Juremir Machado da Silva*
Cientistas anunciam fim da morte
Estou refazendo meus planos. Eu tinha calculado viver até por volta de
2050, encerrando meu ciclo terreno ou terrestre com 88 anos. Eis que chega a
novidade: segundo dois pesquisadores, seremos imortais a partir de 2045.
Preciso recalcular a minha aposentadoria complementar. A morte da morte,
conforme os especialistas, só não será completa por três exceções:
assassinatos, suicídios e acidentes. Será que o INSS vai querer rever todas as
aposentadorias exigindo mais tempo de trabalho dos imortais? Quanto tempo? Como
fechar essa conta?
Sempre que penso na imortalidade, especialmente na minha,
não a do Grêmio, que chegará em boa hora, não consigo resolver o problema dos
novos nascimentos: como manter uma taxa de natalidade razoável para a renovação
da vida e dos vizinhos sem a desocupação do espaço pelos mortos? Em outras
palavras, como acomodar todo mundo ao mesmo tempo? Não sei. Tenho a impressão
de que os neoliberais recorrerão ao STF contra a imortalidade alegando que irá
promover um inchaço do Estado. Pode-se, claro, olhar pelo lado positivo e
pensar em quantos postos de trabalho serão criados no atendimento à milésima
idade e depois.
O leitor pode achar que estou brincando. Nada disso. A
notícia sobre a imortalidade a partir de 2045 é de José Luís
Cordeiro e David Wood no livro "A morte da morte: a possibilidade
científica da imortalidade" (editora LVM). Haverá regra de transição para
quem estiver pela hora da morte em 2044? Não seria justo morrer um mês antes da
grande virada. A verdade é que a coisa está esquentando e vamos acabar vivendo
muito mais, se não for para sempre. A questão é: para fazer o quê? Imagino o
leitor pragmático dizendo na lata: não importa, primeiro a gente vira imortal,
depois vemos o que fazer da vida.
Tenho tanta coisa planejada que a imortalidade me daria
tempo de realizar ao menos a metade do que pretendo fazer. Falando sério, como
se dará o uso do tempo livre da imortalidade numa sociedade pós-trabalho? Haja
Netflix e campeonatos de futebol. O trabalho, como se sabe, ou só não sabem os
preguiçosos, é estruturante. Além de garantir, ou quase, os meios de
subsistência, organiza a vida das pessoas com horários, obrigações, metas,
uniformes, ideologias, festas de firma e outras modalidades de administração da
mente vadia dos indivíduos. O trabalho não é apenas a venda de uma força
produtiva, mas também um sistema de hierarquia social e de controle da energia
coletiva.
A morte também não deixa de ser estruturante. Durante
muito tempo, as guerras promoviam as mortes necessárias para evitar desemprego.
Era um sistema eficiente. De quebra, fornecia material para bons romances e
filmes. Há todo um mercado em torno da morte. Se a imortalidade vier, e virá,
talvez se faça acompanhar da possibilidade de fazer viagens a outros planetas
habitados. Nunca mais fui o mesmo desde que soube disto: “cerca de uma a cada
cinco estrelas da nossa galáxia contém um planeta rochoso com tamanho similar
ao da Terra”. Temos cem bilhões de estrelas na galáxia. A imortalidade vem aí.
Espero que seja com
alternância no poder.
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* Jornalista. Escritor. Prof. Universitário Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/%C3%A0s-portas-da-imortalidade-1.403784 - 07/03/2020 - Imagem da Internet
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