Yoshiaki Nakano*
A tragédia é que, com a ascensão da esquerda,
esperava-se que o modelo dito neoliberal
fosse reformado e não foi
A interpretação dominante das eleições de outubro é de que o povo
brasileiro deu dois recados nas urnas: de um lado, uma rejeição
dramática às ideias e à forma de governar do PT; de outro, pelo número
de abstenções, votos nulos e em branco, uma enorme insatisfação com a
nossa ordem política, inclusive com o governo de plantão depois do
impeachment da presidente Dilma. O problema que tem que ser discutido em
profundidade é o que está por trás destas manifestações tão eloquentes
do povo brasileiro nas urnas?
Para quem teve a paciência de acompanhar os debates e a propaganda dos
partidos, deve ter ficado claro que as ideias apresentadas e o conteúdo
das propostas partidárias não empolgou ninguém. É evidente, nenhum grupo
político ou partido foi capaz de apresentar ideias iluminadoras que
pudessem delinear os contornos do futuro do país e que trouxessem
esperanças para a população.
A direita, dita neoliberal, governou o país do início dos anos 90 até o
governo do PT, em 2003. Defendiam, com esgotamento do modelo de
substituição de importações, um crescimento com dependência associada,
ou seja, o Brasil só poderia crescer com entrada de capitais do exterior
e vinda de empresas multinacionais.
Com a hegemonia da plutocracia financeira nos países centrais e no
Brasil, a política se resume em atrair o capital financeiro, praticando
taxas de juros mais elevadas no Brasil do que no exterior, na crença
infundada no "mercado eficiente", que transformaria em investimentos
produtivos e daí o crescimento econômico! Evidentemente, para garantir
estabilidade, isto deve ser complementado por taxa de câmbio flutuante,
para absorver os "booms" de entrada e paradas súbitas de capitais e
outros choques vindos de fora; metas de superávit fiscal, para dar
segurança aos especuladores.
O resultado desta política foi a semi-estagnação e crises periódicas,
desde o início dos anos 90, com exceção do interregno de "boom" de
commodities. Como é possível uma economia capitalista prosperar se o
custo do capital é superior ao retorno do investimento produtivo e a
taxa de câmbio é volátil e imprevisível?
Este modelo implantado pela direita conservadora, por definição, não
poderia propor reformas estruturais, daí um neoliberalismo capenga que
mantém intacto um Estado superburocrático. Isso impõe um pesado custo
Brasil e emperra o ambiente de negócios. Privatizou-se, mas as
estruturas de controle burocráticas não foram eliminadas. Ao contrário,
burocratizou-se até as agências reguladoras, emperrando a execução de
qualquer projeto, público ou privado.
De outro lado, a esquerda brasileira, que assume com Lula, continuou
presa ao pensamento predominante de antes do colapso do sistema
soviético. Na sua essência, a esquerda tem crença religiosa de que
defende uma causa nobre, os direitos sociais do pobres e minorias, e
isso justificaria utilizar qualquer instrumento para alcançá-los. O
mensalão; esquemas de corrupção com as empreiteiras; contabilidade
criativa, inclusive a não observância de lei orçamentária são exemplos.
Ela acredita que o controle do Estado com intervenções discricionárias
poderá resolver todos os problemas políticos, econômicos e sociais.
Na prática, incitou e mobilizou grupos sociais minoritários e de
interesses especiais, por se organizarem politicamente mais facilmente, a
reivindicar seus "direitos". Daí a proliferação de vinculações de
despesas às receitas, as indexações de despesas e outras formas de
apropriar, por lei ou pela constituição, uma parcela do PIB.
Esta defesa dos "direitos", isto é a apropriação de uma parte do PIB,
faz com que o controle dos gastos governamentais seja interpretado como
uma perda de direitos adquiridos. Neste processo, não se fala em
contrapartida de obrigações ou interesses da coletividade. Ironicamente,
a esquerda brasileira é conservadora, é contra mudanças e defende o
status quo.
Este tipo de pensamento leva à rejeição da lógica e da ciência
econômica, enquanto conjunto de proposições com correspondência nos
fatos, devidamente contextualizados, por sentenças genéricas ou
axiomáticas que são aceitas por ato de fé. É inacreditável, mas muitos
economistas de esquerda defendem que não existe um problema fiscal no
Brasil. O problema não está nas despesas, mas do lado da receita porque a
economia não cresce. Para retomar o crescimento bastaria expandir os
gastos de governo, que estimulariam a demanda agregada e o crescimento!
Hoje estes "direitos" e despesas obrigatórias definidos na Constituição
já fazem com que os gastos do governo superem as receitas em mais 10% do
PIB. Se o "status quo" for projetado para o futuro, em alguns anos a
dívida pública ultrapassaria 100% do PIB. É esta perspectiva que criou
uma grave crise de confiança e queda nos investimentos desde 2014.
A tragédia brasileira é que, com a ascensão da esquerda, era de se
esperar que o modelo dito neoliberal fosse reformado. Mas na pobreza
absoluta de novas ideias e prisioneira de velhos dogmas, nada disso
aconteceu. Agora com o novo governo, a pobreza intelectual continua.
Para retomar o desenvolvimento é preciso muito mais.
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* Yoshiaki Nakano, com mestrado e
doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de
Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)
Fonte: Jornal Valor Econômico: http://www.valor.com.br//opiniao/4768553/pobreza-de-ideias 08/11/2016
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