domingo, 13 de novembro de 2016

Michel Houellebecq: O escritor do século XXI

Juremir Machado da Silva*

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Irreverente, polêmico, provocador e talentoso, Michel Houellebecq é o mais importante escritor francês da atualidade. Enquanto espera o Nobel, que considera uma questão de tempo, agita-se como intelectual e artista. Poeta, romancista, ator, compositor, cineasta e fotógrafo, brilhou em 2016 com uma exposição de fotos no Palais Tokio, em Paris. Prêmio Goucourt de 2016, por O Mapa e o território, autor de obras-primas como Extensão do domínio da luta e Partículas elementares, tornou-se ainda mais conhecido mundialmente ao publicar Submissão, romance sobre a chegada de um muçulmano à presidência da França, com o qual estava na capa do jornal satírico Charlie Hebdo no dia em que a sua redação sofreu um ataque terrorista devastador. Palestrante pela segunda vez no ciclo Fronteiras do Pensamento, Houellebecq fez um inventário do papel do intelectual no começo do século XXI. 

Caderno de Sábado – Qual a sensação de estar pela terceira vez – a primeira foi em 1999, a segunda, em 2007 – em Porto Alegre?
Michel Houellebecq – A sensação de estar entre amigos, uma cidade com dimensão humana. Da América do Sul, eu guardo as imagens inesquecíveis da Patagônia, com suas paisagens geladas impressionantes, e uma visão turva de São Paulo, que me parece um lugar terrível para se viver. Quando desci em São Paulo, desta vez, o tempo não estava bom. Não sei se não era a poluição. Enfim, é uma cidade que não passa a impressão de acolhimento. É grande demais. Pior, pelo que vi, só a cidade do México. É um emaranhado sem fim.

CS – O que faz um escritor famoso quando não está escrevendo?
Houellebecq – Eu faço muitas coisas como se estivesse sem fazer coisa alguma. Penso, bebo, como, dou entrevistas, viajo e leio. Ando com uma vontade enorme de ter tempo para me entediar. O tédio pode ter uma importante função criativa. Como sou uma pessoa muita séria, preciso de tempo para o que faço. Sou jurado de um concurso literário da Fundação 30 Milhões de Amigos, que se ocupa de animais. Trouxe livros na mala, pois tenho a estranha mania de ler o que vou julgar. Nos júris de prêmios sempre tem um que lê os livros. É vantajoso. Permite que seja quem vai influenciar os outros. Sou tão sério que, uma vez, dei um curso e, na hora da avaliação, li todos os trabalhos que tinha de corrigir. Leio muitos autores franceses desconhecidos, jovens e velhos. Há muita coisa boa longe dos holofotes da mídia.

CS – O que acha da literatura do britânico Ian McEwan, que esteve em Porto Alegre há duas semanas e que é um autor bastante na moda?
Houellebecq – Eu já ouvi falar desse nome. Mas não o conheço. Não saberia citar um só livro dele. Como eu disse, estou muito focado na literatura francesa. Ignoro quase tudo da literatura estrangeira. Andei muito envolvido com uma edição dos Cahiers de l’Herne sobre mim. Serão 400 páginas. É algo muito prestigioso. Deve ser por isso.

CS – Como viu o prêmio Nobel da literatura para Bob Dylan?
Houellebecq – Vi com indiferença. Eu já escutei muito Bob Dylan, mas sem jamais compreender inteiramente as suas letras. Sempre gostei das interpretações, da musicalidade, do conjunto. Não sei se as suas palavras, sem a música e a interpretação, são capazes de ter valor de poesia. Acho que foi apenas uma estratégia de marketing dos suecos.

CS – A política perpassa os seus livros, especialmente o último, Submissão. Marine Le Pen será a próxima presidente da França?
Houellebecq – A polêmica do momento na França diz respeito ao presidente François Hollande. Todo mundo quer saber se ele vai concorrer a um novo mandato em 2017. Ele quer, mas não tem a menor chance, pois tem sido uma nulidade absoluta. Muitos socialistas tentam convencê-lo a não dar vexame. Nicolas Sarkozy também vai concorrer. Só que Sarkozy consegue ser menos ridículo que Hollande. Isso, claro, não é muito difícil. Marine Le Pen, da Frente Nacional, não vai ganhar. Ele vem crescendo. Só que ainda falta muito para ter os votos necessários. A política na França é um deserto enfadonho.
CS – A eleição americana dominou as atenções mundiais. Donald Trump e Hillary Clinton chamaram a atenção como personagens de ficção?
Houellebecq – Eu vi um debate entre Trump e Hillary. Não me excitou. Não aguentei até o fim. Falaram um monte de baixarias. Depois de algum tempo, ficou cansativo. Não foi nem mesmo engraçado. Um enorme vazio. Não temos, na França, ninguém parecido com Trump. O último foi Bernard Tapie, lembra dele? Era um fanfarrão arrivista que dizia ter mais dinheiro do que realmente possuía, vivia atolado em escândalos sexuais, comprou um clube de futebol e se viu, por fim, alcançado por suas armações. Trump e Hillary foram broxantes. Mas já superei.

CS – Muitos críticos consideram a sua obra sociológica demais.
Houellebecq – Gosto de ser sociológico. Nunca um escritor foi criticado por ser psicológico demais. Ao contrário, a psicologia é vista como uma qualidade. Por que com a sociologia é diferente? A verdade é que as pessoas são vaidosas e não gostam de ser objetivadas, de ser reduzidas ao meio em que vivem. Preferem pensar que são únicas e totalmente livres de influências sociais. Meus livros situam os personagens nos contextos em que vivem, onde sentem a pressão de suas posições de classe, família, trajetória, escolarização e renda. Quem nasce num meio, tem certas oportunidades. Elas não são as mesmas para todos em todos os lugares. Alguns, claro, preferem chamar isso de destino. Outros, de condicionamentos sociais. 

CS – O que se deve esperar de um intelectual do século XXI?
Houellebecq – Ideais, coragem, talento e visão de mundo. Mas intelectual é uma categoria que se consolidou na França com Voltaire e os iluministas. Um escritor não é necessariamente um intelectual. Eu não sou um. Algumas condições são fundamentais para fixar o intelectual: ter feito estudos específicos de ciências humanas, ter poder editorial, por exemplo, dirigindo uma coleção numa editora, publicar ensaios e intervir na esfera pública, com conhecimento de causa, sobre tema de interesse social e político. É uma tarefa.
CS – O Nobel virá?
Houellebecq – No devido tempo. É possível que eu morra antes.
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*Jornalista. Sociólogo. Escritor. Tradutor.
Fonte:  http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2016/11/9263/caderno-de-sabado-entrevistas-com-os-escritores-valter-hugo-mae-e-michel-houellebecq/ Caderno de Sábado, Correio do Povo impresso, 12/11.2016, pág. 5.

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