Juremir Machado da Silva*
O homem é menor do que o vírus?
Aqui estamos, outra vez, diante da nossa infinita pequenez.
De repente, um vírus surgido numa cidade distante, desconhecida até
então da maioria de nós, para o nosso mundo, reduz a nossa velocidade,
freia a nossa dinâmica, obriga-nos a recuar para nossos espaços mais
íntimos. Um inimigo invisível impõe toque de recolher ao planeta. Como
se defender dele? A bomba atômica nada pode contra esse poderoso
adversário. Os prêmios Nobel só podem nos mandar lavar bem as mãos.
Ninguém está a salvo. Nem mesmo o homem mais poderoso do mundo. O
mercado, entidade onipotente, vê-se combalido, obrigado a dobrar-se.
Um
livro esquecido, “A peste”, do grande Albert Camus, ressurge do passado
para semear reflexão e distrair-nos da nossa angústia. Os
comportamentos tendem a repetir-se ao longo do tempo: fugir, estocar
alimentos, temer o outro, proteger-se do estranho, evitar contato.
Algumas medidas são necessárias. Outras, terríveis, apenas expressam o
medo que se espalha. Por quanto tempo podemos ficar em casa? A indústria
do entretenimento, aparentemente inabalável, cancela os seus eventos.
Nada de Fórmula 1, de Liga dos Campões, de salões de automóvel, de
aglomerações de qualquer ordem. Máscaras e álcool gel desaparecem das
prateleiras. Na crise, se a maioria perde, alguns ganham. O mercado tem
sua sobrevida no turbilhão das piores ameaças.
Sobrevivemos
tantas vezes, pensamos. Sairemos também desta. O terrível é saber que
não sabemos onde o inimigo está. Numa maçaneta? Num corrimão? Sobre uma
mesa? Todas as dúvidas multiplicam-se. Transformados em crianças,
tememos esses fantasmas que nos espreitam. Nos momentos mais tensos, na
solidão dos nossos pensamentos ou nas conversas com os mais próximos,
deixamos escapar o grande temor:
– Escaparemos?
Tomadas
as providências, acabamos por pensar que o ocaso, também chamado de
sorte, terá de nos proteger. Reflexos antigos reaparecem querendo
reforçar velhos preconceitos. Ouve-se que “chinês é sujo”. Tenta-se
apontar um culpado. Numa época paradoxalmente em que sempre deve existir
um responsável, com o fim da noção de fatalidade, a quem
responsabilizar? A quem reclamar? De quem se queixar? Dizer isso não
significa ignorar a negligência que explica muitos dramas. Ou a
desonestidade. O coronavírus está noutro patamar, o da hiperdimensão.
Tudo ganha uma dimensão incomensurável a partir de um microrganismo. A
nossa dimensão de humanos tentando controlar a natureza também se vê
afetada. Descobrimos que nosso arsenal de conhecimentos é precário.
Só
a ciência, porém, pode salvar-nos. É a corrida pelo remédio e pela
vacina. Enquanto as bolsas desabam e fronteiras são fechadas, cientistas
trabalham incansavelmente. Deles depende o futuro. Em tempos de
terraplanismo e de contestação das vacinas, só a ciência pode realmente
estancar o pânico e jugular o vírus. Não avançamos em linha reta para o
fim dos conflitos e dos perigos. Há momentos em que parecemos voltar à
Idade Média. Em alguns aspectos, nunca saímos dela. Talvez o vírus nos
deixe uma lição: somos muito pequenos e frágeis.
-----------
* Jornalista. Prof. Universitário. Colunista do Correio do Povo. Escritor.
Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/coronav%C3%ADrus-e-fragilidade-humana-1.405858
Nenhum comentário:
Postar um comentário