Em conjunto, a multidão acerta mais que os especialistas
Francis Galton (1820-1911), além de ser um dos pais da
estatística, achava que inteligências privilegiadas deveriam tutelar o
povaréu. Um belo dia, em uma feira pecuária, deu de frente com um
concurso para ver quem adivinhava o peso de um boi lá exposto. Palpitava
a multidão, e faziam suas estimativas os profissionais da carne. Sempre
curioso, Galton anotou as apostas e analisou os resultados. Surpresa: a
média das previsões estava extraordinariamente próxima do peso real. E a
maioria dos peritos não adivinhava com a mesma precisão. Ou seja, em
conjunto, a multidão acertava mais que os peritos. Era exatamente o
oposto do que ele esperava.
Será que as multidões sabem mais do que os experts? Curiosamente, há situações em que isso é verdade, sim.
Na busca de um submarino afundado perto da Austrália, com poucas
pistas para seguir, foi feita uma consulta aberta a quem quisesse
palpitar. O lugar geométrico dos pontos sugeridos por muitos voluntários
estava espantosamente próximo do ponto onde foi encontrado o barco.
Leigos, em conjunto, superaram os peritos.
“Peça a um leigo que preveja a trajetória de uma partícula subatômica. Ele nem entenderá a pergunta”
Milhares de pessoas apostam nas corridas de cavalos, sem grandes
conhecimentos e com base nas conjecturas mais variadas. Observou-se que
os cavalos favoritos nas apostas têm muito mais probabilidade de vencer.
De onde a multidão tirou a sabedoria para adivinhar quem serão os
ganhadores? Há apostas abertas nos vencedores dos prêmios Oscar. Por que
será que apostadores leigos acertam tanto quanto críticos de cinema,
profissionais no assunto?
Algum espírito de porco descobriu que, apesar de seus salários
sobejamente avantajados, os administradores de fundos de investimento
acertam tanto quanto as velhinhas aposentadas.
Quer dizer que não vale a pena gastar anos estudando se as previsões
serão piores que as da multidão? Erradíssimo. Foi-se o tempo em que o
velhinho, depois de observar as nuvens e andorinhas, previa o clima
melhor do que o serviço de meteorologia.
Peça a um leigo que preveja a trajetória de uma partícula subatômica.
Ele nem entenderá a pergunta. Tampouco poderá dizer algo inteligente
sobre as causas da contaminação na Cervejaria Backer. Ou sobre a
natureza do coronavírus. E, se 1 milhão palpitar, as adivinhações
continuarão igualmente desencontradas.
Não se trata de crucificar o perito nem desdenhar a sabedoria do
povão. Temos de saber quando a estimativa de um tem mais solidez que a
do outro. Quando conhecimentos técnicos são precondições para palpitar, o
povaréu nada tem a dizer. Mas o julgamento dos peritos será mais
confiável apenas se o conhecimento técnico for realmente vital para a
previsão. E mais: sejam especialistas ou a multidão, se há ampla
comunicação e algumas lideranças têm o poder de influenciar os outros,
degradam-se as previsões. Com efeito, descobriu-se que a independência
de cada um e a diversidade do grupo são essenciais no processo.
Estamos diante de um enigma fascinante e sério. Peritos ou multidões
fazem melhores previsões sobre o mundo? Como dito, depende. Lamento ser
uma resposta evasiva. Vale a pena ler o livro A Sabedoria das Multidões,
de J. Surowiecki, publicado em 2004.
----------------------
* Economista brasileiro. Graduado em Economia pela Universidade
Federal de Minas Gerais, é mestre pela Universidade Yale e doutor pela
Universidade Vanderbilt.
Publicado em VEJA de 11 de março de 2020, edição nº 2677
Fonte: https://veja.abril.com.br/blog/claudio-moura-castro/o-perito-ou-o-povao/
Nenhum comentário:
Postar um comentário