Bruno Maia*
O problema principal em promover a monogamia e a fidelidade como forma
de prevenção é o facto de que
são precisos dois para se ser monógamo.
A Holanda tem desde há muitos anos um programa de educação sexual
implementado que cobre todo o território e chega a praticamente toda a
população. Este programa começa no pré-escolar e vai até à idade adulta e
inclui um componente importante de educação para a diversidade. A
Holanda é o país da Europa com a menor taxa de infeções de transmissão
sexual (IST) entre os jovens, uma das menores taxas de gravidez na
adolescência e de interrupção voluntária da gravidez.
Nos EUA, nos anos de Ronald Reagan, a política de prevenção das IST e
do VIH passou a ser dirigida, primariamente, a programas de promoção da
abstinência entre os jovens. A própria administração Clinton destinou
50 milhões de dólares do orçamento federal para programas que
promovessem a abstinência sexual até ao casamento. Entre muitos dos
critérios de elegibilidade para financiamento destes programas,
contavam-se alguns como a prioridade da promoção da abstinência sobre
todos os outros métodos de prevenção e a promoção da monogamia e da
fidelidade como a única forma de relacionamento aceitável socialmente.
Com a administração W. Bush a promoção da abstinência até ao casamento
passou a ser a única política de prevenção aceitável para o Governo
Americano. Só em 2009 a administração Obama reverteu esta situação,
alocando fundos para programas de educação sexual dirigidos a jovens.
Durante os anos da “abstinência até ao casamento” foram realizados
muitos estudos para avaliar a eficácia destes programas. Em 2007 uma
meta-análise de 56 destes programas demonstrou que estes foram
ineficazes, não se tendo verificado um aumento na idade de iniciação
sexual, uma diminuição do número de parceiros sexuais nem um incremento
do uso do preservativo ou de outros contracetivos. Pelo contrário,
durante a vigência destes programas aumentou a incidência de IST e de
gravidezes indesejáveis. Quando os programas de promoção da abstinência
foram comparados com programas estruturados de educação sexual
existentes em alguns estados Americanos (com financiamento próprio),
ficou demonstrado que os jovens incluídos em programas de educação
sexual tinham taxas maiores de abstinência sexual e menor número de
parceiros que os restantes incluídos em programas de abstinência.
Em Março de 2009, durante uma visita a África, o Papa Bento XVI disse
publicamente: “o problema da SIDA em África não pode ser resolvido com
distribuição de preservativos, estes podem inclusive agravar o
problema...”. Já em 2003, o presidente do conselho pontifício do
Vaticano para a família, Alfonso Trujillo, tinha afirmado que “o vírus
da SIDA é 450 vezes mais pequeno do que o espermatozóide - o
espermatozóide atravessa os buracos que existem no preservativo (...) os
governos devem abordar o preservativo da mesma forma que fazem com os
cigarros - eles são um perigo”. Muitos líderes religiosos e políticos em
África também se juntaram a este discurso e adotaram posições extremas
em relação ao VIH. O Uganda, um dos países Africanos com maior
prevalência de VIH, em 2005 decidiu cortar financiamento vital a
programas de prevenção, nomeadamente deixando de importar preservativos
para passar a promover, exclusivamente, a monogamia e a fidelidade como
estratégias de combate ao VIH. No ano seguinte os números de prevalência
de VIH voltaram a subir, após um período prévio de queda. Existem quase
2 milhões de pessoas com VIH naquele país.
O problema principal em promover a monogamia e a fidelidade como
forma de prevenção é o facto de que são precisos dois para se ser
monógamo. Existe uma percentagem muito elevada de mulheres, em países
Africanos, que foram infetadas pelo parceiro estável e único. Mesmo nos
países ocidentais, uma parte muito significativa das transmissões em
heterossexuais observaram-se dentro do casamento. Mesmo nos HSH, um
estudo conduzido nos EUA concluiu que cerca de 68% de todas as infecções
foram adquiridas no contexto de uma relação estável (AIDS. 2009 Jun
1;23(9):1153-62.). A agravar este facto, a grande maioria das pessoas
utilizam o preservativo em muito menor quantidade com os seus parceiros
estáveis em comparação com parceiros ocasionais. As campanhas de
promoção da abstinência até ao casamento vêm sempre associadas a um
forte discurso moralizador, de condenação da liberdade de escolha nas
nossas relações e de afastamento dos mais jovens de outros métodos de
prevenção. Nos anos Reagan - Clinton – Bush, elas foram sempre
financiadas à custa de cortes nos programas de educação sexual e
distribuição de preservativos. Os resultados estão publicados e não
justificam a eficácia desta estratégia. Além disso, promover a
abstinência até ao casamento em locais e países onde o casamento não é
legalmente reconhecido para todos, nomeadamente os HSH, é
voluntariamente afastar as populações mais vulneráveis de formas de
prevenção.
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* Médico.
Fonte: http://www.esquerda.net/opiniao/abstinencia-e-monogamia/46125
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