André Gonçalves Fernandes*
Num
estado de direito, a ideia de tribunais independentes e imparciais
assume-se, hoje, como direito fundamental e indisponível. O acesso aos
tribunais judiciais apela a um efetivo direito ao pronunciamento
judicial de um justo concreto e isso suscita a questão da
disponibilidade de um profissional dotado de uma formação de elevado
nível.
O
tradicional mercado de lides que o cidadão sempre resolveu na justiça é
hoje confrontado por um fenômeno de diversificação, senão mesmo de
mutação a novas questões que exigem respostas novas e ousadas para a
superação das inúmeras iniquidades sociais. São novos problemas,
fundados em desigualdades sociais e econômicas, multiculturalismo,
espaço público para o fenômeno religioso, emergência de problemas
ambientais, incremento da segurança pública, pluralismo de visões e
cultura de gênero.
Hoje,
o debate sobre o papel dos juízes na sociedade exige que a formação do
juiz fique atenta às agendas da discussão política sobre a reforma do
sistema de justiça, sobretudo na tripla perspectiva do acesso, da
qualidade, da eficácia. No primeiro caso, um quadro de consolidação; no
segundo, pouca atenção e, no terceiro, a tônica das cúpulas dos
tribunais.
O
debate sobre o papel da jurisdição sugere que se consolide e, ao mesmo
tempo, ultrapasse-se o domínio paroquial do exercício da função
judicial. Exige-se, do magistrado, uma abertura ao mundo e uma
insatisfação permanente no exercício da função.
Para
tanto, será necessária uma formação aprofundada, diversificada e apta a
encarar o grau de complexidade do mundo, comprometida com um conjunto
de valores e direitos fundamentais dos cidadãos que reclamam ainda por
efetivação, aberta aos desafios decorrentes do pluralismo jurídico e, ao
cabo, disposta à assunção dos riscos de uma magistratura culturalmente
esclarecida.
A
amplitude desta exigência só é compatível, no entanto, com uma
permanente formação, a ultrapassar, por isso, algumas perspectivas
estáticas que, sobrevalorizando a questão da formação de juízes apenas
no acesso ao exercício da função, omitem a relevância daquele viés
formativo.
Num
quadro absolutamente globalizado, o juiz local é um juiz do mundo, onde
a multiplicidade dos problemas suscitados à decisão são inelutáveis,
mas sempre condicionados pela afirmação de que são os juízes o último
penhor do funcionamento correto e justo das instituições. Afinal, a
formação do magistrado é para educá-lo integralmente para se decidir
prudencialmente.
Preservar
uma cultura de independência e de imparcialidade nas instâncias
judiciais é o que se exige dos demais poderes. Atuar na direção de uma
cultura de comprometimento com um quadro de necessária efetividade dos
direitos fundamentais é o que devemos exigir dos juízes e tribunais.
Neste
século XXI, os magistrados devem estar atentos à uma abertura rumo à
compreensão das inúmeras tramas de uma sociedade plural, complexa e
fragmentada, na qual a argumentação, a retórica e a lógica são elementos
relevantíssimos no processo de aceitação e legitimação da própria
função judiciária. Uma jurisdição independente, zelosa da efetividade
dos direitos fundamentais e focada no justo concreto das relações
sociais é condição necessária para a vitalidade de nossa democracia, tão
combalida em seus valores fundantes.
Mas
não é só. Mesmo sendo independentes e imparciais, se os juízes não
assumirem, ao lado de uma elevada formação integral, um alto padrão
ético de conduta, isso poderá prejudicar não apenas a imagem de
independência e de imparcialidade da judicatura, mas, principalmente,
comprometer seriamente a confiança da comunidade na integridade
judicial. Estas são as reflexões que deixo aqui para meus cento e doze
colegas de concurso e que hoje completamos dezenove anos em que entramos
pela porta da frente do Poder Judiciário. Corrijo. Cento e dez. Marcelo
e Cinthia já estão sob a jurisdição divina há algum tempo. Não precisam
mais refletir sobre mundanidades. Com respeito à divergência, é o que
penso.
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*André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)
*André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)
Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 09/11/2016, Página A-2, Opinião.
Fonte: http://ife.org.br/juizes-para-o-seculo-xxi-andre-fernandes/acesso 13/11/2016.
Imagem da internet
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