Ler
dissertações e/ou teses é sempre um aprendizado – especialmente quando a
escrita desafia as nossas certezas e instiga a reflexão. No mínimo,
aprendemos ao nos depararmos com novas informações e/ou pelo estímulo à
rememoração enriquecedora de conteúdos que pareciam esquecidos. Por
isso, sempre agradeço com sinceridade pela honra do convite. Não
obstante, confesso que a paciência se esvai com a leitura dos “capítulos
teóricos” e/ou as longas introduções nos quais os candidatos nos fazem
percorrer caminhos já percorridos e nos cansam com tal insistência. Não é
raro que tais capítulos correspondam à maior parte do texto
apresentado, com o “objeto de estudo” relegado às poucas páginas que
compõe o último capítulo. Sendo condescendente, a responsabilidade não
se restringe ao autor das dissertações e teses analisadas. Em geral,
seguem um padrão considerado científico na academia.
As introduções e o primeiro capítulo de dissertações e teses
assemelham-se a tratados metodológicos. É o capítulo metodológico por
excelência. Some-se a este, a quantidade de páginas dedicadas ao resgate
histórico – a tal da contextualização. Algumas vezes chega a ser
hilário, pois retorna-se a um passado remoto que obscurece o “objeto de
estudo” e tende a tornar-se mais importante do que a apresentação e
análise. Dizem que são exigências da ciência!
Por trás das exigências de cientificidade encontra-se, de fato, um
eterno recomeçar que nos faz percorrer caminhos por demais explorados e
nos leva a repetir as eternas batalhas do passado. É o que BOURDIEU
denomina de “culto escolar dos clássicos” (2000: 47). No final, o
resultado é uma sistematização, um resumo, nem sempre bem elaborado, dos
autores e teorias. Além disso, corre-se o risco de “forçar a barra” com
o uso das teorias que se mostram esvaziadas e sem relação com o
conteúdo ou a argumentação – isto, sem contar o abuso da utilização de
autores apenas como “argumento de autoridade”. *
Claro, tudo isso não invalida a necessidade de adotarmos teorias.
Estas cumprem a função de bússolas que nos orientam no fazer o caminho.
Como o marinheiro em alto mar ou o explorador em plena selva, precisamos
fazer uso de todos os instrumentos que possam nos ajudar a chegar ao
porto seguro ou sobreviver às adversidades da densa floresta. Mas, ainda
que todos os instrumentos sejam importantes nos vários momentos da
caminhada – ou do navegar – alguns se mostrarão fundamentais.
Deixemos de lado as metáforas e passemos ao universo da metodologia.
Temos, então, em qualquer pesquisa, uma questão básica: qual a
referência teórica? Mais do que mero questionamento científico, trata-se
de uma decisão que delimita campos acadêmicos e ideológicos. Não é
apenas a relação sujeito-objeto que está em jogo, mas o próprio sujeito e
o objeto, a forma como este é tratado por aquele e como os que devem
avaliar este tratamento concebem esta relação.
Por outro lado, a definição de uma metodologia, de um referencial
teórico, é uma dificuldade que aumenta de intensidade quando se recusa o
apego fácil a este ou aquele autor e, por conseqüência, procura-se
evitar o risco de enquadrar o objeto à moldura da teoria adotada.
Corremos o risco de pagar tributo a vários cânones e, ainda por cima,
sermos acusados de ecletismo.
Essa postura crítica implica uma ruptura epistemológica com os
esquemas teóricos sectários que tomam a sua verdade como a verdade
absoluta; pressupõe uma ruptura, uma conversão do olhar, ou seja, a
instituição de um novo olhar que coloque em suspenso as nossas certezas,
os nossos preconceitos e os princípios que geralmente aceitamos para a
construção dos conceitos. Trata-se, em suma, de manter a dúvida radical.
(BOURDIEU, 2000: 49). É preciso, portanto, ousar pensar e ir além da
mera repetição, do “culto escolar dos clássicos” e da mesmice como
padrão de exposição.
Referências*Professor do Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de Maringá (UEM); Editor da Revista Espaço Acadêmico e Revista Urutágua
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000.
SILVA, Antonio Ozaí da. Maurício Tragtenberg e a Pedagogia Libertária. Ijuí: Editora da Unijuí, 2008.
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*Retomo os argumentos da introdução de Maurício Tragtenberg e a Pedagogia Libertária (2008), os quais, apesar do passar dos anos, permanecem atuais.
Fonte: Ciências Sociais, Universidade Estadual de Maringá (UEM); Editor da Revista Espaço Acadêmico e Revista Urutágua
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