Michel Maffesoli durante sua palestra no Educação 360 - Luiz Ackermann / Agncia O Globo
No
Educação 360, Michel Maffesoli afirma que pós-modernidade é a era do afeto
por Bruno Alfano*
RIO — O sociológo francês Michel
Maffesoli abriu o segundo dia do Educação 360, neste sábado, descrevendo uma
era dos afetos. Na avaliação dele, a era moderna chegou ao fim em meados do
século XX junto de seus paradigmas. O individualismo dá lugar à “pessoa
plural”, à crença no presente sai de cena para a valorização do presente, e o
racionalismo cai diante do sentimento. Esse é, para ele, o “espírito coletivo”
da pós-modernidade. O encontro internacional que recebeu o professor da
Universidade de Sorbonne é realizado pelos jornais O Globo e "Extra",
em parceria com o Sesc. O evento, que acontece na Escola Sesc de Ensino Médio,
em Jacarepaguá, tem apoio da Coca-Cola Brasil, da TV Globo e do Canal Futura.
— O que está em jogo na
contemporaneidade é a diversidade, em todos os setores: cultural, sexual,
religiosa. O século XIX buscava reduzir tudo a um, diminuir as diferenças. Não
podemos mais. A imagem atual é como um mosaico. Existe uma coerência no todo,
porém cada peça mantém sua própria configuração. Um policulturalismo. Pode
haver uma harmonia a partir das diferenças, uma harmonia conflituosa — afirmou
o pensador.
O centro da fala de Maffesoli são as
formas de socialização. Segundo o autor, a educação é o processo de tirar a
criança da barbárie e inseri-la na civilização, e isso funcionou bem para a
modernidade. Mas não mais. Na avaliação do sociólogo, a história do mundo não é
linear ou progressista — Maffesoli critica a ideia de que a humanidade saiu de
um ponto de barbárie para um ponto de progresso. Segundo ele, a história do
mundo é pendular.
— Para lembrar a etimologia da palavra,
"época" significa, em grego, parênteses, que se abre e fecha. Estamos
fechando o parênteses da época moderna e abrindo a pós-modernidade — explica: —
Quando há mudanças de época, existe um processo de saturação. A saturação é um
conceito proposto por um sociólogo americano que usa o exemplo da saturação
química. Ele mostra que, em certo ponto, as moléculas que formam um corpo não
podem mais ficar juntas. Existe, então, uma destruição desse corpo e, ao mesmo
tempo, essas mesmas moléculas vão entrar em outro corpo, uma recomposição. O
fim de um mundo não é o fim do mundo.
CRISE NA SOCIEDADE
nesse ponto de reconstrução, na
avaliação dele, que estamos vivendo. Há, inclusive, o desafio de nomeá-la com
exatidão. Segundo o sociólogo, chamamos isso de crise. Não só econômica, mas
social. A explicação de Maffesoli é a de que cada época tem um imaginário
específico. Um clima, por assim dizer. E também uma “atmosfera mental”
diferente.
Na modernidade, explica o professor da
Sorbonne, o homem era centrado no indivíduo – aliás, para Maffesoli, é o
conceito de individualidade, que nasce no século XIX, a fundação dessa era.
Nesse momento, a Reforma Protestante traduz a Bílbia para as línguas profanas e
prega a valorização do trabalho — antes, associado à desonra. A crença num
futuro melhor — a ideia de que o mundo é um terreno de transição – e a
dialética em alta ainda criaram outras duas marcas dessa época: a postergação
do gozo (ou seja, a valorização do que vem depois) e o racionalismo (a crença
absoluta na razão).
— Esses três aspectos constituem a
paranoia modena, que também chamo de paranoia educativa. Paranoia significa um
pensamento que vem do alto, que vai se impor. Isso me parece saturado, mas
ainda existe. Não acredito que podemos desperdiçar energia juvenil com esses
valores. Os astrofísicos nos explicaram que ainda vemos a luz de uma estrela
muito depois dela morrer. Vivemos essa situação. A grande paranoia moderna, que
contribuiu para coisas lindas, está saturada e não nos demos contas.
A hipótese de Maffesoli é de que, com a
pós-modernidade, a forma como socializamos nossas crianças não seja mais
baseada na educação, mas sim no conceito antropológico de iniciação – “com
outra palavra, talvez”, ressalta —, como numa volta ao passado das tribos.
— O desafio é como vamos mobilizar a
energia dos jovens sem castrá-la demais. A gente vai acentuar os imaginários
coletivos, sonhos, ideais, fantasias. Existem nessas jovens gerações uma coisa
que vai acentuar as emoções vividas em comum, dos afetos e sentimentos —
analisa: — As tribos são formadas por compartilhamentos de gostos, não de
ideias. Um gosto sexual, musical, esportivo. Não estamos mais enclausurados no
eu mestre de mim mesmo, mas em primeiro lugar privilegiamos a tribo onde eu
vivo.
Outra mudança, segundo o pensador, é a
do tempo. O presente passa a ser mais valorizado. O aqui é agora, como ele diz.
O trabalho perde valor para o sentido de criação. Na visão de Maffesoli, o
sonho agora é transformar a própria vida em obra de arte. Há, segundo ele,
ainda uma relação entre essa valorização do presente com o culto ao corpo.
— Não sentimos mais, como (Sigmund)
Freud afirmou sobre a modernidade, o postergamento do gozo, mas agora é o
repatriamento do gozo. O correlato é a importância do corpo, que se veste, e a
musculação. Presenteismo é como eu chamo a importância do corpo.
FIM DO RACIONALISMO
Por fim, a passagem da modernidade
marca o fim do racionalismo. Na avaliação de Maffesoli, os seres pós-modernos
acentuam o sentimento, as vibrações espirituais e artísticas. A palavra é
sintonia, ou seja, estar no tom com os outros humanos. É, para o autor, uma
ética da estética.
— Está se construindo um cimento ético
a partir das emoções e do compartilhamento dos afetos. Essa ética da estética é
que vamos encontrar nas diversas esportes, arte. As apostas são colocadas não
mais na independência, mas na interdependência. E, para mim, isso é que vai
constituir a ordem pós-moderna.
Na visão do especialista, ou a escola
passa por essas transformações ou será extinta. Para ele, são as mudanças de
paradigma da época que explicam a necessidade do fim da verticalização da
educação. É por isso, explica Maffesoli, que os alunos pós-modernos (que estão
nas salas de aula hoje) precisam ser ouvidos.
— A minha proposta é dizer que o oposto
da paranoia vertical é o nascimento de um saber juvenil que temos que compor e
acompanhar, saber que isso vai reinvestir, reutilizar e reintegrar todo uma
série de parâmetros, como o lúdico, que está sendo colocado de lado. Entre
corpo e mente não há mais separação.
*Do "Extra" autorização.
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Fonte:
http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/educacao-360/nao-pode-desperdicar-energia-juvenil-com-valores-saturados-diz-sociologo-20173871
24/09/2016
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