Guardemos a mordaça e lembremos os ensinamentos do bom e velho
Stuart Mill: nunca devemos impedir de falar as pessoas que acreditamos
estarem erradas.
Indignação da semana: Maria José Vilaça, psicóloga e responsável da Associação dos Psicólogos Católicos, disse nas páginas da revista Família Cristã que
era possível aceitar um filho homossexual sem aceitar a
homossexualidade. “Eu aceito o meu filho, amo-o se calhar até mais,
porque sei que ele vive de uma forma que eu sei que não é natural e que o
faz sofrer.” E acrescentou: “É como ter um filho toxicodependente, não
vou dizer que é bom.” Esta frase provocou o habitual incêndio das redes
sociais e dezenas de queixas na Ordem dos Psicólogos, que emitiu um
comunicado onde recorda que nas suas intervenções públicas os psicólogos
estão obrigados a “observar o princípio do rigor e da independência,
abstendo-se de fazer declarações falsas ou sem fundamentação
científica”. De seguida, a Ordem anunciou ir participar o caso ao
Conselho Jurisdicional por considerar tais declarações “de extrema
gravidade”.
Cá está – um piscar de olhos e já se foi longe demais.
A opinião que eu tenho em relação às declarações de Maria José Vilaça é
igual à dos indignados: discordo profundamente dela e acho a comparação
entre um filho homossexual e um filho toxicodependente de uma
infelicidade extrema. Parece-me, por isso, perfeitamente natural que as
pessoas manifestem a sua discordância pública em relação à senhora e que
as redes sociais se incendeiem, como de costume. Nada contra até aqui.
Tudo contra a partir daqui: há um momento, altamente desagradável, mas
cada vez mais recorrente, em que se passa do direito de discordar para o
desejo de despedir. As pessoas deixam de se limitar a criticar Maria
José Vilaça por ter dito uma tontice, e a rebater a sua opinião com
argumentos sustentados, e passam a defender que ela deve ser silenciada e
proibida de exercer a sua profissão porque, pelos vistos, hoje em dia
não se pode ser psicólogo e ao mesmo tempo considerar a homossexualidade
uma prática “não natural”.
Mas será que não se pode mesmo? É que
se não se pode, como a Ordem dos Psicólogos parece defender, se passou a
ser uma coisa tão inadmissível como a prática da lobotomia para curar
doenças mentais, então há aqui uma notícia muito maior do que as
declarações de Maria José Vilaça, e que está tristemente a passar ao
lado da comunicação social. A primeira frase de todos artigos sobre este
tema deveria ser esta: “A Ordem dos Psicólogos Portugueses defende que
um católico que aceite os ensinamentos da Igreja em relação à
homossexualidade não tem condições para ser psicólogo e deve abandonar
de imediato a sua profissão.” Esta é a notícia, meus senhores. Mandem
imprimir, enviem para o Vaticano e informem o Papa Francisco.
Guardemos
a mordaça e lembremos os ensinamentos do bom e velho Stuart Mill: nunca
devemos impedir de falar as pessoas que acreditamos estarem erradas. Ao
exporem as suas ideias, temos uma excelente oportunidade para as
rebater e mostrar aos outros a superioridade dos nossos argumentos.
Infelizmente, é cada vez menos isso que estamos a fazer. A linha entre o
confronto de ideias e o silenciamento de ideias está a ser ultrapassada
vezes sem fim, criando uma pressão insustentável sobre quem pensa
diferente de nós. Depois espantamo-nos que as pessoas mintam nas
sondagens sobre a sua orientação de voto e acabem a colocar a cruzinha
em Donald Trump quando ninguém está a ver. Numa sociedade livre, a
resposta a quem diz parvoeiras não é “cala-te!”. É, isso sim, “que
argumentos tens para defender tamanha parvoíce?”.
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* Colunista do jornal português: O público
Fonte: https://www.publico.pt/sociedade/noticia/pode-um-psicologo-ser-catolico-1751131
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