quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A abstinência e a monogamia

Bruno Maia*
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 O problema principal em promover a monogamia e a fidelidade como forma de prevenção é o facto de que 
são precisos dois para se ser monógamo.

A Holanda tem desde há muitos anos um programa de educação sexual implementado que cobre todo o território e chega a praticamente toda a população. Este programa começa no pré-escolar e vai até à idade adulta e inclui um componente importante de educação para a diversidade. A Holanda é o país da Europa com a menor taxa de infeções de transmissão sexual (IST) entre os jovens, uma das menores taxas de gravidez na adolescência e de interrupção voluntária da gravidez.

Nos EUA, nos anos de Ronald Reagan, a política de prevenção das IST e do VIH passou a ser dirigida, primariamente, a programas de promoção da abstinência entre os jovens. A própria administração Clinton destinou 50 milhões de dólares do orçamento federal para programas que promovessem a abstinência sexual até ao casamento. Entre muitos dos critérios de elegibilidade para financiamento destes programas, contavam-se alguns como a prioridade da promoção da abstinência sobre todos os outros métodos de prevenção e a promoção da monogamia e da fidelidade como a única forma de relacionamento aceitável socialmente. Com a administração W. Bush a promoção da abstinência até ao casamento passou a ser a única política de prevenção aceitável para o Governo Americano. Só em 2009 a administração Obama reverteu esta situação, alocando fundos para programas de educação sexual dirigidos a jovens. Durante os anos da “abstinência até ao casamento” foram realizados muitos estudos para avaliar a eficácia destes programas. Em 2007 uma meta-análise de 56 destes programas demonstrou que estes foram ineficazes, não se tendo verificado um aumento na idade de iniciação sexual, uma diminuição do número de parceiros sexuais nem um incremento do uso do preservativo ou de outros contracetivos. Pelo contrário, durante a vigência destes programas aumentou a incidência de IST e de gravidezes indesejáveis. Quando os programas de promoção da abstinência foram comparados com programas estruturados de educação sexual existentes em alguns estados Americanos (com financiamento próprio), ficou demonstrado que os jovens incluídos em programas de educação sexual tinham taxas maiores de abstinência sexual e menor número de parceiros que os restantes incluídos em programas de abstinência.

Em Março de 2009, durante uma visita a África, o Papa Bento XVI disse publicamente: “o problema da SIDA em África não pode ser resolvido com distribuição de preservativos, estes podem inclusive agravar o problema...”. Já em 2003, o presidente do conselho pontifício do Vaticano para a família, Alfonso Trujillo, tinha afirmado que “o vírus da SIDA é 450 vezes mais pequeno do que o espermatozóide - o espermatozóide atravessa os buracos que existem no preservativo (...) os governos devem abordar o preservativo da mesma forma que fazem com os cigarros - eles são um perigo”. Muitos líderes religiosos e políticos em África também se juntaram a este discurso e adotaram posições extremas em relação ao VIH. O Uganda, um dos países Africanos com maior prevalência de VIH, em 2005 decidiu cortar financiamento vital a programas de prevenção, nomeadamente deixando de importar preservativos para passar a promover, exclusivamente, a monogamia e a fidelidade como estratégias de combate ao VIH. No ano seguinte os números de prevalência de VIH voltaram a subir, após um período prévio de queda. Existem quase 2 milhões de pessoas com VIH naquele país.

O problema principal em promover a monogamia e a fidelidade como forma de prevenção é o facto de que são precisos dois para se ser monógamo. Existe uma percentagem muito elevada de mulheres, em países Africanos, que foram infetadas pelo parceiro estável e único. Mesmo nos países ocidentais, uma parte muito significativa das transmissões em heterossexuais observaram-se dentro do casamento. Mesmo nos HSH, um estudo conduzido nos EUA concluiu que cerca de 68% de todas as infecções foram adquiridas no contexto de uma relação estável (AIDS. 2009 Jun 1;23(9):1153-62.). A agravar este facto, a grande maioria das pessoas utilizam o preservativo em muito menor quantidade com os seus parceiros estáveis em comparação com parceiros ocasionais. As campanhas de promoção da abstinência até ao casamento vêm sempre associadas a um forte discurso moralizador, de condenação da liberdade de escolha nas nossas relações e de afastamento dos mais jovens de outros métodos de prevenção. Nos anos Reagan - Clinton – Bush, elas foram sempre financiadas à custa de cortes nos programas de educação sexual e distribuição de preservativos. Os resultados estão publicados e não justificam a eficácia desta estratégia. Além disso, promover a abstinência até ao casamento em locais e países onde o casamento não é legalmente reconhecido para todos, nomeadamente os HSH, é voluntariamente afastar as populações mais vulneráveis de formas de prevenção.
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* Médico.
Fonte:  http://www.esquerda.net/opiniao/abstinencia-e-monogamia/46125
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