Octávio Carmo*
É a palavra do ano 2016 para os dicionários britânicos Oxford. Vale a
pena parar pensar na definição de 'post-truth', adjetivo que diz
respeito a “circunstâncias em que os factos objetivos têm menos
influência na formação de opinião pública do que os apelos emocionais e
as opiniões pessoais".
Do ponto de vista jornalístico, estamos a falar de um desastre.
Objetivamente. Se, como se lia numa vinheta satírica, o vencedor não for
determinado por quem dá a resposta correta mas por quem grita mais alto
e mais rápido, mesmo que esteja errado, os factos não valem nada.
É preocupante, por isso, que no debate público se valorize cada vez
mais o volume em detrimento do conteúdo, o ruído em vez da substância e
as circunstâncias em vez da verdade. E escusamos de apontar o dedo: nas
nossas próprias navegações pelas caixas de comentários ou pelas redes
sociais, mais do que uma vez teremos cedido à tentação da indignação
cega, mais interessada em desqualificar o outro do que em debater
argumentos e opiniões fundamentadas.
A pós-verdade aparece muitas vezes de braço dado ao insulto. Não
interessa se os argumentos são falsos. Se os factos contradizem o que se
diz. Nada se sobrepõe, aparentemente, ao direito à indignação, mesmo ao
disparate. Contradizer factos? Para quê? Só é necessário valorizar as
emoções e as opiniões pessoais…
Não posso deixar de pensar nisso quando algumas figuras políticas se
lembram de responder a trabalhos jornalísticos após estes terem sido
publicados, sem que antes tenham manifestado qualquer intenção de
atender às solicitações de quem os interpelava. Ou pior, quando as redes
sociais se inundam de comentários desumanos, cruéis, absurdos, perante
dramas alheios. Se a humanidade pós-verdade for algo parecido com isto,
estamos claramente a ir por um mau caminho.
Permitam-me uma nota final para evocar as vítimas da queda do avião que
transportava a equipa da Associação Chapecoense de Futebol para o maior
jogo da história do clube. Morreram muitas pessoas, incluindo muitos
colegas de profissão que, por certo, estariam entusiasmados com a
oportunidade de acompanhar este evento. Respeitaremos a sua memória.
Foi sensível e respeitadora a reação da Igreja Católica a esta
tragédia, na plena compreensão de que o futebol nunca é “só futebol”.
#ForçaChape.
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Octávio Carmo. Editor da Agência Eclesia/Portugal. http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/editorial/posverdade/
Do Blog: "Entramos na era da pós-verdade e do pós-fato, em que a verdade não é
falsificada, ou contestada, mas de importância secundária. A campanha de
Donald Trump nos Estados Unidos, a popularização dos enunciados
criacionistas e da cura gay anunciados pelos parlamentares-pastores no
Brasil, a campanha jurídico-midiática que produziu o impeachment, o
repertório memético da direita e da esquerda, transformam questões
complexas em evidências instantâneas, em sentimentos, preconceitos,
caricaturas que podem ter apenas um efeito irônico e cômico ou podem, em
uma campanha política ou de difamação, serem devastadores e destruir
reputações, campos e a credibilidade de grupos inteiros." (Para ler o texto completo, aqui:http://revistacult.uol.com.br/home/2016/10/a-memetica-e-a-era-da-pos-verdade/)
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