segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Por que se deve ler Michel Houellebecq?

Bertrand Ricard* 
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 Michel Houellebecq

Se Michel Houellebecq é o escritor francês mais conhecido e traduzido no mundo atualmente, ele sempre é também objeto de polêmicas e controvérsias. Nos últimos 20 anos, os seus adversários mais persistentes não pararam de atacá-lo e de desqualificá-lo por tudo e quase nada. Já o trataram de machista, reacionário, racista, provocador, escandaloso e sem estilo. Mas o homem resiste e a obra se mantém de pé apesar das críticas e dos seus possíveis pontos fracos, alguns das quais o próprio autor estimulou. Existe certamente um lado masoquista em Houellebecq. Muitas vezes, suas incursões midiáticas acabam por colocar seus livros em segundo plano. É um pouco como se o criador não conseguisse se impedir de reduzir o alcance da sua criatura provocando regularmente polêmicas ocas e fastidiosas. Se o autor é muito conhecido, contudo, nem todos o leram realmente ou se aventuraram a superar esse aroma de escândalo que envolve todos os seus livros. Ora, uma coisa é fundamental, para além desse lado marqueteiro consciente ou não: é preciso absolutamente, mais do que nunca, ler Houellebecq. Por quê?

Antes de tudo, porque Houellebecq, assim como Lobos Antunes, faz parte dos raros escritores que jamais cedem a qualquer forma de pressão para seduzir jurados de Nobel. Ele busca, acima de tudo, descrever o mundo tal qual ele é, como ele o vê, não como o mundo poderia ou deveria ser. Na obra de Houellebecq as relações humanas são áridas, duras, às vezes, interesseiras, objeto de acordos e de comprometimentos, o que se vê bem especialmente no seu último romance, Submissão, no qual professores universitários não hesitam em sacrificar até as suas mulheres em nome do sucesso na carreira acadêmica. Os raros sentimentos que se exprimem dirigem-se, com frequência, a animais domésticos mais do que a seres humanos. Aqueles personagens que cedem ao sentimentalismo acabam literalmente moídos pela existência, como se observa nos primeiros romances de Michel Houellebecq, que nos apresenta um mundo maculado, impuro, imperfeito, no momento em que o politicamente correto se impõe, pouco a pouco, em todas as esferas da existência pública ou privada.

Em segundo lugar, é preciso ler Houellebecq porque ele está, quase sempre, um passo à frente, uma ideia, um pensamento adiante em relação aos demais. Quem antes dele mostrou a desestruturação fundamental das relações produzida pelo neoliberalismo, como se vê em Extensão do domínio da luta? Que mostrou melhor do que ele a impregnação das nossas sociedades por essa religiosidade porosa que se dissemina por toda parte sob a forma de um retorno em força dos monoteísmos de seitas ou « comunidades que emergem », como diria Agamben ? Bem antes dos atentados na França, ele já havia colocado o dedo na ferida das dificuldades que a sociedade francesa encontraria num futuro próximo, o que já está ocorrendo. Por fim, Michel Houellebecq não hesita em recorrer à ciência, como em Partículas elementares, ou à sociologia, para dar estofo ou ampliação às suas narrativas. Longe de um mero efeito de estilo, trata-se sobretudo para ele de demonstrar a que ponto a ciência, mole ou dura, impregna nossos modos de pensar e nossas ações individuais ou coletivas.

Na era e na hora da internet, das novas tecnologias e do desenvolvimento das neurociências e do pensamento cognitivo, muitos escritores continuam, ao contrário de Houellebecq, temerosos de abordar as consequências da ciência no cotidiano. Michel Houellebecq justifica o uso de teorias na sua ficção como sendo úteis para explicar o contexto da ação ou dos acontecimentos sociais ou políticos. De qualquer maneira, a força principal da sua obra consiste em ser uma literatura de ideias no momento em que a maioria dos escritores só pensa no próprio umbigo ou em contar a própria vida « miserável ». Houellebecq vai além da simples narrativa de acontecimentos puramente idiossincráticos e privilegia uma verdadeira leitura sociológica do que nos acontece, na medida em que estamos presos em contingências sociais e sociológicas que acabam, como em toda grande literatura, por tornar-se « históricas ». Houellebecq pode ser um fraco psicólogo, mas é um brilhante sociólogo.

Enfim, é preciso ler Houellebecq também porque seus livros são divertidos e cheios de humor. Longe dos clichês que falam dele como um autor de forma rasa ou sem estilo, frio ou clínico, o escritor nunca deixa de resolver uma situação qualquer com uma tirada espirituosa ou de humor, dando leveza à narrativa e criando um distanciamento interessante em relação à posição do leitor. É como se Michel Houellebecq, por trás do seu lado sério e até sombrio, lembrasse todos nós do caráter efêmero e ligeiro da vida. Como se a mensagem principal fosse « não é tão sério ou grave quanto parece ». Nesse sentido, ele representa bem a ambiguidade que nos caracteriza e envolve, encurralados que estamos entre a gravidade e a leveza.
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  • Professor na Universidade de Reims, França.
  • Fonte:  http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2016/11/9228/caderno-de-sabado-tres-pontos-de-vista-sobre-a-obra-radical-de-michel-houellebecq/
  • Imagem da internet

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