Luiz Roberto Serrano*
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“Uma parte essencial de qualquer ação bem-sucedida dos Estados
Unidos é o entendimento por parte do público da essência do problema e
dos remédios a serem aplicados. Não é momento para paixões políticas e
preconceitos”[1].
“Os atos grandiosos dos estadistas se baseiam no realismo não menos do que no idealismo”[2].
“Os atos grandiosos dos estadistas se baseiam no realismo não menos do que no idealismo”[2].
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Tem-se dito que a covid-19 jogou a humanidade na maior crise desde a Segunda Guerra Mundial.
Ao se aceitar como verdadeira esta afirmação, é preciso fazer outra
constatação: durante e após a Segunda Guerra o mundo tinha grandes
lideranças, goste-se ou não delas ou de alguma em particular: Franklin
Delano Roosevelt, que morreu em 1945, Winston Churchill, Charles de
Gaulle, Josef Stalin.
Empresários aparentemente esclarecidos têm falado, também, que para
evitar que o Brasil afunde econômica e socialmente com a covid-19 é
preciso que o governo brasileiro lance um Plano Marshall.
O secretário de Estado dos EUA, George Marshall, liderou a elaboração
e implantação do plano que leva seu nome, voltado para financiar a
reconstrução da Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial. Num
quadro de miséria e descontentamento, os países europeus ocidentais
encaravam graves problemas sociais, sendo que à leste, vinha da União
Soviética o aceno de que sistemas socialistas poderiam ser um remédio
para a crise. Sim, o Plano Marshall teve como destacada inspiração
combater e afastar essa possibilidade.
Motivações à parte, coloca-se uma questão em relação à contenção da
pandemia atual, que ameaça populações e desorganiza economias.
As duas condições colocadas nas citações que abrem este texto –
ausência de paixões políticas e preconceitos e realismo e idealismo –
estão presentes nas atuais lideranças mundiais?
A China, a segunda potência global, poderia ter agido mais
rapidamente do que o fez, não fosse seu regime político tão fechado? O
quanto a covid-19 poderia ter sido freada nos EUA, a primeira potência,
se o presidente Donald Trump tivesse desde logo levado a sério o mal,
não se deixasse levar por suas inacreditáveis concepções de mundo? E o
que aconteceu na Itália, tão bonita e charmosa, que se deixou
surpreender de uma forma que deixa o resto do mundo espantado?
Nosso Brasil não escapa desse quadro, pois o presidente Bolsonaro
parece não entender a complexidade e a gravidade do problema, o ministro
da Economia, Paulo Guedes, se aferra em segurar uma economia que ameaça
não se sustentar, e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o
único a mostrar discernimento, vê sua atuação restringida por parceiros
de visão curta. Sem falar das desnecessárias disputas e alfinetadas
entre os poderes, que só anuviam o ambiente. Providências estão sendo
adotadas, mas tardiamente e sem a dimensão necessária.
A pandemia da covid-19 tem raízes muito além do aparecimento de um
novo vírus de vocação global. Há quanto tempo se brada a necessidade de
serem tomadas medidas contra o aquecimento global e os passos
necessários são obstaculizados por teorias estapafúrdias que defendem
ferrenhamente os interesses de indústrias poluidoras secularmente
estabelecidas? A ciência e as universidades nunca foram tão atacadas em
todo o mundo, Brasil inclusive, porque suas pesquisas, investigações,
estudos, propostas e ideias apontam soluções que mostram novos caminhos
que incomodam os aferrados a tradições imobilistas. Nos sistemas de
representação política ganham cada vez mais espaço os defensores de
ideias mais do que conservadoras, na verdade retrógradas.
Como substrato de tudo isso, está a globalização, esse fenômeno
econômico e social irreversível, com potencial para integrar e
confraternizar as sociedades mundiais, mas cujos ônus, que também
existem, provocam incompreensões, temores, recrudescimento de
nacionalismos por toda parte – alimentados por essa incrível tecnologia
que é a internet e suas redes sociais, que infelizmente abriu espaços
enormes para as famigeradas e destrutivas fake news.
É verdade que na globalização saíram e estão na frente, como sempre,
os países economicamente mais desenvolvidos, pois historicamente já
dominavam mercados pelo mundo afora, mas a China está aí para servir
como exceção a essa regra. Será impossível a países democráticos e em
desenvolvimento seguir a senda por ela aberta, ao invés de patinar no
atraso econômico e na desigualdade social?
Esse é o caldo de cultura em que viceja uma pandemia como a da
covid-19. O caldo de cultura que possibilita que um vírus em mutação em
algum canto do mundo provoque uma pandemia que põe em risco a sociedade
global.
Vingança da natureza?
Aqui no Brasil, o Plano Marshall que se faz necessário não precisa de
nome nem alcance semelhantes. Antes de mais nada, é preciso dar
prioridade às medidas de combate à pandemia pois a saúde e a vida das
pessoas, especialmente as dos menos favorecidos, devem ser a prioridade
um, dois e três. Quanto à economia, que precisa de enorme atenção, pois a
produção de riquezas está travada, é preciso atender primordialmente ao
mundo do trabalho, formal e informal, não apenas às empresas e ao
sistema financeiro.
Para que o País volte a funcionar depois da crise, a sociedade terá
que estar minimamente saudável e articulada. O teto de gastos, esse
truque contábil desenhado para gerar confiança nos investidores
internacionais, perde o sentido diante do estrago econômico e social que
a covid-19 poderá causar.
A principal lição que se deve tirar desta triste crise – espero que
acabe o mais rápido possível – é que é hora de compreender o papel do
Estado e da iniciativa privada no desenvolvimento do Brasil. A eterna
discussão dessa equação prende o País no atoleiro de um crescimento
medíocre e injusto.
O Brasil precisa de um Estado eficiente que cuide de saúde, educação,
habitação e segurança e, especialmente, induza à estratégia de
desenvolvimento econômico. Cabe à iniciativa privada investir e
desenvolver um mercado forte e de amplo acesso aos consumidores de todas
as faixas de renda. Tudo bem calçado em legislações que gerem segurança
jurídica e horizonte de longo prazo.
Com um Estado eficiente teríamos um Sistema Único de Saúde (SUS)
financeiramente capacitado para atender amplamente à população numa
pandemia como a atual ou pelo menos melhor do que neste momento, para
não dizerem que estou sendo utópico.
[1] Do discurso do secretário de Estado dos EUA, George Marshall, na Universidade de Harvard, em 5 de junho de 1947.
[2] Do livro The Marshall Plan: Dawn of the Cold War, de Benn Steil (Simon & Schuster Paperbacks, 2019).
----------* Jornalista e superintendente de Comunicação Social da USP
Fonte: https://jornal.usp.br/artigos/um-plano-marshall-onde-estao-os-lideres/ 24/03/2020
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Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
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