Luis Fernando Veríssimo*
Com
o Mercado Comum Europeu se desfazendo, e o euro sendo questionado a torto e a
direito, ou à esquerda e à direita, cabe lembrar a experiência do esperanto
O
inglês Cristopher Hitchens conta que entrevistou um líder do Partido da
Liberdade, de extrema-direita, da Áustria, e que, quando a conversa derivou
para a então recém-lançada moeda comum europeia, o entrevistado pediu a opinião
de Hitchens sobre aquele “esperanto monetário”. Hitchens foi obrigado a
concordar, a contragosto, com a sacada do fascista. O euro realmente evocava
outra busca de integração transnacional, a do esperanto, uma língua inventada
que — como fatalmente aconteceria com o euro — não pegara, e acabara como
apenas uma boa tentativa. O objetivo do esperanto era o de unificar por uma linguagem
em comum; o do euro, o de unificar pela moeda. Nos dois casos, o objetivo era
acabar com conflitos e criar um sentimento compartilhado de humanidade que
garantiria a paz.
Com
o Mercado Comum Europeu se desfazendo, e o euro sendo questionado a torto e a
direito, ou à esquerda e à direita, cabe lembrar a experiência do esperanto — e
do seu idealismo frustrado, nem que seja só para comparar fracassos. A “língua
franca” — que acabaria com a chamada danação de Babel, quando Deus reagiu à
pretensão dos humanos de construir uma torre que os aproximaria do ouvido do
Senhor, decretando a multiplicação das línguas (e, como efeito colateral,
criando a profissão de tradutores) — foi uma invenção de L.L. Zamenhof, um
judeu polonês que teve uma fase de entusiasta do sionismo, mas depois renunciou
a ela, passando a pregar o fim de qualquer movimento definido por etnia ou
nacionalidade. Ele chamou sua nova língua de lingvo internacia, mas
ela se tornou conhecida como esperanto baseada no codinome que Zamenhof adotou,
Doktoro Esperanto (Doutor Esperança em esperanto), quando publicou seu “Unua
libro” (primeiro livro).
O
esperanto não trouxe a paz e a humanidade compartilhada que Zamenhof esperava,
mas não deixou de fazer barulho, organizando conferências e campanhas promocionais
e causando controvérsias. Pelo que eu sei, o movimento continua vivo, e
atraindo adeptos. Li que a uma convenção compareceram esperantistas gays, do
Partido Verde, vegetarianos, pacifistas e amantes de gatos, e todos usavam
camisetas com os dizeres Vivu! Revu! Amu! (Viva! Sonhe!
Ame! em esperanto).
O
sonho da unidade europeia e da moeda comum talvez não siga o caminho do
esperanto para a irrelevância, ou para apenas outra invocação melancólica na
frente de uma camiseta. Mas periga.
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* Jornalista. Escritor.
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