço implica, naturalmente, experiências
de qualidade diversa. O Oculus Rift dá ao usuário um ângulo de 110° ou
até maior; já no Gear VR, ele não passa de 90°.
A resolução das imagens também é melhor no Oculus Rift, mas não
decepciona no Gear VR. O pacote de softwares à disposição dos usuários
do Rift também permite a eles possibilidades mais variadas de diversão.
Mas os dois aparelhos (que, aliás, são desenhados pela mesma empresa) já
oferecem diversão suficiente para tirar mais uma fatia da audiência da
TV tradicional.
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Texto: Juliana Tiraboschi
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