Bertrand Ricard*
Michel Houellebecq
Se Michel Houellebecq é o escritor francês mais conhecido e traduzido
no mundo atualmente, ele sempre é também objeto de polêmicas e
controvérsias. Nos últimos 20 anos, os seus adversários mais
persistentes não pararam de atacá-lo e de desqualificá-lo por tudo e
quase nada. Já o trataram de machista, reacionário, racista, provocador,
escandaloso e sem estilo. Mas o homem resiste e a obra se mantém de pé
apesar das críticas e dos seus possíveis pontos fracos, alguns das quais
o próprio autor estimulou. Existe certamente um lado masoquista em
Houellebecq. Muitas vezes, suas incursões midiáticas acabam por colocar
seus livros em segundo plano. É um pouco como se o criador não
conseguisse se impedir de reduzir o alcance da sua criatura provocando
regularmente polêmicas ocas e fastidiosas. Se o autor é muito conhecido,
contudo, nem todos o leram realmente ou se aventuraram a superar esse
aroma de escândalo que envolve todos os seus livros. Ora, uma coisa é
fundamental, para além desse lado marqueteiro consciente ou não: é
preciso absolutamente, mais do que nunca, ler Houellebecq. Por quê?
Antes de tudo, porque Houellebecq, assim como Lobos Antunes, faz
parte dos raros escritores que jamais cedem a qualquer forma de pressão
para seduzir jurados de Nobel. Ele busca, acima de tudo, descrever o
mundo tal qual ele é, como ele o vê, não como o mundo poderia ou deveria
ser. Na obra de Houellebecq as relações humanas são áridas, duras, às
vezes, interesseiras, objeto de acordos e de comprometimentos, o que se
vê bem especialmente no seu último romance, Submissão, no qual
professores universitários não hesitam em sacrificar até as suas
mulheres em nome do sucesso na carreira acadêmica. Os raros sentimentos
que se exprimem dirigem-se, com frequência, a animais domésticos mais do
que a seres humanos. Aqueles personagens que cedem ao sentimentalismo
acabam literalmente moídos pela existência, como se observa nos
primeiros romances de Michel Houellebecq, que nos apresenta um mundo
maculado, impuro, imperfeito, no momento em que o politicamente correto
se impõe, pouco a pouco, em todas as esferas da existência pública ou
privada.
Em segundo lugar, é preciso ler Houellebecq porque ele está, quase
sempre, um passo à frente, uma ideia, um pensamento adiante em relação
aos demais. Quem antes dele mostrou a desestruturação fundamental das
relações produzida pelo neoliberalismo, como se vê em Extensão do domínio da luta?
Que mostrou melhor do que ele a impregnação das nossas sociedades por
essa religiosidade porosa que se dissemina por toda parte sob a forma de
um retorno em força dos monoteísmos de seitas ou « comunidades que
emergem », como diria Agamben ? Bem antes dos atentados na França, ele
já havia colocado o dedo na ferida das dificuldades que a sociedade
francesa encontraria num futuro próximo, o que já está ocorrendo. Por
fim, Michel Houellebecq não hesita em recorrer à ciência, como em Partículas elementares,
ou à sociologia, para dar estofo ou ampliação às suas narrativas. Longe
de um mero efeito de estilo, trata-se sobretudo para ele de demonstrar a
que ponto a ciência, mole ou dura, impregna nossos modos de pensar e
nossas ações individuais ou coletivas.
Na era e na hora da internet, das novas tecnologias e do
desenvolvimento das neurociências e do pensamento cognitivo, muitos
escritores continuam, ao contrário de Houellebecq, temerosos de abordar
as consequências da ciência no cotidiano. Michel Houellebecq justifica o
uso de teorias na sua ficção como sendo úteis para explicar o contexto
da ação ou dos acontecimentos sociais ou políticos. De qualquer maneira,
a força principal da sua obra consiste em ser uma literatura de ideias
no momento em que a maioria dos escritores só pensa no próprio umbigo ou
em contar a própria vida « miserável ». Houellebecq vai além da simples
narrativa de acontecimentos puramente idiossincráticos e privilegia uma
verdadeira leitura sociológica do que nos acontece, na medida em que
estamos presos em contingências sociais e sociológicas que acabam, como
em toda grande literatura, por tornar-se « históricas ». Houellebecq
pode ser um fraco psicólogo, mas é um brilhante sociólogo.
Enfim, é preciso ler Houellebecq também porque seus livros são
divertidos e cheios de humor. Longe dos clichês que falam dele como um
autor de forma rasa ou sem estilo, frio ou clínico, o escritor nunca
deixa de resolver uma situação qualquer com uma tirada espirituosa ou de
humor, dando leveza à narrativa e criando um distanciamento
interessante em relação à posição do leitor. É como se Michel
Houellebecq, por trás do seu lado sério e até sombrio, lembrasse todos
nós do caráter efêmero e ligeiro da vida. Como se a mensagem principal
fosse « não é tão sério ou grave quanto parece ». Nesse sentido, ele
representa bem a ambiguidade que nos caracteriza e envolve, encurralados
que estamos entre a gravidade e a leveza.
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- Professor na Universidade de Reims, França.
- Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2016/11/9228/caderno-de-sabado-tres-pontos-de-vista-sobre-a-obra-radical-de-michel-houellebecq/
- Imagem da internet
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