Adriana Carranca*
AMERICANOS EM NOVA YORK - ESTADOS UNIDOS
A qualidade de vida nos Estados Unidos é melhor do que em Ruanda sob
qualquer índice econômico e social.
Mas os americanos são menos felizes que os ruandeses!
A
primeira impressão foi de estranheza, embora com alguma simpatia. Eu
havia pedido um café e recebera de volta um líquido insosso e pardo que
mal cheirava à bebida, com aroma predominante de canela. Hesitei em
receber o copo de isopor cheio, mas o vendedor tinha as mãos estendidas em minha direção, os olhos vidrados nos meus e um sorriso congelado no rosto. Engoli a bebida quente forçando um semblante que indicasse aprovação, na tentativa de retribuir seu sorriso, mas mal dei o primeiro gole e ele já sorria para outro cliente. Era meu primeiro contato com a cultura americana, durante uma escala no Aeroporto de Miami.
Nos meses seguintes, eu seria recebida com um alegre e sonoro “Hi! How are you doing today?” [Como vai você hoje?] assim que colocava os pés em uma loja, farmácia, no caixa do supermercado. Ofereciam-me “happy meals”, batatas fritas no formato de um sorriso, descontos em “happy hours”. “Have a happy day”, eu ouvia ao sair. Ao voltar os olhos em direção à voz, encontrava fatalmente o mesmo olhar e o sorriso congelado do rapaz da lanchonete.
Eu pensava: “que simpáticos!”,
até saber que uma rede varejista obrigava seus funcionários a sorrir
sempre que um consumidor estivesse a três metros de distância deles. O sorriso era uma estratégia de marketing ensinada nos MBAs [cursos de especialização e mestrado]. Uma busca rápida na Amazon traz 924 livros com as palavras “smile & sales”, coisas como “Sorria e venda mais”. No Google, aparecem ensaios como: “A ciência por trás do marketing do sorriso”. Quando
“o sorriso americano” passou a ser alvo de zombaria e se tornou
sinônimo de uma expressão falsa de felicidade, os gerentes de marketing
passaram a exigir de funcionários não apenas o sorriso, mas que fosse
sincero. Eles deveriam se sentir realmente felizes.
A felicidade se tornara imperativo para alcançar sucesso, e sua busca alimentou uma bilionária indústria de autoajudae o maior mercado de antidepressivos do mundo. Certamente não era o que imaginava Thomas Jefferson ao imprimir a busca pela felicidade no DNA da sociedade americana. “Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”, ele cunhou na Declaração de Independência.
Angústia
Em America the Anxious, lançado esta semana, a jornalista britânica Ruth Whippman mostra como a obsessão americana pela felicidade criou uma nação de infelizes. Os ingleses não são exemplos de bom humor e amabilidade pública, mas a observação aguçada de Ruth sobre o efeito reverso da busca pela felicidade é confirmada por estudos na área de psicologia, como o da Universidade de Berkeley, em que entrevistados
que tinham a felicidade como ambição pessoal sentiam-se menos felizes e
tinham maior probabilidade de manifestar sintomas de insatisfação e
depressão. Um índex do instituto Gallup, de 2014, para comparar o grau de felicidade em vários países colocou os Estados Unidos em 25.º lugar, dois atrás de Ruanda. [Quando
vamos aprender e reconhecer que a felicidade não deve ser uma meta, um
objetivo de vida, mas uma consequência de uma vida bem vivida!]
ADRIANA CARRANCA Autora deste artigo |
A qualidade de vida nos EUA é melhor do que em Ruanda sob qualquer índice econômico e social. A percepção negativa dos americanos reside na distância entre expectativa e vida real. O crescimento econômico não impediu a desigualdade crescente
desde os anos 1970. A desindustrialização, as mudanças tecnológicas dos
anos 1990, que automatizaram a produção, e a globalização resultaram no
declínio do emprego para as classes menos educadas. O economista David Autor, do Massachusetts Institute of Technology [MIT, em Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos], em artigo recente para o Council on Foreign Relations, fala no surgimento de “uma próspera classe global de elites no topo (da pirâmide social) e uma classe estressada que compreende todos os outros”. [Perfeito retrato daquilo que a globalização e a financeirização da economia fizeram nas últimas décadas em todo o mundo]
O impacto disso na sociedade americana foi particularmente devastador. Um dos efeitos colaterais da obsessão americana pela felicidade, como mostrou Whippman, foi reduzir a responsabilidade do Estado sobre o bem-estar social dos cidadãos. A felicidade passou a ser uma busca e uma responsabilidade de cada um, uma competição individual.
Em última instância, se não tem emprego, educação, saúde, a culpa é sua
ou de seu vizinho – especialmente se ele for um imigrante. Os
americanos têm uma palavra para isso: loser (perdedor).
“Para um grande número de pessoas, Donald J. Trump representa talvez a encarnação final dessa ideia. É difícil argumentar que ‘o Donald’ não é, a seu modo, feliz”, escreveu Bruno Kavanagh, na Spectator. Uma pesquisa do Pew Research mostrou que 81% dos eleitores de Trump acham que sua vida é pior hoje do que há 50 anos, contra 19% de Hillary Clinton. “Donald Trump é a obra-prima da melancolia americana”, ele conclui. “Eu derroto as pessoas,” disse Trump à Fox News ao anunciar sua candidatura. “Eu venço.”
Se isso será suficiente para chegar à Casa Branca, nós saberemos na
terça feira [8 de novembro é o dia das eleições para presidente nos
Estados Unidos].
Para ilustrar melhor o que é dito neste artigo, assista a este vídeo
com discursos de Donald J. Trump e análises,
clique sobre a imagem abaixo:
com discursos de Donald J. Trump e análises,
clique sobre a imagem abaixo:
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* Colunista do Jornal Estadão
http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,beleza-americana,10000086515
Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional / Colunistas – Sábado, 5 de novembro de 2016 – Pág. A14 – Internet: clique aqui.
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