Como
se distingue o tempo perdido como experimentado ou desperdiçado? Se
considerarmos o tempo como a medida da mudança, o que muda quando
experimentamos o tempo? E que diferença existe relativamente a sentirmos
que desperdiçámos tempo? Será que o tempo desperdiçado é tempo perdido
porque nada mudou em nós? E será que o tempo experimentado é tempo
perdido a mudar alguma coisa em nós?
Quando lemos as notícias
sobre o COP27, a sensação que temos é a de que nada mudou, pelo que
podemos pensar terem sido desperdiçados recursos materiais e temporais
preciosos para toda a humanidade. António Guterres parecia isolado ao
dizer que estamos a caminho do abismo com o pé no acelerador, mas esse
pé está a actuar desde 1950 quando se identifica a época da Grande
Aceleração. Uma época onde as pessoas passaram a agir como se não
houvesse tempo a perder para desenvolver a tecnologia que poderia
transformar as suas vidas. Mas o preço pago por esse desenvolvimento
tecnológico foram os danos ambientais porque tudo o que se fez foi à
custa do consumo de combustíveis fósseis e ninguém conhecia o perigo que
isso representaria para o futuro. E agora sabemos? Talvez pudéssemos
aprender a lição de que vale a pena perder tempo a pensar antes de agir.
Se
nos voltarmos para o concreto da vida, um modo de pensar antes de agir é
o que está na génese de criarmos uma lista das coisas que temos para
fazer com o fim de perdermos o mínimo de tempo possível a pensar nisso.
Existe muita bibliografia que nos ajuda a fazer isso como o "Getting Things Done (GTD) — Fazer Bem as Coisas" de David Allen, e workshops sobre
gestão do tempo (eu próprio fiz várias para alunos de tecnologia) e
mesmo se a ideia consiste em organizar melhor o nosso tempo, existe
sempre aquela sensação de que a própria metodologia (qualquer que seja)
pode tornar-se numa fonte de stress e ansiedade. Porém, pessoas
como o físico Alan Lightman sugerem uma abordagem contra-intuitiva:
perder tempo a desperdiçar tempo para construirmos a melhor versão de
nós próprios.
Lightman argumenta pela importância de
desperdiçarmos tempo porque a experiência do tempo não estruturada e sem
objectivos pode ajudar-nos a mudar algo em nós, mas há uma condição:
temos de nos desligarmos do mundo. A procrastinação que muitos se
queixam de viver e que lhes impede de fazer as coisas atempadamente,
como um curso universitário, pode servir para despertar a nossa
criatividade, mas teríamos de nos desligar do mundo digital que nos
bombardeia com informação a todo o momento. Procrastinar a pensar sobre a
nossa vida, nós próprios e nos valores que nos orientam parece tempo
desperdiçado, mas diria ser antes tempo perdido a situarmo-nos no tempo,
e lugar onde estamos, para melhor compreendermos a direcção a tomar no
futuro.
A mente precisa de viver tempo perdido a libertar-se do
excesso de informação e entretenimento para desenvolver o seu lado mais
criativo. O lazer de hoje, se estivermos atentos e conscientes disso, é
um lazer atarefado com as inúmeras actividades (radicais ou não) que
fazemos com a sensação de não termos tempo a perder, ou por estarmos na
altura certa da vida para fazer certas coisas porque o tempo passa e não
volta atrás. Mas o lazer organizado é diferente do lazer como tempo
perdido a criar o espaço para a contemplação, seja essa de índole mais
espiritual ou intelectual.
«Não tens tempo a perder.» — continua aquela voz dentro da nossa cabeça a dizer. — «Tanta coisa para fazer, e tão pouco tempo.» — dizia Jack Nicholson como Joker no
primeiro filme do Batman que vi quando era jovem. E para muitas
pessoas, essa postura parece-lhes ser a correcta para sobreviverem às
dificuldades que vivem, seja de que natureza forem. Em linha com grandes
urgências de acção como a das alterações climáticas, onde muitos apelam
a não perder tempo para tomar as decisões acertadas, não parece fazer
muito sentido pensar em tempo perdido diante das urgências.
É
difícil lidar com as urgências, mas se voltarmos à percepção do tempo
como medida da mudança, uma urgência pode levar-nos a reagir à mudança
que o momento presente exige diante de nós. Por isso, por vezes, temos
de perder tempo com as urgências e, talvez, perder tempo a pensar a posteriori nas
razões dessas urgências caso verifiquemos que dependiam da orientação
que demos à nossa vida e não tanto por via daquilo que os outros
exigiram do nosso tempo. Por vezes, perder algum tempo a tomar
consciência das nossas escolhas significa devolver à vida a linfa que
provém dos momentos de pausa, paragem e respirar um pouco. Ninguém perde
tempo a respirar, mas tempo perdido com o que tem mais valor pode
dar-nos um novo respiro.
* Professor na Universidade de Coimbra e Doutorado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Superior Técnico. Membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado em self-publishing intitula-se KeepUp - Organização do Tempo de Estudo à venda na Amazon. Em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
Fonte: https://www.imissio.net/artigos/49/4909/tempo-perdido/ Imagem da Internet
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