quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Populismo, sintoma da crise democrática

 

Editorial

Não se pode reduzir líderes populistas e seus e eleitores a inimigos ‘fascistas’. Mais importante que isolar e punir os demagogos é responder às demandas legítimas de quem os apoia

16 de novembro de 2022 

O populismo – ou seja, todo movimento político baseado na ideia de um povo “genuíno” necessitado de um líder forte para libertá-lo da opressão das elites “corruptas” – é causa e sintoma da crise das democracias. O problema das reações liberais é que frequentemente superestimam o populismo como causa e o subestimam como sintoma, consumindo recursos na desmoralização da “oferta” populista, enquanto sua “demanda” é negligenciada.

Os impactos dessa oferta têm sido amplamente denunciados: os populistas enfraquecem as instituições republicanas e os freios ao Poder Executivo, exacerbando a polarização e tornando as pessoas mais tolerantes aos abusos dos princípios democráticos desde que os “inimigos” do povo sejam punidos.

Sem dúvida é preciso se opor a essas táticas. Mas muitos liberais creem que essa oposição consiste em mimetizar a retórica populista ou disparar ataques frontais, desqualificando líderes e eleitores populistas como “imbecis”, “dementes” ou “perversos” e clamando pelo seu ostracismo, quando não sua criminalização. Essa estratégia só intensifica a polarização maniqueísta, e frequentemente reforça a paranoia populista contra um “cartel” das elites políticas, econômicas e midiáticas.

Mais eficazes são abordagens que busquem revigorar instituições guardiãs de direitos fundamentais, a imprensa independente ou a educação cívica. Mas, como alegam os autores de Populism, C. Mudde e C.R. Kaltwasser, “mais importante, dado que o populismo frequentemente faz as perguntas certas, mas provê as respostas erradas, é que o objetivo último não seja só a destruição da oferta populista, mas, sobretudo, o enfraquecimento da demanda populista”.

Como apontou o articulista Martin Wolf no Financial Times, “a linha comum de todos esses movimentos é uma rejeição à elite ocidental contemporânea e à síntese de democracia liberal, governança tecnocrática e capitalismo global que ela promoveu”. Que as alternativas propostas pelos populistas sejam iliberais e simplistas, não significa que a insatisfação de seus eleitores não seja legítima. Ao contrário: a “síntese” falhou em muitos aspectos, e as hostilidades às elites são em parte consequência de sua incompetência e ganância.

Mas os liberais têm sido complacentes com as disparidades sociais, a má qualidade dos serviços públicos ou a concentração do poder econômico. Ao invés de simplesmente depreciar o eleitorado populista como “fascista” ou uma “bando de deploráveis”, eles precisam buscar uma genuína empatia com suas ansiedades e revoltas. Eles devem admitir que um novo contrato social é necessário, e empregar seu arsenal – a competição de ideias e um reformismo incansável – nesse sentido. Devem lembrar que seu ideal fundador é a inclusão cívica de todos e que o meio para isso é a distribuição do poder político e do capital econômico. Se quiserem salvar a democracia liberal, a governança racional e o livre mercado, terão de pensar e debater com mais afinco sobre como reformá-los.

Na disputa contra os populistas, eles devem focar mais na mensagem que no mensageiro. Campanhas histéricas e hiperbólicas contra o populista e seus malfeitos só inflamam seus eleitores radicais e alienam os moderados. Mais do que questionar os motivos morais desses eleitores, é preciso apelar a seus interesses e valores positivos, e indagar pelos meios para remediar suas frustrações, sejam culturais (como o sentimento de desrespeito por valores identitários), políticas (por não se sentirem representados) ou socioeconômicas (como a ansiedade por emprego, segurança ou saúde).

Há enfim o desafio do registro emocional. Populistas excitam o ressentimento e a ira para vender o retorno a um passado idealizado ou o avanço a um futuro utópico. Os liberais devem ser razoáveis e realistas – mas não racionalistas, condescendentes e, sobretudo, tediosos. Devem rejeitar o insulto, o choque, a enganação, mas buscar formas criativas de propor políticas concretas com paixão e convicção. Mais do que acreditar, eles precisarão encontrar meios de mostrar que a esperança vence o medo. 

Fonte:  https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,populismo-sintoma-da-crise-democratica,70004158448

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