domingo, 25 de setembro de 2016

A poeta Matilde Campilho e a cronista Maria Ribeiro se encontram em Lisboa


Bate-papo. Portuguesa Matilde Campilho e brasileira Maria Ribeiro têm encontro marcado em Lisboa
Foto: Fernando Eichenberg 

 Bate-papo. Portuguesa Matilde Campilho e brasileira Maria Ribeiro têm encontro marcado em Lisboa - Fernando Eichenberg

Portuguesa e brasileira falam sobre redes sociais, exibicionismo e intimidade na literatura

por Fernando Eichenberg*

LISBOA - Uma é carioca, atriz, documentarista e cronista, tem 40 anos, assume ser vaidosa e adora as redes sociais. A outra é portuguesa, poeta, 33 anos, evita a exposição e não tem Instagram. A primeira, Maria Ribeiro, viajou do Rio a Lisboa para o lançamento da edição portuguesa de sua compilação de crônicas “Trinta e oito e meio” (lançada no Brasil pela editora Língua Geral). A segunda, Matilde Campilho, vive em Lisboa após uma temporada de três anos no Rio (de 2010 a 2013), está na quinta edição lusitana de sua primeira obra de poemas, “Jóquei” (ed. Tinta da China; no Brasil, o livro foi lançado pela editora 34), e mediará, em novembro, na cidade do Porto o debate “Você é o que lê”, que terá a participação de Maria Ribeiro. O GLOBO reuniu as duas em Lisboa para uma conversa sobre aquilo que as une: a paixão pela escrita.

Maria, você já disse que lançou seu livro quase “pedindo licença” para entrar no mundo literário. Matilde, você demorou até poder dizer “eu sou poeta”. Hoje, vocês são escritoras assumidas. Como foi isso?
Matilde: Fui aprendendo devagar que a literatura não é um país, não se precisa de um documento para entrar. Tem a ver com o que a gente aprende desde criança. A poesia que aprendemos na escola, tanto no Brasil como em Portugal, era pesada, séria. E quanto mais eu lia, mais sentia que o que tinha para dizer não era uma novidade. E se não tinha novidade para dizer, por que haveria de escrever? Devagarinho, distraidamente, quando relaxei, fui escrevendo, e o livro aconteceu quase por acaso. Não precisava ter tido aquele medo todo e nem uma coisa nova e genial. E, apesar da minha posição contra tanta exposição nas redes sociais, as pessoas estão lendo muito hoje. Vejo apenas uma coisa grave: estamos perdendo a caligrafia.

Maria: Hoje, eu me acho cronista. Desde pequena quis ser escritora. Queria escrever minha redação e ir lê-la na frente da sala de aula. Queria ter feeedback instantâneo. Comecei a fazer teatro acidentalmente, como quem faz balé ou inglês, e foi dando certo. Como atriz dizia que queria ser como a Charlotte Gainsbourg. Quando comecei a dirigir, queria ser a Sofia Coppola. E quando quis publicar meus escritos, me perguntei: “Caraca, quem quero ser?”. Não tinha um modelo.

Matilde, você começou a ler poesia, “que não era algo muito normal”, por volta dos 20 anos de idade. Para vocês, ler poesia hoje se tornou mais normal ou ainda menos?
Matilde: Acho que as pessoas, hoje em dia, querem coisas mais curtas. Estão acostumadas com haikus, haikais, Twitter, Facebook, Instagram. Acho que é o medo das palavras “poeta” e “poesia” que não deixa as pessoas chegarem ao outro lado. E, quando chegam, percebem que não há lado de lá nem de cá, é tudo o mesmo. Uns de uma maneira mais lírica, outros de forma concreta, mas a poesia é muito feita de dia a dia. Há uma geração que pode fazer como o Frank O’Hara, que começa um poema com uma Coca-cola, até uma poesia superelaborada. O ser humano é feito de praticidade e de eterno. Temos esta eterna confusão de sermos seres concretos e sonhadores, para além do que se vê... quase para citar Los Hermanos.

Maria: Acho que esse medo da palavra poeta e da poesia é um pouco culpa do que aprendemos na escola. Acho que não rolou um update. Continuamos lendo os mesmos poetas. Acho chatos os poetas românticos, quero algo que fale de 2016 de alguma forma. Ao mesmo tempo, temos sempre de olhar para a palavra como se a estivéssemos vendo pela primeira vez. Quando se lê Manoel de Barros, por exemplo, a gente sente esse encantamento pela palavra. A Matilde é a ABL do Baixo Gávea, e acho que a poesia precisa do Baixo Gávea, do bar, da rua. Você fez um bem enorme à poesia.

Como é Matilde por Maria e Maria por Matilde?
Maria: Acho que a Matilde tem a pureza do Manuel Bandeira, de uma poesia que me representa. Ela coloca as coisas graves com uma delicadeza, como se não fosse nada, e isso me toca profundamente. Ela não parece uma poeta, você olha e acha que ela vive na praia. Acho que ela é brasileira e eu sou portuguesa. Tenho horror a praia.

Matilde: Eu li isso nas suas crônicas, você reza para chegar o inverno. Quase fiquei anotando as coisas que nos diferem. As suas crônicas são muito pessoais, né? A gente fica sabendo muitas coisas sobre você. E o ritmo na escrita demonstra que provavelmente é o seu ritmo na vida. Você não tem medo de falhar, e acho isso maravilhoso. Isso é uma humildade aliada a uma ternura. Fiquei feliz em te ler. É desempoeirado.

Vocês percebem um aumento recíproco de interesse literário entre Brasil e Portugal?
Maria: Estou lendo “Jerusalém”, do Gonçalo M. Tavares. Valter Hugo Mãe está arrebentando no Brasil.

Matilde: Por aqui também acontece isso. A internet, as feiras literárias ajudam. Muita gente no Brasil já sabe quem é o Ricardo Araújo Pereira, nós aqui sabemos quem é o Gregorio Duvivier. E pelas novas gerações as pessoas buscam outros autores.

Como vocês se posicionam no mundo de hoje?
Matilde: Por um lado, é tenebroso viver nesta época, mas há o lado bom de que a maioria das pessoas tem uma voz.

Maria: Sou otimista. Ao mesmo tempo em que fico muito preocupada com a onda conservadora na Europa e triste com o que está acontecendo no Brasil, pois o impeachment foi uma porrada na nossa democracia, as pessoas estão indo para a rua, e isso é muito novo.

Vocês são muito diferentes…
Matilde: Quando lanço o que escrevi para o mundo, quase sempre é 90% ficção. É uma mistura da minha intimidade com as minhas leituras, os meus passeios na rua, que gera um ser sem nome.

Maria: Sou o oposto, uma egotrip absoluta. Mas a segurança que você fala que tenho não é verdade. Tenho 40 anos, fui ficando mais segura. No início, morria de medo, e acho muito legal quem escreve menos sobre si. Não consigo. Quando juntei as crônicas e as li de uma vez, pensei: “Isso é pior do que sair na “Caras” dentro da banheira”.

Vocês duas se expõem de forma diferente...
Matilde: Estamos vivendo num mundo tão rápido, de internet, de vídeo, em que as pessoas precisam ver tudo. Por isso é bom ler em público. O fato de eu estar ali ajuda, porque a presença do ser humano que mexe as mãos, que produz som, é algo que chama, como faz o cinema, a música.

Maria: Tenho muito mais fascinação pela obra quando não sei do autor. O que mais tenho medo é de perder o mistério. Eu me exponho tanto, e conforme as pessoas vão tendo uma ideia a respeito do que eu sou, quero mudar. A Matilde não tem Instagram. Tenho inveja das pessoas que não têm Instagram. Eu gosto daquela merda, preciso me comunicar.

Matilde: Mas é que eu gosto muito da vida aqui fora. Fora dessa representação.

Maria: Não, Matilde. Estou me esforçando muito para ser inteligente aqui para você. Não existe verdade. É como um documentário, um recorte da vida pelo cara que está com câmera.

Matilde: O bom da vida é que não tem edição.
 
Maria: Sou contra, acho que a vida tinha que ter replay, para poder modificar. A análise para mim é replay.

Matilde: Mas o maravilhoso da análise é que ela não ensina a apagar nada. Ensina a dar um passo atrás. É como olhar um quadro com o nariz encostado nele. Está vendo? Não. Então chegue um pouco para trás.
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* Especial para O GLOBO
Fonte:  http://oglobo.globo.com/cultura/livros/a-poeta-matilde-campilho-a-cronista-maria-ribeiro-se-encontram-em-lisboa-20174793 25/09/2016

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