O presidente preside, a oposição se opõe, a imprensa reclama Antonio Cruz/Agência Brasil
É inteligente pedir frieza diante da natural radicalização política
A sabedoria política diz que o
eleitor sai de casa no dia da eleição não principalmente para eleger
alguém, mas para derrotar. Se não dá para generalizar de modo absoluto, a
coisa tem algum fundamento. Colhe o sucesso na urna quem, além de
despertar o amor nos seus, sabe alimentar o ódio ao adversário. Daí que
os apelos por uma política sem ódio acabem caindo no vazio, explícita ou
implicitamente. Coisa de gente ingênua, ou esperta demais.
De vez em quando aparece um candidato “paz e amor”, como Luiz Inácio
Lula da Silva em 2002 ou Barack Obama em 2008. Cuidado, porém: mesmo o
postulante que não odeia explicitamente precisa que alguém, ou muitos,
odeiem por ele. Lula colheu o fruto eleitoral de anos de ataques do PT
ao tucanismo de Fernando Henrique Cardoso. E a eleição de Obama foi sem
dúvida uma revanche contra o odiado governo de George W. Bush e suas
guerras. Sem esquecer o ódio dos negros contra a discriminação. E sem
falar na raiva do povão por causa da crise econômico-financeira
desencadeada com a quebra do Lehman Brothers.
A política dita “civilizada” não elimina o ódio de raízes ancestrais e
costumeiramente de características tribais. Apenas dá um jeito de as
disputas serem resolvidas sem (muito) sangue. Aí diz-se que “as
instituições estão funcionando”. Atenção: essa funcionalidade
institucional não supõe necessariamente justiça, no mais das vezes
apenas permite que a injustiça prevaleça de um jeito que não inviabilize
que as coisas continuem rodando na normalidade.
Política “civilizada” não elimina o ódio, apenas dá um jeito de as disputas serem resolvidas sem (muito) sangue
Mas do que depende esse “funcionando”? Alguns nutrem a crença no
sistema ideal, que vacinaria as sociedades contra o vírus da solução
violenta dos conflitos. Certas vezes é chamado de estado de direito.
Trata-se de um fetiche. Pois esse “estado” nada mais é que relações
sociais, portanto entre pessoas, materializadas num papel. Ou num PDF.
Mais provável é que a taxa de “civilização” resulte do grau de
equilíbrio de forças propensas à destruição mútua.
Aqui você poderá dizer que o bom estado de direito tem a qualidade de forçar esse equilíbrio. E terá alguma razão.
Desde o surgimento das armas nucleares fala-se em “equilíbrio do
terror”. O custo de romper o equilíbrio não compensa, pois muito
provavelmente a ruptura levaria à destruição mútua. Parece ter sido o
caso do impeachment de Dilma Rousseff. Para o PSDB e o PMDB (hoje MDB), o
custo de remover o PT do poder foi alto demais, sabe-se agora.
Acontece. Errar é humano. Mas, sempre lembrando o Conselheiro Acácio, é
inevitável as consequências virem depois.
São inteligentes as vozes que pedem frieza diante da natural
radicalização política. Talvez não pareça, mas agem cautelosamente o
governo, quando aceita que tem de negociar com o Congresso, e a
oposição, quando recusa embarcar numa nova empreitada de impeachment. A
situação hoje é de equilíbrio. O presidente preside, a oposição se opõe,
a imprensa reclama. E as melancias vão se ajeitando na carroceria do
caminhão conforme os solavancos da estrada.
E quando a poeira baixa está todo mundo aí. No jogo. Melhor deixar correr assim.
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* Jornalista e analista político e de comunicação na FSB Comunicação.
Publicado em VEJA de 11 de março de 2020, edição nº 2677
Fonte: https://veja.abril.com.br/blog/alon-feuerwerker/as-melancias-e-o-caminhao/
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