hélio schwartsman*
Pelo menos no plano das ideias, acabou-se a solidão. Hoje em dia, com a
internet, é muito fácil encontrar quem pense como você, mesmo que suas
ideias sejam para lá de estapafúrdias. Foi isso o que permitiu, por
exemplo, que um bando de malucos que defende a instalação de uma
ditadura militar no Brasil invadisse a Câmara dos Deputados na última
quarta-feira para ali fazer um fuzuê.
De forma ainda mais dramática, é isso o que possibilita que alguns
jovens desmiolados se alistem como soldados do Estado Islâmico e se
prontifiquem a morrer pelo grupo. Aqui, a ideia em questão é tão
extravagante que sobrepuja o próprio instinto de sobrevivência. Não é
sempre que isso acontece, mas, num mundo em que praticamente a metade
dos 7 bilhões de terráqueos usa a internet, é quase uma fatalidade
estatística encontrar quem partilhe as mesmas doidices.
E não é só. Entre as muitas patologias do pensamento de grupo que a
psicologia social já mapeou, destaca-se o fenômeno da polarização. Se
você juntar um punhado de indivíduos com opiniões semelhantes e
deixá-los conversando por um tempo, o grupo sairá com convicções mais
parecidas e mais radicais.
É claro que, antes da rede de computadores, pessoas também tinham ideias
estúpidas. Mas, como não tinham tanta chance de encontrar suas almas
gêmeas, pensamentos exóticos que porventura pudessem eclodir tendiam a
ser suprimidos pelos consensos sociais prevalentes. A chamada tirania da
maioria pode ser extremamente autoritária e liberticida, mas também
serve para reprimir algumas más ideias antes de elas se popularizarem.
Agora, vivemos uma era em que já não existe solidão intelectual. E, se
isso é ótimo para produzir inovações, traz como contrapartida o ônus de
dar asas à imaginação de doidos às vezes perigosos. Acho que isso é
parte de nosso admirável mundo novo.
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* É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2016/11/1833786-o-fim-da-solidao.shtml
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