Luiz Felipe Ponde*
"Além do eterno problema de grana,
você envelhece, torna-se irrelevante e,
num dado momento, nem sabe mais
o que está
fazendo ali."
Sei que muitos inteligentinhos vão ficar nervosinhos, mas, no que se
refere a esta onda de invasões que tomou conta das escolas, os
professores que apoiam e os estudantes autoritários que realizam o
fazem, antes de tudo, porque uns não querem dar aulas e os outros não
querem ter aulas. Casamento perfeito sob a "bênção" do blá-blá-blá da
"luta pela educação". Uma das formas mais cínicas de ser um professor
ruim é sê-lo em nome de um mundo melhor. Você pode passar a vida inteira
sendo esse professor ruim e enrolar todo mundo. Para isso, basta dizer
que "acredita na educação para formar cidadãos do futuro".
Antes, um pequeno reparo: claro que a educação no Brasil é um lixo. Mas a
politização dos estudantes e dos professores é uma das causas para ela
ser um lixo. Um modo chique de torná-la um lixo, dizendo que a está
salvando. Como violentar alguém dizendo que está fazendo aquilo porque
ela gosta.
Fiz parte de movimento estudantil. Nunca vi gente tão autoritária e
manipuladora. Aliás, foi ali que comecei a desconfiar que o problema da
esquerda era um problema de caráter, ainda que no contexto da ditadura
não havia como não ser contra ela. "Ser de esquerda" era óbvio para todo
jovem. Na época, optei por ser anarquista, pois sempre desconfiei de
quem queria fazer assembleias, comitês burocráticos e decidir pelos
outros. Além do mais, ser anarquista era mais chique e pegava mais
meninas. Sexo ainda é um grande motivo (talvez um dos poucos sinceros)
para se fazer movimento estudantil.
A educação se tornou, de certa forma, um dos grandes fetiches do mundo
moderno. Não que não seja essencial (antes que algum bonitinho tenha um
ataque de nervos), mas defendê-la, muitas vezes, é um modo de não
realizá-la. A própria palavra "educação" vai, aos poucos, caindo no
mesmo tipo de uso da palavra "energia": todo mundo sabe que é
importante, que existe, mas ninguém sabe direito o que é.
Umas das melhores formas de matar a educação é dar a ela missões demais.
Outra é dizer que ela forma "cidadãos do futuro". Como são do "futuro",
ninguém sabe direito o que são. Desconfio de quem diz "eu acredito na
educação". Para mim, soa como dizer "eu acredito em energia ruim" –ou
seja, não quer dizer nada.
Eu "não acredito na educação", apenas gosto de dar aula. Aliás, grande
parte do problema da educação é que muitos professores não gostam de dar
aulas ou não gostam de jovens. Risadas? Que tal um cirurgião que não
gosta de sangue? Além do eterno problema de grana, você envelhece,
torna-se irrelevante e, num dado momento, nem sabe mais o que está
fazendo ali. Ao final, está apenas ganhando uma graninha fazendo um
negócio que dá um trabalho do cão.
A educação se tornou um fetiche (no sentido freudiano) porque ela serve
para você gozar apenas com uma "parte" da experiência humana, "parte"
esta que exclui todo o resto da realidade; "parte" esta que faz os
professores, pedagogos e alunos gozarem em sua vaidade de se dizerem do
bem. A experiência ampla, o enfrentamento da própria humanidade que nos
une e nos inferniza, essa ninguém mais quer saber. Refiro-me aqui,
claro, à educação não apenas como informação técnica, mas como formação
humana (aquela mesma que os picaretas da "educação para a política"
dizem representar na sua condição de novo clero hipócrita do mundo).
Outro problema com essas ocupações é que são levadas a cabo por uma
parte mínima dos alunos se dizendo representar a totalidade do alunos.
Representa nada. O movimento estudantil sempre foi uma excelente escola
para você virar um daqueles "políticos de Brasília": alienado do resto
do mundo, mentiroso e manipulador de sonhos. Essas invasões sequestram a
escola dos outros, apenas.
Há pouco tempo, recebi um e-mail de um aluno de mestrado de uma grande
universidade em que ele contava como um professor de sociais deu aos
alunos duas opções de trabalho para nota: a primeira, ir a uma
manifestação contra o Temer (e, assim, "fazer política" de fato); a
outra, não ir e fazer prova oral. O que você escolheria se não estivesse
a fim de estudar?
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela
Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião,
ciência. Escreve às segundas.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/11/1829868-politizacao-de-estudantes-e-professores-colabora-para-educacao-ser-um-lixo.shtml
Foto: Ricardo Cammarota
Muito obrigada! Não sou assinante da Folha... :(
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