quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Patrícia Laurenzo: 'Não se muda o mundo sem um ato de violência'



A advogada e professora Patrícia Laurenzo acredita que, para conter a violência contra a mulher, é necessário mudar a ideologia da sociedade
Foto: Agência O Globo / Leo Martins
 A advogada e professora Patrícia Laurenzo acredita que, para conter a violência contra a mulher, 
é necessário mudar a ideologia da sociedade
 - Agência O Globo / Leo Martins

Especialista em Direito Penal, uruguaia esteve no Rio para participar de seminário internacional sobre diferentes formas de agressão à mulher, na Emerj
por Ana Beatriz Marin

"Tenho 62 anos, nasci em Paysandú, no Uruguai, formei-me em Direito na Argentina, mas dou aulas na Universidade de Málaga, no Sul da Espanha, onde vivo há 25 anos. Na Europa se pode viver dignamente como professora universitária. Por isso fui para lá. É uma carreira muito valorizada. Na América Latina, não."

Conte algo que não sei.
Um estudo recente mostrou que 25% das estudantes universitárias na Espanha afirmaram ter sofrido algum tipo de assédio sexual no âmbito estudantil. Vivo na universidade e jamais pensei que pudesse haver um nível tão tremendo de acosso. Fiquei gelada, porque estamos falando de um país como a Espanha, onde acredito que já avançamos muito no tema. E, no entanto, parece que há um monte de coisas por fazer, ainda.

Chegará o dia em que não voltaremos a ler estudos deste tipo?
Eu não vou ver isso acontecer. E você, provavelmente, também não. Mas esse dia pode chegar, quando houver uma mudança estrutural. Todas as modificações legais que estamos fazendo são muito relativas. A violência de gênero se controla pouco. Você pode colocar muitos homens que matam ou violam mulheres na cadeia. Mas, para que a situação acabe, é preciso modificar a mentalidade, a ideologia. E isso requer mudança de sistema. Sou bastante otimista. Creio que chegará o dia em que tudo isso vai explodir. Sempre houve grandes momentos na História em que se substituiu um sistema pelo outro.

E como se dá?
Isso quem teria de dizer a você seriam os grandes filósofos. Porque, para mudar isso, seria necessário mudar o mundo em seu conjunto. Creio que algo violento vai acontecer. Não se pode mudar a estrutura do mundo sem que haja um ato importante de violência. Vimos isso na mudança da Monarquia, na época da Revolução Francesa. É necessária uma revolução. E ela pode se apresentar de diversas maneiras. Sou bastante otimista.

Como se faz uma revolução?
Adoraria saber...

Educação, talvez? Em novembro, foi sancionada uma lei que torna obrigatório o ensino de noções básicas da Lei Maria da Penha nas escolas estaduais do Rio.
É genial que as crianças comecem a ter contato com essa realidade. Que entendam desde cedo o que é a violência de gênero e como se produz. Acho a Lei Maria da Penha boa e muito lúcida. Pode ser um passo grande em direção a uma mudança, mas tudo depende de como se aplicará. De qualquer forma, é mais importante do que criar um delito de feminicídio. Temos que evitar o problema pela raiz.

Mas, na Espanha, o governo de Mariano Rajoy tirou da grade escolar uma disciplina que tratava do assunto.
O governo disse que era transversal, que já se estudavam temas de direitos humanos e de mulheres em Sociologia e História. É uma pena. A educação de gênero não começa onde deveria. E é incrível, porque o nível de violência e assédio cresceu entre as adolescentes espanholas.

Alguma razão em especial?
Provavelmente, porque há uma espécie de reação conservadora. Acho, também, que as novas tecnologias influíram muito. O controle hoje é bem maior porque existem mais instrumentos para isso. Muitos jovens controlam o celular das namoradas. Isso demonstra que tudo o que já se fez em matéria penal serviu pouco, apesar de ter havido muitos avanços na Espanha. E, é lógico, porque o Direito Penal só resolve os problemas individuais. E a violência de gênero não é.

Nenhum comentário:

Postar um comentário