Luiz Felipe Pondé*
Nosso mundo contemporâneo é cheio de fetiches sobre seu próprio avanço
em relação ao passado. Hoje vou dar dois exemplos de fetiches típicos. O
primeiro a ver com a ideia de crítica e de pessoas críticas. O segundo a
ver com a ideia de revolução, mais precisamente a revolução sexual.
O primeiro fetiche proponho chamarmos de fetiche da crítica. Este é um
dos mais comuns e mais bobos do mundo contemporâneo. Nunca vi gente mais
longe de qualquer pensamento que valha a pena do que gente "crítica".
Não conheço gente mais chata do que gente "crítica".
O fetiche da crítica aparece muito associado à educação, à arte e à
cultura. Você pode ouvir gente falando dele em todo lugar em que muita
gente se reúna para pensar a educação, a arte e a cultura.
Como fazer um aluno crítico? Como criar uma arte crítica? Como produzir
uma cultura crítica? Minha primeira aposta é que, se você perguntar
diretamente para um desses defensores de uma educação crítica, de uma
arte crítica e de uma cultura crítica o que é ser crítico, ele vai
responder mostrando uma selfie dele numa manifestação na Paulista.
Eu vou dizer para você uma coisa: não conheço aluno mais fechado ao
diálogo do que alunos que se consideram críticos. Ser "crítico" nesse
caso, basicamente, significa falar mal do capitalismo, do patriarcalismo
e dos EUA. Uma banalidade que se ensina em qualquer aula barata de
filosofia e sociologia.
Mas uma coisa me chama a atenção nos tais jovens críticos: sua
intolerância. Torquemada ficaria com complexo de inferioridade. Não
conte com nenhuma autocrítica em gente crítica. Normalmente lê pouco, é
afogado em certeza banais do tipo "o mundo seria melhor se fosse como eu
descrevi em minha tese", e tem pouco afeto pelo estudo profundo de
qualquer coisa.
Aí vai uma característica chocante em gente crítica: não gosta de
estudar de fato. Quando fala, fala a partir de uma posição
inquestionável. Acho que o motivo dessa atitude é justamente aquele tipo
de ignorância marcante em quem conhece pouco de qualquer coisa. Por
isso, acho mais importante procurarmos levar um aluno a entender o que
um texto quer dizer simplesmente e não levá-lo a ser "crítico". Antes de
tudo, podemos perguntar: crítico do que, se, normalmente, mesmo os
professores não são críticos de nada a não ser daquilo de que não
gostam?
Portanto temo pela educação, pela arte e pela cultura quando se busca
formar críticos. O fetiche os leva ao gozo porque, usando essa palavra
"crítica", você pode dizer qualquer banalidade que ela soa ungida pelo
véu da inteligência.
De minha parte, acho que devemos evitar a palavra "crítica" da mesma
forma que devemos evitar palavras como "cabala" ou "energia". Em si, as
duas são coisas sérias, mas, no mundo do fetiche da informação como o
nosso, as duas não significam muito mais do que palavras vazias de
sentido.
Outro fetiche é o da revolução. Toda pessoa crítica faz uma revolução
por fim de semana. Mas, entre todas, a mais ridícula é a revolução
sexual, aquela que matou o desejo e o afeto entre homens e mulheres.
Quando, no futuro, estudarem nossa época, perceberão que, entre as
baixas causadas pela gente crítica, estarão o afeto e o desejo. Nunca
ambos foram tão falados e tão combatidos a pauladas. Afogados na
banalidade das quantidades.
Vejo mesmo uma manifestação de gente crítica e revolucionária na
Paulista no futuro. Essa manifestação que tenho na cabeça acontecerá em
poucos anos. Se focarmos melhor nossas câmeras, veremos alguns cartazes,
claro, todos revolucionários. Perguntará o leitor ingênuo: "A favor do
que ou contra o quê?" Gente crítica e revolucionária sempre é a favor de
algo ou contra algo.
Alguns desses cartazes dirão frases assim: "Pelo incesto como forma de
crítica sexual!", "Por que não posso amar a minha mãe sexualmente?",
"Freud morreu: viva o incesto como forma plena do desejo antiedípico!".
Teses pelo mundo afora discutirão a nova forma de amor livre: o direito
ao incesto.
E, no meio dos cartazes, um outro: "Pelo direito de casar com o meu dobermann!".
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* Filósofo. Escritor. Ensaísta.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/09/1810273-uma-coisa-me-chama-a-atencao-nos-tais-jovens-criticos-sua-intolerancia.shtml
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