domingo, 13 de novembro de 2016

Juízes para o século XXI

 André Gonçalves Fernandes*
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Num estado de direito, a ideia de tribunais independentes e imparciais assume-se, hoje, como direito fundamental e indisponível. O acesso aos tribunais judiciais apela a um efetivo direito ao pronunciamento judicial de um justo concreto e isso suscita a questão da disponibilidade de um profissional dotado de uma formação de elevado nível.
 
O tradicional mercado de lides que o cidadão sempre resolveu na justiça é hoje confrontado por um fenômeno de diversificação, senão mesmo de mutação a novas questões que exigem respostas novas e ousadas para a superação das inúmeras iniquidades sociais. São novos problemas, fundados em desigualdades sociais e econômicas, multiculturalismo, espaço público para o fenômeno religioso, emergência de problemas ambientais, incremento da segurança pública, pluralismo de visões e cultura de gênero.
 
Hoje, o debate sobre o papel dos juízes na sociedade exige que a formação do juiz fique atenta às agendas da discussão política sobre a reforma do sistema de justiça, sobretudo na tripla perspectiva do acesso, da qualidade, da eficácia. No primeiro caso, um quadro de consolidação; no segundo, pouca atenção e, no terceiro, a tônica das cúpulas dos tribunais.
 
O debate sobre o papel da jurisdição sugere que se consolide e, ao mesmo tempo, ultrapasse-se o domínio paroquial do exercício da função judicial. Exige-se, do magistrado, uma abertura ao mundo e uma insatisfação permanente no exercício da função.
 
Para tanto, será necessária uma formação aprofundada, diversificada e apta a encarar o grau de complexidade do mundo, comprometida com um conjunto de valores e direitos fundamentais dos cidadãos que reclamam ainda por efetivação, aberta aos desafios decorrentes do pluralismo jurídico e, ao cabo, disposta à assunção dos riscos de uma magistratura culturalmente esclarecida.
 
A amplitude desta exigência só é compatível, no entanto, com uma permanente formação, a ultrapassar, por isso, algumas perspectivas estáticas que, sobrevalorizando a questão da formação de juízes apenas no acesso ao exercício da função, omitem a relevância daquele viés formativo.
 
Num quadro absolutamente globalizado, o juiz local é um juiz do mundo, onde a multiplicidade dos problemas suscitados à decisão são inelutáveis, mas sempre condicionados pela afirmação de que são os juízes o último penhor do funcionamento correto e justo das instituições. Afinal, a formação do magistrado é para educá-lo integralmente para se decidir prudencialmente.
 
Preservar uma cultura de independência e de imparcialidade nas instâncias judiciais é o que se exige dos demais poderes. Atuar na direção de uma cultura de comprometimento com um quadro de necessária efetividade dos direitos fundamentais é o que devemos exigir dos juízes e tribunais.
 
Neste século XXI, os magistrados devem estar atentos à uma abertura rumo à compreensão das inúmeras tramas de uma sociedade plural, complexa e fragmentada, na qual a argumentação, a retórica e a lógica são elementos relevantíssimos no processo de aceitação e legitimação da própria função judiciária. Uma jurisdição independente, zelosa da efetividade dos direitos fundamentais e focada no justo concreto das relações sociais é condição necessária para a vitalidade de nossa democracia, tão combalida em seus valores fundantes.
 
Mas não é só. Mesmo sendo independentes e imparciais, se os juízes não assumirem, ao lado de uma elevada formação integral, um alto padrão ético de conduta, isso poderá prejudicar não apenas a imagem de independência e de imparcialidade da judicatura, mas, principalmente, comprometer seriamente a confiança da comunidade na integridade judicial. Estas são as reflexões que deixo aqui para meus cento e doze colegas de concurso e que hoje completamos dezenove anos em que entramos pela porta da frente do Poder Judiciário. Corrijo. Cento e dez. Marcelo e Cinthia já estão sob a jurisdição divina há algum tempo. Não precisam mais refletir sobre mundanidades. Com respeito à divergência, é o que penso.
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*André Gonçalves Fernandes é juiz de direito, doutorando em Filosofia e História da Educação, professor, pesquisador, coordenador acadêmico do IFE e membro da Academia Campinense de Letras (fernandes.agf@hotmail.com)
Artigo publicado no jornal Correio Popular, edição 09/11/2016, Página A-2, Opinião.
Fonte:  http://ife.org.br/juizes-para-o-seculo-xxi-andre-fernandes/acesso 13/11/2016.
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