Leonardo Boff*
"Sempre que se atinge certo nível de complexidade,
a vida surge como um imperativo cósmico,
em qualquer parte do Universo."
Durante séculos os
cientistas tentaram explicar o universo por meio de leis físicas,
expressas por equações matemáticas. O universo era representado como uma
imensa máquina que funcionava sempre de forma estável. A vida e a
consciência não tinham lugar nesse paradigma. Era assunto das religiões.
Mas
tudo mudou quando a partir dos anos 20 século passado, o astrônomo
Hubble provou que o estado natural do universo não é a estabilidade mas a
mudança. Ele começou a se expandir a partir da explosão de um ponto
extremamente pequeno mas imensamente quente e repleto de virtualidades: o
big bang. A partir daí formaram-se os quarks e os léptons, as
partículas mais elementares que, uma vez, combinadas, deram origem aos
pr ótons e nêutrons, base dos átomos.
Expansão, auto-organização,
complexificação e emergência de ordens cada vez mais sofisticadas são
características do Universo. E a vida? Isso era assunto deixado às
religiões.
Não sabemos como surgiu. O que podemos dizer é que a
Terra e o inteiro Universo trabalharam bilhões e bilhões de anos para
criar as condições do nascimento desta belíssima criança que é a vida. É
frágil porque pode facilmente adoecer e morrer. Mas também é forte,
porque nada até hoje, nem os vulcões, nem os terremotos, nem os
meteoros, nem as dizimações em massa em eras passadas, conseguiram
extingui-la totalmente.
Para que surgisse a vida foi preciso que o
Universo fosse dotado de três qualidades: ordem, vinda do caos,
complexidade, oriunda de seres simples e informação, originada pelas
conexões de todos com todos. Mas faltava ainda um dado: a criação dos
tijolinhos com os quais se constrói a casa
da vida. Esses tijolinhos foram forjados dentro do coração das grandes
estrelas vermelhas que arderam por vários bilhões de anos. São os ácidos
químicos e demais elementos que permitem todas as combinações e todas
as transformações. Assim não há vida sem que haja a presença do
carbono, do hidrogênio, do oxigênio,do nitrogênio, do ferro, do fósforo e
dos 92 elementos da escala periódica de Mendeleev.
Quando estes
vários elementos se unem, formam o que chamamos de molécula, a menor
porção de matéria viva. A união com outras moléculas criou os organismos
e os órgãos que constituem os seres vivos, das bactérias aos seres
humanos.
Foi mérito de Ilya Prigogine, prêmio Nobel de química de
1977, ter mostrado que a vida resulta da dinâmica da auto-organização
intrínseca do próprio universo. Revelou também que existe uma fábrica
que produz continuamente a vida. O motor central desta fábrica da vida é
formado por um conjunto de 20 aminoácidos e 4 bases nitrogenadas.
Os
aminoácidos são um conglomerado de ácidos que combinados permitem
surgir a vida. Eles se compõem com quatro bases de nitrogênio que
funcionam como uma espécie de quatro tipos de cimento que unem os
tijolinhos formando casas, as mais diversificadas. É a biodiversidade.
Temos,
portanto, a mesmo código genético de base criando a unidade sagrada da
vida, dos micro-organimos até os seres humanos. Todos somos, de fato,
primos e primas, irmãos e irmãs, como o afirma o Papa em sua encíclica
sobre a ecologia integral (n.92) porque somos formados pelos mesmos 20
aminoácidos e as 4 bases nitrogenadas (adenina, timina, guanina e
citosina).
Mas faltava um berço
que acolhesse a vida: a atmosfera e a biosfera com todos os elementos
essenciais para a vida: o carbono, o oxigênio, o metano,o ácido
sulfúrico, o nitrogênio e outros.
Dadas estas pré-condições, eis
que há 3,8 bilhões de anos, aconteceu algo portentoso. Possivelmente do
mar ou de um brejo primitivo onde borbulhavam todos os elementos como
uma espécie de sopa, de repente, sob a ação de um grande raio
relampejante vindo do céu, irrompeu a vida.
Misteriosamente ela
está aí já há 3,8 bilhões de anos. No minúsculo planeta Terra, num
sistema solar de quinta grandeza, num canto denossa galáxia, a 29 mil
anos luz do centro dela, aconteceu o fato mais importante da evolução: a
irrupção da vida. Ela é a mãe originária de todos os viventes, a Eva
verdadeira. Dela descendem todos os demais seres vivos, também nós
humanos, um sub-capítulo do capítulo da vida: a nossa vida consciente,
Por fim, ouso dizer com o biólogo também prêmio Nobel
Christian de Duve e o cosmólogo Brian Swimme, que o Universo seria
incompleto sem a vida. Sempre que se atinge certo nível de complexidade,
a vida surge como um imperativo cósmico, em qualquer parte do Universo.
Devemos
superar a ideia comum que o universo é uma coisa meramente física e
morta, com pitadinhas de vida para completar o quadro. Essa é uma
compreensão pobre e falsa. O universo parece estar cheio de vida e é
para isso que ele existe, como o berço acolhedor da vida, especialmente
da nossa.
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* Leonardo Boff escreveu com M.Hathaway O Tao da
Libertação premiado em 2010 nos USA com a medalha de ouro em nova
ciência e cosmologia.Fonte: http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2016/11/06/a-vida-como-imperativo-cosmico/ 07/11/2016
Imagem da Internet
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