Assistente de Michel Foucault lança obra sobre papel dos longos
passeios a pé, na desconstrução das rotinas que nos submetem e alienam.
Para ele, ato recupera hábito cultivado por Kant, Nietzche e Rousseau
Por Leticia Blanco, no São Paulo São
Especialista em psiquiatria, filosofia penal e editor dos últimos
cursos de Michel Foucault no Collège de France, Frederic Gros escreveu
um tratado sobre o caminhar que conecta as idéias de pensadores como
Kant, Thoreau, Nietzsche e Rousseau com suas caminhadas. Uma
reivindicação ao prazer de passear.
Kant, Rousseau, Nietzsche e Rimbaud gostavam de caminhar. E eles o faziam de formas diferentes. As caminhadas do jovem Rimbaud, dispersas e desorganizadas, estavam cheias de raiva, enquanto Nietzsche procurava nelas o tom e a energia da marcha. Kant era metódico e sistemático: o fazia todo dia, à mesma hora, na mesma rota. Todos acabaram mudando seus escritórios de trabalho para o campo, onde as idéias fluíam mais livremente e em plena natureza. Analisando de perto, estas caminhadas guardam alguns paralelos com seus pensamentos, diz o filósofo francês (e grande caminhador ) Frederic Gros no livro ‘Andar. Uma filosofia’.
Quando você começou a caminhar?
Foi relativamente tarde, aos 20 anos. Foram alguns amigos que me convenceram. Quando eu era criança, gostava de ir sozinho para as montanhas, mas a verdade é que o passeio consistente como uma excursão, veio mais tarde. Minha primeira experiência importante foi no verão quando eu dei uma volta pela Córsega. Eu andei a estrada GR-20. Foi difícil, mas a aliança entre as altas montanhas e o mar fez com que fosse maravilhoso.
Kant, Rousseau, Nietzsche e Rimbaud gostavam de caminhar. E eles o faziam de formas diferentes. As caminhadas do jovem Rimbaud, dispersas e desorganizadas, estavam cheias de raiva, enquanto Nietzsche procurava nelas o tom e a energia da marcha. Kant era metódico e sistemático: o fazia todo dia, à mesma hora, na mesma rota. Todos acabaram mudando seus escritórios de trabalho para o campo, onde as idéias fluíam mais livremente e em plena natureza. Analisando de perto, estas caminhadas guardam alguns paralelos com seus pensamentos, diz o filósofo francês (e grande caminhador ) Frederic Gros no livro ‘Andar. Uma filosofia’.
Quando você começou a caminhar?
Foi relativamente tarde, aos 20 anos. Foram alguns amigos que me convenceram. Quando eu era criança, gostava de ir sozinho para as montanhas, mas a verdade é que o passeio consistente como uma excursão, veio mais tarde. Minha primeira experiência importante foi no verão quando eu dei uma volta pela Córsega. Eu andei a estrada GR-20. Foi difícil, mas a aliança entre as altas montanhas e o mar fez com que fosse maravilhoso.
Quantos quilômetros fez?
Éramos em sete pessoas e durou 15 dias, mas não sei quantos
quilômetros fizemos. A verdade é que, quando se caminha não se conta,
porque a dificuldade das trilhas faz você percorrer às vezes, poucos
quilômetros em um dia. Quando se caminha mais fácil, através de estradas
planas, como os andarilhos, a média é de 40 quilômetros por dia.
E o que acha dos aplicativos que calculam a distância e até mesmo as calorias consumidas?
Não uso. O importante é ter uma visão geral e que você só consegue
com um mapa dobrável. Em relação as calorias, quando se caminha sete ou
mais horas, a maior preocupação é chegar ao próximo abrigo.
Em seu ensaio você associa a caminhada com grandes filósofos, por quê?
Esses pensadores transformaram as montanhas e florestas em locais
de trabalho. Para eles, o andar não era um esporte ou um passeio
turístico. Realmente, eles saíam com seus cadernos e lápis para
encontrar novas ideias. Solidão era uma das condições para a criação.
E a relação entre a caminhadas e as suas ideias?
Existem maneiras de caminhar que na verdade são estilos
filosóficos. Por exemplo: Kant era sério e disciplinado, e é um filósofo
que exige provas muito rigorosas com definições estritas. Ele tinha um
jeito de andar que consistia em fazer todos os dias a mesma caminhada,
na mesma hora. A escrita de Nietzsche, muito mais dispersa, com menos
coesão, tem a ver com o fato de que ele procurava com o caminhar,
sentimentos de energia e luz. Sua escrita é muito forte e rápida, não
tão demonstrativa como a de Kant.
O que você quer dizer quando escreve sobre a perda da identidade que acontece quando se anda?
Bem, os efeitos da intensidade do passeio podem variar. Se você
andar por quatro ou seis horas você está acompanhado de si mesmo, você
pode dar atenção às suas memórias ou ter novas idéias. Mas depois de
oito ou nove horas, o cansaço é tal que já não se sente o corpo. Toda a
concentração é dirigida para o impulso de avançar. É quando ocorre a
perda de identidade, devido à fadiga extrema. Caminhamos para nos
reinventar, para nos dar outras identidades, outras possibilidades.
Acima de tudo, ao nosso papel social. Na vida diária tudo está associado
a função, uma profissão, um discurso, uma postura. Andar a pé é se
livrar disso tudo. No final, a caminhada é não mais do que uma relação
entre um corpo, uma paisagem e uma trilha.
Mas cada vez se anda menos, especialmente nas cidades, onde cada vez mais pessoas vivem.
No Terceiro Mundo, ao contrário, se anda muito. Mas é verdade que nas cidades isto está desaparecendo. Elas não são feitas para os pedestres.
No Terceiro Mundo, ao contrário, se anda muito. Mas é verdade que nas cidades isto está desaparecendo. Elas não são feitas para os pedestres.
Os jovens também não andam a pé.
As novas gerações consideram, e eles podem estar certos, que você
tem que ser louco para ir aos lugares a pé, especialmente quando têm à
disposição todos os tipos de invenções técnicas que fazem com que não
tenham que andar. Para eles, a caminhada é um pouco monótona, em parte
porque eles se acostumaram a mudar as telas de imagens que usam muito
rapidamente e, quando andamos, as paisagens evoluem muito lentamente.
Além disso, quando caminhamos, é sempre a mesma coisa.
E isso é visto como chato.
Para algumas pessoas, a caminhada é o exato oposto do significado
de prazer porque nós tendemos a comparar prazer com excitação. E para
que haja excitação é preciso uma novidade. Diante disso, descobrir o
prazer de caminhar pode ser algo completamente exótico. Descobre-se uma
dimensão que hoje está praticamente banida de nossa vida: a lentidão, a
presença física. Durante a caminhada, todos os sentidos estão presentes:
ouvimos os ruídos da floresta, se percebem as luzes.
E quem mais caminha são os aposentados?
Os sábios de antigamente tinham um ditado que pode nos surpreender
hoje, “tenha pressa para chegar à velhice.” Eles consideravam que a
velhice seria o tempo de vida em que poderíamos nos livrar de tudo e nos
envolver com o cuidar de nós mesmos, “le souci de soi” (a atenção para
si, apud Michel Foucault ), cura sui em latim. A caminhada
também não tem nada de violenta ou brutal. Há uma regularidade nela que
tranquiliza, acalma. E isso está longe de qualquer busca de resultado.
Assim, a primeira frase do livro é “andar não é um esporte.” Não faça
marcas, não tente superar a si mesmo. Andar a pé é uma experiência
autêntica, embora talvez não seja moderna.
Andar libertou você da vida acadêmica? Eu li que você está preparando um livro sobre a desobediência.
Thoreau escreveu o primeiro livro em pé e, curiosamente, também
escreveu o primeiro livro sobre a desobediência civil. É verdade que a
caminhada nos ensina a desobedecer. Porque andar nos obriga a ter uma
distância que é também uma distância crítica. No mundo acadêmico, todo
mundo é obrigado a provar o que diz. Neste livro eu queria explorar
sonhos. A provocação que faço aos pensadores, é que você não é o que
você pensa, mas como você anda. Eu não queria voltar para as doutrinas,
mas sim explorar os estilos.
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Fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=346843
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