A escritora cubana Wendy Guerra, crítica ao regime na ilha
Pedro Juan Gutiérrez, 66, está em dúvida. Não sabe o que fazer com duas
imagens que tem na sua cabeça. Uma, de quando tinha 9 anos, e viu Fidel
Castro entrar em Havana da janela de sua casa. "Minha mãe costurou à mão
uma bandeira para recebê-lo", conta à Folha, no saguão do hotel Inglaterra, no centro de Havana.
A outra imagem é da semana passada. Enquanto dava entrevista a um jornal espanhol, viu pela sacada de seu apartamento a passagem do cortejo fúnebre do ditador. "Saímos para olhar, e deu tempo de ver rapidamente os carros militares com aquela urna pequena coberta pela bandeira cubana, então me veio um flash da imagem dos meus 9 anos."
O autor de "Trilogia Suja de Havana" (Alfaguara) não quer mais falar nem escrever sobre política. Desde que lançou seu último romance, "Fabián e o Caos" (também pela Alfaguara), em 2015, em que tratava de um personagem tímido, gay, perseguido pelo regime, baseado num amigo seu da adolescência, acha que não tem mais nada a dizer sobre o regime.
"Mas depois que vi o féretro, fiquei pensando nesse arco de tempo, entre a primeira imagem e a segunda, e isso teve um impacto em mim, toda minha vida transcorreu entre esses dois momentos. E seria uma outra vida se Fidel Castro não tivesse existido."
Ainda assim, não sabe bem o que fazer com essas duas imagens. "Dá para uma anedota de duas linhas, um pequeno post, ou para um romance imenso. Ou para nada", diz, rindo.
Outra autora cubana que vem refletindo em seus livros as lentas transformações na ilha é Wendy Guerra, 45, que não crê em grandes mudanças nesse momento. "Fidel deixou de existir visualmente há vários anos. A única coisa que sua morte provoca é o fechamento de um ciclo de alguém que mudou Cuba há cinco décadas. Agora, as mudanças devem vir de uma transição lenta, mas feita por uma geração que ainda não teve a oportunidade de enfrentar a liderança. Fidel mudou a história e passou para a história. Agora é a nossa vez de fazê-lo."
Para Guerra, a vitória de Donald Trump nos EUA pode significar um retorno a um passado que conhece muito bem, o de viver de costas para os EUA. "Nós crescemos assim, aos 13 anos me colocaram um fuzil na mão para me ensinar a disparar", conta.
A autora de "Todos se Vão" (Benvirá) diz que as mudanças que vinham sendo feitas a partir do aperto de mãos entre Raúl Castro e Barack Obama são o modo mais "coerente" de enfrentar essa nova era. "No caso de que Trump queira interromper o diálogo conosco, simplesmente voltaremos a estar de costas para os EUA. Mas há um fato novo. Agora existem milhões de cubanos que são americanos, e portanto a história não seguirá sendo da mesma maneira."
Guerra acha que Trump vai querer negociar "para fazer de nossa ilha um grande hotel, mas como nos EUA não é possível um presidente fazer simplesmente o que quiser, será um período complexo, de tensão, diferente do mundo sem norte-americanos nos quais eu vivia quando era criança."
Ela ainda observa como Cuba está cheia, neste fim de ano, de turistas dos EUA. E que, para que isso deixe de ocorrer, Trump terá de agir como um ditador. "E um ditador não só vai contra seus inimigos.
Um ditador estabelece um regime estrito em sua própria casa, asfixiando até mesmo seus seguidores. E isso posso dizer por experiência própria."
A escritora ainda se mostra surpreendida com o modo como Cuba está se despedindo de Fidel de forma religiosa, "justamente depois de tanto tempo de separação entre o governo e a Igreja."
Criticou, também, a severa lei seca de uma semana (apesar de desrespeitada em hotéis e em restaurantes turísticos) e a proibição à música, por uma semana.
"Se tivessem me perguntado, creio que o melhor modo que há para se despedir de um cubano é com música", completa.
---------
Reportagem por SYLVIA COLOMBO ENVIADA ESPECIAL A HAVANA
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/12/1838202-em-havana-escritores-refletem-sobre-cuba-sem-fidel.shtml
A outra imagem é da semana passada. Enquanto dava entrevista a um jornal espanhol, viu pela sacada de seu apartamento a passagem do cortejo fúnebre do ditador. "Saímos para olhar, e deu tempo de ver rapidamente os carros militares com aquela urna pequena coberta pela bandeira cubana, então me veio um flash da imagem dos meus 9 anos."
O autor de "Trilogia Suja de Havana" (Alfaguara) não quer mais falar nem escrever sobre política. Desde que lançou seu último romance, "Fabián e o Caos" (também pela Alfaguara), em 2015, em que tratava de um personagem tímido, gay, perseguido pelo regime, baseado num amigo seu da adolescência, acha que não tem mais nada a dizer sobre o regime.
"Mas depois que vi o féretro, fiquei pensando nesse arco de tempo, entre a primeira imagem e a segunda, e isso teve um impacto em mim, toda minha vida transcorreu entre esses dois momentos. E seria uma outra vida se Fidel Castro não tivesse existido."
Ainda assim, não sabe bem o que fazer com essas duas imagens. "Dá para uma anedota de duas linhas, um pequeno post, ou para um romance imenso. Ou para nada", diz, rindo.
Outra autora cubana que vem refletindo em seus livros as lentas transformações na ilha é Wendy Guerra, 45, que não crê em grandes mudanças nesse momento. "Fidel deixou de existir visualmente há vários anos. A única coisa que sua morte provoca é o fechamento de um ciclo de alguém que mudou Cuba há cinco décadas. Agora, as mudanças devem vir de uma transição lenta, mas feita por uma geração que ainda não teve a oportunidade de enfrentar a liderança. Fidel mudou a história e passou para a história. Agora é a nossa vez de fazê-lo."
Para Guerra, a vitória de Donald Trump nos EUA pode significar um retorno a um passado que conhece muito bem, o de viver de costas para os EUA. "Nós crescemos assim, aos 13 anos me colocaram um fuzil na mão para me ensinar a disparar", conta.
A autora de "Todos se Vão" (Benvirá) diz que as mudanças que vinham sendo feitas a partir do aperto de mãos entre Raúl Castro e Barack Obama são o modo mais "coerente" de enfrentar essa nova era. "No caso de que Trump queira interromper o diálogo conosco, simplesmente voltaremos a estar de costas para os EUA. Mas há um fato novo. Agora existem milhões de cubanos que são americanos, e portanto a história não seguirá sendo da mesma maneira."
Guerra acha que Trump vai querer negociar "para fazer de nossa ilha um grande hotel, mas como nos EUA não é possível um presidente fazer simplesmente o que quiser, será um período complexo, de tensão, diferente do mundo sem norte-americanos nos quais eu vivia quando era criança."
Ela ainda observa como Cuba está cheia, neste fim de ano, de turistas dos EUA. E que, para que isso deixe de ocorrer, Trump terá de agir como um ditador. "E um ditador não só vai contra seus inimigos.
Um ditador estabelece um regime estrito em sua própria casa, asfixiando até mesmo seus seguidores. E isso posso dizer por experiência própria."
A escritora ainda se mostra surpreendida com o modo como Cuba está se despedindo de Fidel de forma religiosa, "justamente depois de tanto tempo de separação entre o governo e a Igreja."
Criticou, também, a severa lei seca de uma semana (apesar de desrespeitada em hotéis e em restaurantes turísticos) e a proibição à música, por uma semana.
"Se tivessem me perguntado, creio que o melhor modo que há para se despedir de um cubano é com música", completa.
---------
Reportagem por SYLVIA COLOMBO ENVIADA ESPECIAL A HAVANA
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/12/1838202-em-havana-escritores-refletem-sobre-cuba-sem-fidel.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário